Os movimentos sociais e a perspectiva da “Revolta da Copa”
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- Paulo Spina
- 03/06/2014
É recorrente ouvirmos nas ruas e nas mídias que as manifestações contra a Copa estão atrasadas, que deveriam ter acontecido quando o país foi escolhido pela FIFA. Agora, junho de 2014, supostamente seria hora de torcer. Um exemplo desta interpretação é a filha de Ricardo Teixeira, Joana Havelange, que reproduziu numa rede social a frase “não vou torcer contra, até porque o que já tinha que ser gasto, roubado, já foi. Se fosse para protestar que tivesse sido feito antes...”. Entretanto, um olhar sobre a história recente de lutas e mobilizações dos movimentos sociais traz outra perspectiva.
Copa pra quem?
Há cerca de três anos, alguns movimentos se articularam para criação do Comitê Popular da Copa. Este comitê constitui uma narrativa questionando, com diversas ações, a forma como a Copa está sendo realizada. Uma ação importante foi a manifestação do dia 14 de junho de 2013, realizada em conjunto com o MTST, fechando a Avenida Paulista logo no dia seguinte da repressão policial que aconteceu no quarto ato do MPL, trazendo como palavra de ordem a pergunta “Copa pra quem?”.
A revolta de junho e a resposta das ruas
Em meio às revoltas, em manifestações na semana dos dias 17 a 21 de junho, convocadas pelo MPL, ouve-se a palavra de ordem cantada com muito entusiasmo pelos manifestantes: “Não vai ter Copa!”. Esta negativa à Copa, que é uma resposta possível à pergunta da palavra de ordem “Copa pra quem?”, não surgiu de um movimento social em específico, de algum texto de intelectual ou de algum partido de oposição. Surgiu, sim, das ruas!
Se não tiver direitos não vai ter Copa / Não vai ter Copa
No último bimestre de 2013, surgem duas proposições de luta envolvendo grupos bem diferentes, trazendo a temática da Copa. O Fórum Popular de Saúde, a partir de seu seminário estadual e do entendimento que a centralidade da luta em 2014 estaria nos gastos da Copa, em oposição ao pouco investimento nos direitos sociais, como a saúde, lança o manifesto “Se não tiver direitos não vai ter Copa”, convocando diversos movimentos sociais a fazerem parte de uma luta por direitos. No mesmo período, ativistas de um coletivo chamado “Contra a Copa”, criado a partir das manifestações realizadas depois de junho de 2013, convocaram uma manifestação na internet para o dia 25 de janeiro com o nome “Não vai ter Copa”.
Estas duas proposições se unificam em uma frente de luta heterogênea denominada “Se não tiver direitos não vai ter Copa”, que preparou o Primeiro Ato do dia 25 de janeiro e mais oito protestos contra a Copa em menos de cinco meses. Nestes atos, a organização enfrentou difíceis realidades, como: a intensa repressão policial, com manifestante sendo baleado, centenas de detidos e adversidades, como o desafio de ir para as ruas depois da tragédia do cinegrafista no Rio de Janeiro. Aconteceram ocupações de espaços públicos, atos aos sábados, durante a semana à noite, debaixo de chuva, com vigília na frente de hospital para prestar solidariedade ao manifestante baleado... Enfim, esta unificação de diferentes pessoas, movimentos e coletivos indignados demonstrou resistência e potencializou o sentimento de revolta na juventude, por direitos sociais e exigindo mudanças.
‘Copa sem o povo, tô na rua de novo’
O MTST, junto com outros movimentos, lançou em maio de 2014 sua jornada de lutas denominada “Copa sem o povo tô na rua de novo”, com amplo potencial de mobilização, sobretudo pelas ocupações recentes, “Nova Palestina” e “Copa do povo”, esta última no bairro de Itaquera, a poucos quilômetros do estádio Itaquerão. A jornada é organizada a partir de pautas concretas, denominadas “Hexa de direitos”, envolvendo reivindicações de moradia, saúde, transporte, educação, direitos na Copa e contra a repressão.
Diversas ações já foram realizadas nesta jornada: ocupações simultâneas de três empreiteiras que construíram estádios para a Copa, o travamento de seis importantes vias da cidade de São Paulo, o apoio ao ato de 15 de maio realizado pelo Comitê Popular da Copa (que também acabou em repressão) e um grande protesto, com mais de 15 mil pessoas, chamado de “junho vermelho”, que parou a Marginal Pinheiros e a Ponte Estaiada, em São Paulo.
Apesar de características completamente diferentes dos protestos anteriores, tais como os participantes, as formas de organização, as palavras de ordem e os repertórios de confronto, temos as palavras de liderança do MTST: “Se não tiver moradia, não vai ter abertura da Copa em São Paulo no dia 12 de junho”, que expressam conteúdo semelhante, que passam pela exigência de direitos e pela ameaça à Copa. Ou seja: se não houver direitos, não vai ter Copa.
A força do movimento, com sua base ampla e com grande coesão, sobretudo se não forem atendidos os pedidos por direitos pelo governo federal, pode vir a deslocar a luta de uma disputa geralmente interpretada de forma subjetiva e metafórica para uma ameaça considerável.
O que nos aguarda em junho?
A frente “Se não tiver direitos não vai ter Copa” tem realizado reuniões abertas com dezenas de ativistas e já está organizando a próxima manifestação. O MTST vai realizar outro ato grande na próxima quarta à noite, em São Paulo, e se o governo não atender suas reivindicações a luta poderá ser radicalizada. Diversos outros movimentos estão convocando manifestações para a abertura da Copa e também o MPL já convocou protesto para 19 de junho.
Tudo isso indica que, para os movimentos sociais, a indignação é o sentimento preponderante e as ações coletivas na Copa podem ser unificadas em diversas bandeiras de luta: “Copa sem o povo tô na rua de novo”, “Não vai ter Copa”, “Copa pra quem?”, “Se não tiver direitos não vai ter Copa”, “Na Copa vai ter Luta”, “Fifa Go Home”. Esta indignação e a unificação dos movimentos, somadas às inúmeras greves, à insensibilidade dos governos e à repressão da PM, podem fazer este período ser conhecido futuramente como a “Revolta da Copa”.
Paulo Spina é ativista do Fórum Popular de Saúde.