“Vinte Centavos: a luta contra o aumento”
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- 07/02/2014
Interpretar um fato histórico, medindo seu grau de importância, é um exercício feito em marcos relativos, uma vez que a análise do fato histórico em questão deve se dar em relação aos seus desdobramentos na sociedade. E, obviamente, é preciso que o tempo passe para que estes desdobramentos ocorram. É preciso o tal “distanciamento temporal”, que não costuma ser medido em semanas ou meses, mas muitas vezes em décadas.
Peguemos as Jornadas de Junho: não restam dúvidas de que se trata de um fato histórico para o Brasil, cujo enredo os livros de História vindouros se incumbirão de narrar. Mas a verdade é que ainda não sabemos exatamente qual sua importância histórica, mesmo com cinco meses passados. Já é possível de se ler por aí, por exemplo, que, com as Jornadas de Junho, abriu-se um processo revolucionário no país. Soa a uma análise super-dimensionada, mas vai saber: só mesmo o tempo poderá nos dizer.
Sabiamente, o livro “Vinte Centavos: a luta contra o aumento”, lançado em outubro pela editora Veneta, foge da tentativa de interpretar historicamente as Jornadas de Junho. Na verdade, ele se constrói muito mais como uma obra documental, oferecendo-se como um subsídio para futuras análises históricas do fato. Faz isso na medida em que compila os acontecimentos mais importantes do período entre 6 e 19 de junho – datas respectivamente do primeiro grande ato chamado pelo MPL (Movimento Passe Livre) e da revogação dos aumentos das passagens de ônibus, trens e metrô em São Paulo.
Todos os cinco protestos e seus efeitos imediatos são descritos em ordem cronológica, sempre se guiando por uma série incansável de citações. Estas abrangem editoriais de jornais, textos de articulistas, notas públicas do MPL, pronunciamentos oficiais do poder público, discursos de vereadores, trechos de entrevistas, entre vários outros. Em determinados momentos, a sequência de citações de conteúdo muito semelhante, em que só se alternam os autores, dota o livro de certa monotonia, sobretudo se o leitor já estiver bem familiarizado com o tema. Mas como o propósito da obra é essencialmente documental, trata-se de um mal necessário.
Algo interessante de se notar é que, ao colocar os acontecimentos de junho em perspectiva, o livro acaba cumprindo a tarefa de explicitar o comportamento político da grande imprensa de forma extremamente pedagógica. É possível perceber exatamente quando se dá a mudança de tratamento das manifestações, das quais no início eram destacados apenas os atos de vandalismo. Na medida em que as manifestações se massificam pelo país, surgindo a oportunidade de direcioná-las contra o governo federal, a grande imprensa opta por uma clivagem: surge o termo “vândalos”, usado a esmo por repórteres e apresentadores de telejornais, para distinguir aqueles dos “manifestantes” – estes, os verdadeiros portadores do espírito cívico e que estão protestando por um país melhor.
Mas ainda que a proposta seja documental, “Vinte Centavos” traz também duas boas análises.
Logo no início, há um texto de Marcelo Pomar, principal figura pública do MPL de Florianópolis, cidade berço do movimento. Pomar faz um resgate histórico das lutas pelo transporte público desde 2003, ano da Revolta do Buzu, em Salvador. A partir de então, narra uma sucessão de eventos que acabaram por forjar o MPL de hoje, explicando ainda como a demanda pelo passe livre estudantil amadureceu ao longo do tempo, passando a compreender o transporte público como um direito social do mesmo patamar que áreas como saúde e a educação – e, portanto, passível de ser usufruído livremente e com garantias de qualidade de serviço.
A outra análise fica por conta de Pablo Ortellado, que, no fim do livro, reflete sobre a mutação dos métodos das lutas sociais. Diz Ortellado que, durante as lutas dos movimentos contra a liberalização econômica (chamados por alguns de “alter-mundialistas” e pela grande imprensa de “anti-globalização”), nos fins dos anos 90, início dos 2000, consolida-se uma inversão de valores. Os resultados deixam de ser o foco principal da luta, que acaba auferindo mais importância ao processo para se obtê-los.
Em outras palavras, o mais importante não era conseguir obrigar o governo a atender esta ou aquela demanda, mas sim que o movimento se comportasse de maneira radicalmente horizontal e autônoma. No caso das Jornadas de Junho, Ortellado aponta uma novidade no período histórico: o fato de que o MPL uniu a valorização do processo (ter feito uma luta sem líderes e de maneira horizontal) com a do resultado (a obtenção da revogação do aumento).
Por fim, é importante ressaltar que, muito mais que uma tarefa acadêmica, “Vinte centavos” mostra-se como um trabalho militante ao se apresentar como depositário da memória de uma jornada de lutas. E reside aí o grande mérito da obra, uma vez que servirá como uma boa referência para a elaboração de futuras reflexões teóricas pela esquerda militante.
Com isso, o livro busca romper uma inércia indesejável existente hoje no Brasil: a da produção insuficiente de conhecimento sobre as lutas populares. O próprio Pablo Ortellado não raro aponta para a existência dessa lacuna, que urge ser preenchida.
Pois que “Vinte Centavos” ajude a fortalecer essa tradição entre os intelectuais militantes, impulsionando o surgimento de novas obras sobre as lutas em nosso país nos próximos tempos.
Resenha retirada de Berimbeat.
Ficha técnica
Título: 20 centavos – a luta contra o aumento
Autores: Pablo Ortellado, Helena Judensnaider, Luciana Lima e Marcelo Pomar.
Editora: Veneta
Ano: 2013
Páginas: 240
Preço: R$ 29,90
Comentários
eu quero comprar o livro 20 centavos em espanhol.
como posu fazer?
obrigada!
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