Brasil: a calma e o maremoto
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- Osvaldo Coggiola
- 12/08/2013
Os movimentos de rua continuam ditando cada passo da política do país, apesar do seu retrocesso em julho. O Rio de Janeiro assiste diariamente a manifestações contra o governador Sergio Cabral (PMDB), eleito em 2010 (com apoio do PT) e que agora conta com um (superestimado) apoio de 12% do eleitorado. Cabral foi cercado pela população em Campo Grande, onde ocorreu um acidente trágico, e teve que fugir: sua própria casa sofre um cerco diário. O governo de São Paulo, histórica e atualmente nas mãos do PSDB (oposição), sofre a explosão de uma bomba no seu próprio terreno: a empresa Siemens auto-denunciou sua participação em um esquema de superfaturamento nas obras de construção do metrô (280 milhões de dólares), com a cumplicidade do governo do estado. As manifestações em São Paulo, ainda que muito minoritárias em relação às da luta contra o aumento da tarifa dos transportes, também continuam diariamente.
Sob essas condições, o governo federal (PT), depois de um novo corte orçamentário (10 bilhões de reais), que se somam aos 28 bilhões já cortados no primeiro semestre, para alcançar as metas de superávit primário impostas pelo FMI (garantindo o pagamento em dia da dívida pública), liberou 6 bilhões em “emendas parlamentares” (corrupção disfarçada), com o objetivo de manter o apoio da base aliada, que poderia devastar a governabilidade petista. O superávit primário de 2013, ainda assim, é o pior desde 2001. A perda de capitais (que invocam os perigos de um país no qual as ruas são ocupadas cotidianamente) se soma agora ao déficit comercial, o primeiro em toda a década petista: 5 bilhões de dólares nos primeiros sete meses do ano (contra um superávit de mais de 25 bilhões de dólares no mesmo período em 2006). O boom exportador foi reduzido em 30 bilhões de dólares. Somente o capital financeiro continua ganhando, beneficiado pela elevação das taxas de juros: Itaú Unibanco (maior banco privado) lucrou 3,6 bilhões de reais no segundo semestre, recorde histórico. O país se funde ao compasso do parasitismo capitalista-financeiro. O parasitismo estatal está a seu serviço. Frentes às mobilizações, a presidente Dilma Rousseff anunciou estudar a fusão de alguns dos 39 ministérios (13 em 1990), que empregam 984.330 funcionários, ou seja, demissões nas estatais à vista. Mas nada de trocar os 22.417 “cargos de confiança” dos ministros, um verdadeiro exército de parasitas sociais.
A única notícia “positiva” é a desaceleração do ritmo inflacionário (0,26% em julho) devido à queda... do preço dos transportes (a grande vitória dos manifestantes). Como a população sabe que isto não se deve em nada ao governo, o índice de popularidade de Dilma Rousseff segue caindo (já foi de quase 70% para pouco mais de 30%): o único consolo dos petistas oficiais e oficiosos é que o índice dos opositores eleitorais (declarados) também caiu. Isto nos leva à conclusão de que, com as devidas correções, o PT poderá “navegar” na atual crise. A grande contribuição da Direção Nacional (DN) do PT (olimpicamente ignorada por Dilma) foi a produção de um parco documento (depois de dez dias de negociações entre todas as suas correntes) onde afirma que “a condução de uma nova etapa do projeto exige ratificações na linha política do PT e o governo que reflita sobre a atualização do programa e consolidação da estratégia que expressa a radicalização da democracia”. Ou seja, nada. Sobre a perda de capitais, dívida pública (interna e externa), salários, demissões (o desemprego cresceu 0,6% este ano, e as empresas anunciam novos cortes) e, sobretudo, repressão (assassinatos nas favelas e um desaparecido no Rio, Amarildo de Souza), nem uma palavra.
A esquerda petista e a não-petista
Enquanto a esquerda petista se limita a reclamar (literalmente) seu direito à existência (remunerada, claro) – sua participação nas atuais manifestações é nula – a esquerda do PT busca aproveitar a crise para subir no aparelho, usando a política do avestruz até a esquizofrenia. “A reação pública da DN do PT, da presidenta Dilma e de Lula foram na mesma direção: enfatizar a coincidência entre as reivindicações das ruas e os nossos objetivos estratégicos”, reza o documento da Articulação de Esquerda, AE (Página 13, agosto). Dilma, recordemos, mandou inicialmente reprimir com tudo as manifestações, enquanto Lula estava de viagem na África. Para a AE, o problema seria que “as forças de direita, incluindo a que se abriga no governo e controla o Congresso Nacional, não querem nenhuma reforma política”; “os acontecimentos confirmaram”, continua, “que se o PT não mudar de estratégia, será atropelado”, o que não impediu a AE de assinar o documento da DN (“consolidação e ratificação da estratégia” incluída).
A questão da reforma política é a mais saborosa. Pois a “força de direita governamental que o controla o Congresso” (o PMDB) instituiu uma comissão parlamentar de reforma política, com um projeto que “flexibiliza” (sic) o financiamento partidário, elimina praticamente as multas aos doadores privados (pessoas ou empresas), suprime qualquer limite à propaganda eleitoral por qualquer meio e libera os partidos e candidatos da comprovação dos gastos, além de incrementar os recursos públicos de campanha; ou seja, a farra completa, pra não usar outra palavra. O saboroso é que a comissão é presidida, por indicação do PMDB... pelo próprio PT (Cândido Vaccarezza).
Os gurus ideológicos e políticos da esquerda apontaram unanimemente o perigo do surgimento de uma direita fascistóide, como o sujeito que grita “pega ladrão!”, a fim de encobrir uma ação dos verdadeiros ladrões. A esquerda brasileira surgida no calor da fase final da luta contra a ditadura militar e da pseudo-democratização da década de 80 esgotou seu ciclo histórico e político. Em meio ao colapso comercial e financeiro do país, e ao colapso de seu regime político, uma nova esquerda classista poderá ver a luz sobre a base do balanço político da esquerda atual, que não será, mas está sendo, “atropelada”.
Osvaldo Coggiola é historiador.
Tradução de Raphael Sanz para o Correio da Cidadania.
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