Manifestação policial ‘pacífica’ e estática: é jogo do Brasil
- Detalhes
- Guilherme Uchôa (texto e fotos)
- 18/06/2014
O ônibus para na esquina da Rio Branco, caminho até a Presidente Vargas e, quando olho, a Candelária mais uma vez está tomada: mais uma manifestação em dia de jogo do Brasil. Mas, passados aqueles minúsculos segundos em que a vista ajusta o foco, vejo que hoje os ativistas usam fardas e portam armas, ao menos 200 policiais militares. A maioria sentada à espera do inimigo que não veio. Ouço ao fundo o narrador anunciar: “Começa o jogo”.
Havia um protesto marcado nesta terça-feira no centro do Rio de Janeiro. Desta vez, o tema seria novamente as tarifas do transporte público. No entanto, após os confrontos dos últimos atos, o comando policial decidiu mudar a sua tática repressiva. A Candelária virou um quartel general com mais de 200 “soldados”, viaturas e mais viaturas em todo entorno da igreja e motos circulando pelo local. Se isso não é repressão, não sei dizer o que é.
Impressionado com o que via, sigo caminhando até chegar a um bar perto dali e me deparo com ao menos dez policiais assistindo tranquilamente ao jogo do Brasil (como podem ver na foto). É, para eles, teve Copa. Segundo fontes oficiais, o país investiu quase R$ 2 bilhões em segurança neste evento privado da FIFA, com um total recorde de 170 mil profissionais do setor. Porém, como se vê, alguns estão ociosos.
Continuo a minha caminhada pelo centro da cidade e, quando chego na Uruguaiana e nas ruas desertas do Saara (famoso reduto comercial da cidade), observo que não há policiamento algum por ali. Porém, mais à frente, cruzo uma travessa da avenida Rio Branco e vejo mais uns dez carros de polícia. Ficou claro. O policiamento ficou totalmente concentrado na Candelária e em toda a extensão da Rio Branco – o caminho mais tradicional das manifestações no Rio de Janeiro.
No Largo de São Francisco, também totalmente deserto, avisto um carro da PM, mas estava vazio. Pouco depois, em uma das vielas, ouço uma mulher gritar, enquanto um homem ria sem parar. Então, ouço a voz de outro homem que também ri enquanto a mulher segue. Podia ser qualquer coisa, até mesmo adeptos do “Vai ter Cópula”, mas um clima hostil toma conta da rua. Melhor seguir caminhando.
No Largo da Carioca, um policial estava no carro enquanto outros viam a partida na guarita. Já na Cinelândia, um grupo de policiais assistia ao jogo no famoso bar Amarelinho e outros assistiam de um carrinho de um catador de papelão. Atrás da TV, um cartaz estampava frases de protesto sobre os crimes que mais chocam.
Já é intervalo quando avisto a Lapa repleta de torcedores e turistas. Aqui, mais policiais estáticos espiam pelo menos os melhores momentos. A quantidade do policiamento aumenta, não é Copacabana, mas há gringos por aqui também.
No dia em que o Rio de Janeiro viu uma manifestação literalmente pacífica e estática, o Brasil seguiu igual. Empatado no placar dentro de campo e, fora dele, repressivo como em tempos de ditadura. Subo no ônibus e a cobradora desabafa ao motorista: “Se ela continuar com graça, vai aparecer morta”. Meus olhos arregalam para ela, que segue: “É, meu filho, Deus não dá asa para cobra. Baixinho não tem força para brigar, mas tem bala para atirar”. Fim de jogo. Onde a polícia não vê, o coração sente.
Fotos:
Leia também:
‘Teremos duas Copas do Mundo: uma com as imagens bonitas da FIFA e outra tensa, das ruas’ – entrevista com Juca Kfouri
São Paulo, abertura da Copa: 'Foi uma das manifestações mais violentamente reprimidas que já vi'
A repressão da Polícia Militar na zona leste no dia da abertura da Copa do Mundo
Disputa por legado da copa vai além das eleições
Guilherme Uchôa é jornalista.