Uma Copa que não respeita os direitos civis básicos
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- Pablo Ortellado
- 18/06/2014
A cada dia que passa, recebemos notícias mais graves da suspensão dos direitos civis no Brasil. Desde a semana da abertura da Copa, quase todas as manifestações públicas programadas foram dissolvidas preventivamente, ou seja, foram impedidas por força policial de se concentrarem, numa flagrante violação da Constituição.
Centenas de ativistas em todo o território nacional estão sendo regularmente visitados de maneira intimidatória pela polícia, que também os está intimando a depor coercitivamente durante datas de manifestação com o intuito de privá-los de um direito que deveria ser sagrado em qualquer democracia. Até a Polícia Federal está fazendo uso da infame Lei de Segurança Nacional, um dos mais abjetos resquícios da ditadura militar. Tudo isso para que um torneio de futebol ocorra "sem transtornos".
Todos os níveis de governo, os meios de comunicação de massa, o judiciário e a esquerda aliada ao governo federal estão se calando contra as gravíssimas violações aos direitos civis. Oficialmente, 50 mil famílias foram removidas de suas residências para que a Copa acontecesse por aqui – estamos falando de 200 mil pessoas, um em cada mil brasileiros. Boa parte foi mandada para longe – alguns não foram indenizados e a maioria contesta o valor da indenização. Por outro lado, a FIFA e seus parceiros comerciais receberam mais de um bilhão de reais de isenção tributária, valor que permitiria aumentar em 20 mil reais a indenização para cada uma das famílias "oficialmente" removidas.
O movimento que protesta contra a Copa fez uma porção de erros estratégicos e não conseguiu organizar a insatisfação. Mas nada, absolutamente nada, justifica o que está acontecendo e a conivência das nossas instituições.
Um pequeno grupo de vozes dissidentes que inclui ativistas, movimentos sociais e organizações de direitos humanos segue isolado e falando para as paredes, enquanto a direita, a maior parte da esquerda e quase todas as instituições democráticas fingem que nada acontece. A única coisa que oferece consolo é que a imprensa internacional, ao contrário da brasileira, está minimamente fazendo seu papel e tem produzido boas análises críticas da FIFA (afinal, verdade seja dita, a submissão do Brasil à FIFA nada tem de excepcional).
Se sairmos desse episódio com um crescimento da consciência crítica do papel desse monstro privado transnacional, talvez os sacrifícios não tenham sido em vão. Mas talvez nossa oposição não tenha tido força ou organização suficiente para tanto.
Hoje, queria mesmo era estar me divertindo com o meu filho, como meus pais fizeram comigo em 1982. Mas não estou conseguindo separar o futebol de tudo isso que está acontecendo. É uma pena.
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Pablo Ortellado é professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).
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