Correio da Cidadania

Ditadura: o que resta da transição

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Cinquenta anos depois do golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil – e em meio aos 25 anos de transição democrática em nosso país –, a Boitempo publica Ditadura: o que resta da transição. Organizada pelo cientista político Milton Pinheiro, a coletânea enfrenta o desafio de reinterpretar uma história em que vários aspectos estão ainda por decifrar, desde o contexto por trás do golpe até a campanha pelas Diretas Já.

 

Com ensaios inéditos de pensadores como João Quartim de Moraes, Anita Prestes, Lincoln Secco, Décio Saes, Marco Aurélio Santana, entre outros, o livro traça um rico panorama das continuidades e rupturas na história contemporânea brasileira, abrangendo temas como as mutações da ideologia, o lugar dos intelectuais, dos sindicatos, a mobilização comunista, as políticas econômicas e a presença dos partidos políticos.

 

Obra de inflexível veio crítico, é, sobretudo, a postura ousada que distingue Ditadura: o que resta da transição da bibliografia existente sobre o assunto: os autores enfatizam, sob perspectivas diversas, a centralidade do caráter de classe da ditadura militar para compreender suas origens, bem como seu legado. Marcos Del Roio, no prefácio, é categórico: tratava-se de uma “ditadura de classe, que buscava impedir a eventual realização de uma revolução democrática pelas forças populares”.alt

 

A forma pela qual se pensou a gestão da política econômica durante o regime militar é destrinchada pelo cientista político Adriano Codato, ao investigar a questão da estrutura administrativa do Estado e o problema do arranjo ideal para organizar o processo de tomada de decisões. Aprofundando a análise das bases econômicas na ditadura e na transição, o economista Nilson Araújo de Souza divide o período em cinco momentos, que atentam para o complexo de políticas econômicas desenvolvidas e suas relações.

 

Já a historiadora Anita Prestes analisa o papel desenvolvido por seu pai, Luiz Carlos Prestes, histórico dirigente comunista, após o processo de anistia, para contribuir com a luta pelas liberdades democráticas e por uma transição progressista. É também à resistência que se volta Leonilde Servolo de Medeiros em sua reflexão sobre a luta pela terra durante a ditadura militar, que procura dar conta das diversas formas de disputa que ocorreram: das ligas camponesas à reforma agrária, passando pelos processos de assentamento imposto pelo governo militar.

 

Com um olhar mais voltado para os impactos do período ditatorial na politização trabalhista, o sociólogo Marco Aurélio Santana desvenda a gênese de um novo sindicalismo a partir das contradições da presença política dos trabalhadores numa conjuntura de arrocho salarial e repressão, quando os sindicatos agiam em duas vertentes: afirmando e contradizendo o velho sindicalismo.

 

O filósofo marxista João Quartim de Moraes fornece uma aprofundada análise da natureza de classe do Estado brasileiro. Versando sobre ideologia, militarização do poder e a dinâmica do capital, Quartim desvenda a especificidade desse instrumento político durante a ditadura. Cabe a Décio Saes uma reflexão a respeito das frações da classe dominante no capitalismo, que analisa de forma original, testando o arcabouço teórico de Nicos Poulantzas contra a configuração de classes durante a ditadura brasileira.

 

O historiador Lincoln Secco traça um precioso panorama analítico dos partidos políticos de 1978 até hoje, refletindo sobre o legado da ditadura. Para analisar a política dos comunistas brasileiros durante o período, Milton Pinheiro parte da ação teórico-prática do PCB e o desencontro de suas formulações para reinterpretar o fechamento do ciclo da revolução burguesa no Brasil. Já David Maciel lança um olhar crítico sobre a articulação da Aliança Democrática na superação da ditadura militar e o papel desempenhado por esse bloco de forças políticas na transição para a democracia até o governo Collor.

 

Se a campanha Diretas Já é analisada por Vanderlei Neri sob a ótica contraditória de uma mobilização de massas com direção burguesa, é com uma perspectiva mais distanciada que o sociólogo Anderson Deo faz um balanço do processo de transição a longo prazo da ditadura militar até as últimas duas décadas, ou, em suas palavras, da "institucionalização à autocracia burguesa no Brasil".

 

Toda essa complexa reflexão já parte das orelhas do livro, com o texto assinado por Marcelo Ridenti.

Sumário

Prefácio: Marcos del Roio

Os comunistas e a ditadura burgo-militar: os impasses da transição – por Milton Pinheiro

 

A natureza de classe do Estado brasileiro – por João Quartim de Moraes

 

As frações da classe dominante no capitalismo: uma reflexão teórica – por Décio Azevedo Marques de Saes

Luiz Carlos Prestes e a luta pela democratização da vida nacional após a anistia de 1979 – por Anita Leocádia Prestes

 

Intelectuais de Estado e a gestão da política econômica no regime ditatorial brasileiro – por Adriano Codato

Trabalhadores, sindicatos e regime militar no Brasil – por Marco Aurélio Santana

 

Trabalhadores do campo, luta pela terra e o regime civil-militar – Leonilde Servolo de Medeiros

 

A hegemonia tardia – Lincoln Secco

 

Diretas Já: mobilização de massas com direção burguesa – por Vanderlei Elias Nery

 

A Aliança Democrática e a transição política no Brasil – por David Maciel

 

Uma transição à long terme: a institucionalização da autocracia burguesa no Brasil – por Anderson Deo

 

A economia da ditadura e da transição – por Nilson Araújo de Souza

 

Sobre o organizador

 

Milton Pinheiro é sociólogo e cientista político, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Editor da revista Novos Temas e autor/organizador, entre outros, dos livros A reflexão marxista sobre os impasses do mundo atual (Outras Expressões, 2012) e Teoria e prática dos conselhos operários (Expressão Popular, 2013), em conjunto com Luciano Martorano. Integra o grupo de pesquisa Pensamento Político Brasileiro e Latino-Americano (Unesp).

Ficha técnica

 

Título: Ditadura: o que resta da transição

Organizador: Milton Pinheiro

Autores: Anita prestes e outros

Prefácio: Marcos del Roio

Orelha: Marcelo Ridenti

Editora: Boitempo (coleção Estado de Sítio)

Páginas: 376

Preço: R$ 43,00

Ano: 2014

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