Geração sem medo está nascendo para o mundo
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- Fabio Nassif
- 14/06/2013
Desta vez deveriam ter de 15 a 20 mil pessoas na rua. Um ato que caminhava de maneira organizada até a polícia interromper e iniciar a guerra. Toda tentativa de intimidação foi simplesmente ignorada pela manifestação. Quando se tem certeza de uma luta, não se recua diante de palavras que estamos acostumados a ouvir.
Chamou a atenção a quantidade enorme de policiais infiltrados. Eram eles que jogavam fogos e sinalizadores enquanto a absoluta maioria do ato gritava “sem violência!”. Este método estatal é antigo, muito antigo, mas o Brasil permanecia fingindo que deixou de existir. Assim como o desejo de realização de uma manifestação vitoriosa acabou novamente sendo verbalizada espontaneamente pelos manifestantes, estimulados por uma preocupação coletiva em torno da nossa pauta.
Obviamente, a repressão estava decretada. Não só pela ânsia de soldados mal pagos, treinados para reprimir a qualquer custo, mas respaldado pelos governos municipal, estadual e federal. Haddad declara que não vai abaixar a tarifa e que considera as manifestações violentas. Alckmin vomita as mesmas palavras de sempre, pela punição, repressão e criminalização. E José Eduardo Cardozo, o “professor” de direito que, além de encabeçar o anúncio oficial do genocídio indígena com as mudanças no método de demarcação de terras, afirma que o governo federal está à disposição para ajudar na repressão.
A repressão foi tremenda. Aliás, por curiosidade, quanto se gasta para reprimir uma manifestação? Helicópteros, 700 soldados, balas de borracha, bombas, cavalos, combustível... Gasta-se o quanto os governantes acharem necessário para proteger o Estado. Gasta-se cotidianamente contra os pretos, pobres e periféricos. A manifestação se dispersou e se juntou mais de uma vez. Está certo, nem a polícia sabia para onde dispersar. Talvez a intenção nem fosse esta. Mas também os manifestantes não viam sentido em fazê-lo voluntariamente. Afinal, estamos certos. Agora, é hora novamente de lutarmos sem trégua pela libertação dos nossos.
Pois então. Do outro lado, até a mídia, atingida pelas balas de borracha, passa a questionar os motivos de tanta intransigência dos governos. Ora, a pauta voltou ao seu lugar! Já não é lunático pedir a revogação dos aumentos. E mais, já não é aceitável tamanha violência estatal.
Mas o emocionante nesta jornada toda, para além da gostosa e distante sensação de nos juntarmos a jovens e trabalhadores de todo o mundo que estão em luta, é saber que o Estado e a mídia burguesa estão formando uma geração de ativistas. Saber que as lutas contra o aumento ocorreram em diversas outras cidades como Porto Alegre, Natal, Maceió e Rio de Janeiro nos dá força. Saber ainda que uma manifestação foi realizada em Curitiba, simplesmente em solidariedade às demais, é arrepiante.
É muito possível revertermos o aumento. Porém, mesmo sob uma derrota triunfal, uma geração está sendo forjada pela experiência prática sobre o que é nossa democradura, a necessidade da organização coletiva e da disputa de uma sociedade inteira que, mesmo não entendendo essas cabeças juvenis, sabem que elas têm razão. Ah, e uma geração com um repúdio gigante à mídia da ordem.
No Chile, diante das massivas manifestações estudantis, diz-se que esta é uma geração sem medo, pois não viveu os tempos sombrios da ditadura oficial e tampouco está adaptada à ordem. E é a própria geração esmagada pela ditadura e depois pelo discurso neoliberal quem chega a esta conclusão, contribuindo assim para repassar o bastão da história. E isto se transforma em solidariedade, inclusive dos familiares e conhecidos dos manifestantes.
É cedo pra dizer isso do Brasil. Muito cedo. Ainda viveremos muita barbárie fruto da desigualdade social, adormecida enjoativamente pelo discurso da pátria de chuteiras e por uma sensação de estabilidade. Mas não é exagero afirmar que não somos a geração amorzinho, da conciliação de classes e da organização orquestrada pelo capital. E de repente, nos vácuos da calmaria e do senso comum, nasceremos para o mundo.
Fábio Nassif é jornalista.
Comentários
Texto: Rinaldo Martins de Oliveira
20/06/2013.
A meu ver, o recente levante da juventude estudantil ocorrido nas grandes capitais brasileiras, impulsionado pelo chamado Movimento Passe Livre, inaugura no nosso país o que aqui denomino de Ativismo de Espetáculo.
Essa expressão, na verdade, é uma derivação do conceito de “Sociedade de Espetáculo” criado, na década de 60, pelo escritor e militante político francês, Guy Debord.
A sua definição de Sociedade de Espetáculo é ampla, mas pode, em resumo, ser entendida como o conjunto das relações sociais, ocorridas nas atuais sociedades capitalistas, mediadas nas imagens. As imagens, nesse atual sistema, transformaram-se no próprio “discurso político”, substituindo conteúdos inteiros e orientando comportamentos nos seus mais diversos aspectos.
