Correio da Cidadania

A teoria da alienação em Marx, de István Mészáros

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“Só na luta as tarefas da luta se tornam claras. Organização, esclarecimento e luta não são

momentos separados, mas diferentes aspectos do mesmo processo”. Rosa Luxemburgo

 

A crítica da alienação e de seus fundamentos históricos permanece um projeto com radical atualidade e extrema urgência. É o que defende o filósofo húngaro István Mészáros em seu estudo sobre os Manuscritos econômico-filosóficos, de Karl Marx. Nessa obra, de 1844, o fenômeno da alienação é desvendado pela primeira vez a partir de uma abordagem ontológico-materialista.

 

Para Marx, por causa das mediações capitalistas que se afirmam sobre o controle do metabolismo social, o homem se torna alienado: 1) da natureza (como própria realidade sensível e como produto transformado do trabalho); 2) de si mesmo (de sua atividade); 3) de seu ser genérico (seu ser como membro da espécie humana); e 4) dos outros homens como tais. Como resultado, tudo se torna “coisificado” e passível de ser transformado em mercadoria.

 

Nas palavras de Mészáros, “as relações ontológicas fundamentais são viradas de cabeça para baixo” (p. 80). Os indivíduos passam a ser confrontados com as “coisas” e não têm consciência de seu ser genérico. As produções humanas se autonomizam de seus criadores e se contrapõem a eles de maneira hostil. O homem, nesse contexto, deixa de realizar a sua especificidade humana, isto é, a capacidade prática de automediação. E ninguém está livre disso: essa é a condição material de todos os que participamos das relações sociais de produção capitalistas.

 

É com base nessas constatações que o pensador alemão irá preconizar a superação (Aufhebung) da alienação, o que significa dizer: a transcendência das mediações capitalistas e a efetivação de uma sociedade emancipada, comunista, fato que só poderá se realizar mediante uma revolução social. Com tais definições, diz Mészáros, nasce o sistema de Marx, enquanto teoria radical da transformação do mundo elaborada a partir do ponto de vista criticamente adotado dos trabalhadores.

 

De acordo com o filósofo húngaro, o que permite a Marx compreender a alienação é o correto estabelecimento de uma ontologia histórico-materialista no interior da qual são inseridos os problemas de cunho antropológico: ou seja, a questão do homem (sua especificidade) é entendida dialeticamente em relação ao problema filosófico geral do ser. Nesse movimento, o autor dos Manuscritos econômico-filosóficos consegue decifrar os elementos definidores do ser em geral (objetividade, relação etc.) e do ser específico do homem: a capacidade de automediação, isto é, de fazer-se a si mesmo a partir de condições dadas. São essas conceituações que, segundo Mészáros, permitirão a Marx, mais tarde, desvendar as contradições do sistema do capital.

 

Um dos elementos decisivos na formulação marxiana, segundo o filósofo húngaro, é a diferenciação entre o trabalho como atividade produtiva autodeterminada (que, como tal, isto é, como mediação de primeira ordem, é elemento fundante do ser do homem) e o trabalho organizado pela divisão capitalista do trabalho (isto é, o trabalho organizado por certas mediações de segunda ordem – propriedade privada etc. -, criadas historicamente, e que se afirmam de maneira hostil sobre a atividade produtiva humana). É nesta condição que o trabalho se torna fonte da mais renitente e multifacetada alienação.alt

 

A superação da alienação capitalista consiste, nesse contexto, na eliminação completa dessas mediações de segunda ordem, não para que o ser humano viva em função do trabalho, mas para que organize a atividade produtiva de forma autônoma e consciente, de modo que, como dirá Mészáros mais tarde, em Para além do capital, o tempo disponível possa ser usado como princípio orientador da reprodução societária, a fim de permitir ao homem a livre fruição das riquezas humanas construídas socialmente.

 

Ao fim de seu livro, depois de discutir os aspectos econômicos, políticos, ontológicos, morais e estéticos da teoria da alienação de Marx, Mészáros conclui com uma interessante consideração de cunho político-educacional. Ao buscar uma crítica para a experiência socialista soviética, o filósofo húngaro defende a criação de mediações alternativas de luta capazes de confrontar o sistema do capital sem repetir a via bolchevique, elogia os Conselhos Operários como “o tipo de instituição capaz de realizar essa tarefa (isto é, a automediação adequada do indivíduo social)” (p. 260) e afirma que a construção dessas organizações de luta necessita andar a par e a passo com uma atividade formativa, educacional, não-institucional e intimamente vinculada com o processo revolucionário.

 

Mészáros revela aqui elementos de uma influência que, juntamente com Marx, se tornará cada vez mais forte em suas obras posteriores, mostrando-se bastante evidente, especialmente, em O Poder da Ideologia e Para Além do Capital: o pensamento da dirigente comunista judia-polonesa-alemã Rosa Luxemburgo.

 

Ficha técnica

 

Título: A teoria da alienação em Marx

Autor: István Mészáros

Editora: Boitempo

Ano: 2006

Páginas: 293

Preço:

 

Sobre o autor: István Mészáros é húngaro de nascimento e radicado na Inglaterra. É um trabalhador braçal que se tornou filósofo. Estudou com Lukács na Universidade de Budapeste, militou nos campos político e cultural e, posteriormente, construiu sólida carreira intelectual, dedicando-se a elaborar trabalhos criativos e de síntese da teoria marxista de largo fôlego.

 

Demetrio Cherobini é doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Comentários   

+2 #1 Metodologia EconômicaNilson B Nunes 09-04-2015 16:44
Longe de superado, o problema do "trabalho produtivo" versus "trabalho improdutivo", continua a exigir qualificação para o debate, entendimento e superação. Para além de mera questão ideológica entre 'liberais capitalistas' e 'socialistas democráticos' ou comunistas, o problema da estética do trabalho (produtivo e/ou improdutivo) não se resumiria à "teoria da exploração" - quando o capitalista se apropriaria do trabalho social sem a contrapartida em trabalho equivalente, exarando assim a 'mais valia', etc... A 'teoria econômica' é necessária, mas insuficiente para alcançar as "multiplicidades contínuas" do devir das potencialidades do homem. A estética do trabalho é ancilar à estética da conscientização, assim que, nas palavras de Mészáros, distingue duas ordens: do desiderato do ser e da hostilidade do modo de apropriação do ter. Sustenta-se todavia a mediação da "moderação necessária" (Habermas e os três mundos) para asseverar que no processo de superação da alienação, chegar-se-á a dar conta que, parte do trabalho alienado, permanece no trabalho autodeterminado (tomado em coletivo), assim como nos períodos de "revolução das ciências" parte dos paradigmas questionados, permanecem no processo de sua derrocada e quebra...
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