A atual produção massiva de imagens, não só através das mídias, mas também nas próprias relações de consumo e de produção da economia, passa a exercer fundamental poder no controle social por parte dos que detêm os veículos de comunicação de massa e os meios de produção.
Desse modo, através do espetáculo permanentemente oferecido por essa estrondosa produção imagética, as populações têm sido, sobretudo nas últimas décadas, cuidadosamente lapidadas e trabalhadas para se sentirem totalmente inseridas e integradas nessa estrutura social dominante.
Assumem, com relativa naturalidade, a ideia alienada e alienante de que tal estrutura - em que pesem as suas imperfeições e contradições - existe fundamentalmente para lhes servir as demandas continuadamente suscitadas pelo avanço do espírito humano. Quando, na verdade, desde o início, tem sido rigorosa e detalhadamente forjada para servir apenas e exclusivamente aos interesses de lucro e domínio do grande capital, submetendo toda a sociedade a esse fim.
O meu conceito de “Ativismo de Espetáculo” entra nesse bojo como uma das segmentações atuais dessa dita Sociedade de Espetáculo. Com o advento da internet e, especificamente, dos seus veículos de interatividade que impulsionaram a criação das chamadas “redes sociais”, vem se consolidando rapidamente, nesse meio, dentre as inúmeras tribos virtuais, um segmento social voltado especificamente para um certo ativismo político centrado na perspectiva dos impactos imediatos no meio da sociedade que tais veículos, quando devidamente utilizados, podem produzir.
Pela facilidade com que esse ativismo de espetáculo insere os seus adeptos no mundo da política – sem a necessidade de qualquer mediação de organismos historicamente construídos na sociedade (sindicatos, partidos, organizações estudantis, etc) - diversas pessoas, sobretudo do segmento juvenil de classe média, têm acabado por se entusiasmar, dessa forma, em exercer a sua “dimensão política e cidadã” tão relegada ao segundo ou nenhum plano.
A eficácia para os fins a que os ideólogos do poder querem chegar, com o estímulo a esse tipo de ativismo, está em que ele produz a forte sensação de que “fazer política” é apenas e tão somente projetar o movimento na mídia, visando desse modo alcançar a simpatia da opinião pública. Para isso, tão somente basta aderir às convocatórias e ir para as ruas reivindicar e protestar, com muitas bandeiras e com muita disposição de “chamar a atenção” da população...
É óbvio que todo ativismo político, pelo menos com coloração de esquerda, deve abarcar em sua estratégia, fundamentalmente, a ação direta como instrumento privilegiado dos oprimidos de pressão política junto aos donos do poder visando obrigá-los a negociar o reivindicado. Não é possível dobrar os poderosos senão com a ação direta, que representa desde as tradicionais passeatas, passando pelas greves dos trabalhadores, até chegando ao limite das insurreições populares armadas em combate ao aparato militar a serviço da proteção das classes dominantes e de suas propriedades, visando a derrubada do sistema opressor.
Mas limitar o ativismo político a esse momento prático, é, no mínimo, reduzi-lo a um voluntarismo cujos resultados sempre foram absolutamente inócuos ou ínfimos, não só nos propósitos teóricos defendidos, mas também no alcance das metas mais pontuais definidas.
Ocorre que o ativismo de espetáculo é como uma espécie de “fogo de palha”: até levanta grande labareda mas em um período muito curto de tempo, apagando-se por completo e, pior, não deixando vestígio algum.
Portanto, apostar as fichas no ativismo de espetáculo é um tiro no pé do movimento que se pretenda realmente contestador do sistema e revolucionário. Pois o ativismo de espetáculo só existe essencialmente para afagar as demandas internas psicológicas de cada um de seus participantes, ainda que, em alguns casos, possa envolver multidões.
O problema é que, na medida exata que o saciamento dessa demanda ocorre minimamente, tudo é automaticamente abandonado no meio do caminho. Deixando apenas a perigosa sensação aos que o adotaram, de que nada ou quase nada, no fundo, poder ser transformado realmente, posto que a impressão maior que, ao final, sempre fica é que ninguém ou uma minoria ínfima, apesar das grandes emoções vividas, realmente pretende levar a luta a sério e até às últimas conseqüências.
Mas, em desmentido a essa falsa impressão deliberadamente plantada pelos ideólogos do poder, a história da humanidade tem demonstrado que sempre houve e sempre haverá homens e mulheres com disposição revolucionária para mudar as estruturas.
Sabem que essa luta não surgirá do voluntarismo ativista. Será construída por iniciativa de uma militância de vanguarda que tem bem definido na mente que só com muita paciência histórica e trabalho árduo, contínuo e de longo prazo nos meios populares, ajudando-os a assumirem o seu lugar de protagonistas do processo, é que se conseguirá chegar às devidas mudanças estruturais que urgem serem feitas nesse país e no mundo.
Rio, 20 de junho de 2013.
Rinaldo Martins de Oliveira
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