Discurso de Francisco aos Movimentos Populares – os pobres querem mudar o sistema
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- Frei Marcos Sassatelli
- 16/01/2015
Neste sétimo artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos Populares, destaco o sexto e último ponto marcante do discurso do Papa Francisco aos movimentos populares: os pobres querem mudar o sistema.
Chegando ao final do seu discurso, o papa lembra: “falamos da terra, do teto, do trabalho... falamos de trabalhar pela paz e cuidar da natureza”. Em tom de desabafo, ele pergunta: “mas por que, em vez disso, nos acostumamos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam tantas famílias, se expulsam os camponeses, se faz a guerra e se abusa da natureza?”. E responde: “porque, nesse sistema, tirou-se o homem, a pessoa humana, do centro, e substituiu-se por outra coisa. Porque se presta um culto idólatra ao dinheiro. Porque se globalizou a indiferença! Se globalizou a indiferença: a mim, pergunta novamente, o que me importa o que acontece com os outros, se eu consigo defender o que é meu?”. E, mais uma vez, responde: “porque o mundo se esqueceu de Deus, que é Pai; tornou-se um órfão, porque deixou Deus de lado”.
Retomando o que foi falado no Encontro, Francisco afirma: “alguns de vocês disseram: esse sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo, temos que voltar a colocar a dignidade humana no centro, e que, sobre esse alicerce, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos”.
Como um irmão entre outros irmãos e irmãs, ele indica o caminho: “é preciso fazer isso com coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, mas sem fanatismo. Com paixão, mas sem violência. E entre todos, enfrentando os conflitos sem ficar presos neles, buscando sempre resolver as tensões para alcançar um plano superior de unidade, de paz e de justiça”.
Dirigindo-se aos cristãos e cristãs, o Papa lembra que eles e elas têm na Palavra de Deus um programa de ação. “Os cristãos têm algo muito lindo, um guia de ação, um programa, poderíamos dizer, revolucionário. Recomendo-lhes vivamente que o leiam, que leiam as Bem-aventuranças que estão no capítulo 5 de São Mateus e 6 de São Lucas (cf. Mt 5, 3ss e Lc 6, 20ss) e que leiam a passagem de Mateus 25. Eu disse isso aos jovens no Rio de Janeiro. Com essas duas coisas, vocês têm o programa de ação”.
Reconhecendo as diferenças existentes entre os participantes do Encontro como um grande valor e uma riqueza, ele diz: “sei que entre vocês há pessoas de distintas religiões, profissões, ideias, culturas, países, continentes. Hoje, estão praticando aqui a cultura do encontro, tão diferente da xenofobia, da discriminação e da intolerância que vemos tantas vezes.
Entre os excluídos, dá-se esse encontro de culturas em que o conjunto não anula a particularidade. Por isso, eu gosto da imagem do poliedro, uma figura geométrica com muitas faces. O poliedro reflete a confluência de todas as particularidades que, nele, conservam a originalidade. Nada se elimina, nada se destrói, nada se domina, tudo se integra. Hoje, vocês também estão buscando essa síntese entre o local e o global. Sei que trabalham dia após dia no imediato, no concreto, no seu território, seu bairro, seu lugar de trabalho: convido-os também a continuarem buscando essa perspectiva mais ampla, que nossos sonhos voem alto e abranjam tudo”.
Francisco demostra estar por dentro da realidade dos movimentos populares e, com simplicidade fraterna, apresenta algumas sugestões. “Assim, parece-me importante essa proposta que alguns me compartilharam de que esses movimentos, essas experiências de solidariedade que crescem a partir de baixo, a partir do subsolo do planeta, confluam, estejam mais coordenadas, vão se encontrando, como vocês fizeram nestes dias. Atenção, nunca é bom engessar o movimento em estruturas rígidas. Por isso, eu disse encontrar-se. Também não é bom tentar absorvê-lo, dirigi-lo ou dominá-lo; movimentos livres têm a sua dinâmica própria, devemos, sim, tentar caminhar juntos. Estamos neste salão, que é o salão do Sínodo velho. Agora há um novo. E sínodo significa precisamente "caminhar juntos": que esse seja um símbolo do processo que vocês começaram e estão levando adiante”.
Lembra, pois, que “os Movimentos Populares expressam a necessidade urgente de revitalizar as nossas democracias, tantas vezes sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem a participação protagônica das grandes maiorias, e esse protagonismo vai além dos procedimentos lógicos da democracia formal.
A perspectiva de um mundo da paz e da justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos exige criar novas formas de participação que incluam os movimentos populares e anime as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com essa torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum. E isso com ânimo construtivo, sem ressentimento, com amor”.
Como um irmão próximo e solidário, o Papa conclui seu discurso com palavras carinhosas, que envolvem e comprometem a todos e a todas. “Eu os acompanho de coração nesse caminho. Digamos juntos com o coração: nenhuma família sem moradia, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá.
Queridos irmãos e irmãs: continuem com a sua luta, faz bem a todos nós. É como uma bênção de humanidade. Deixo-lhes de recordação, de presente e com a minha bênção, alguns rosários que foram fabricados por artesãos, coletores de materiais recicláveis (papeleiros) e trabalhadores da economia popular da América Latina”. Quanta humanidade e quanta sabedoria, que certamente vem do Espírito Santo, nas palavras do nosso irmão Francisco!
Vamos, pois, apoiar e fortalecer a “economia popular” (economia solidária), que abre caminhos para uma mudança política estrutural e para a construção da sociedade do “bem-viver” e do “bem-conviver”, que - à luz da fé cristã - é o Reino de Deus acontecendo na história humana e cósmica.
Enfim, o papa promete orações e agradece a todos e a todas. “E nesse acompanhamento eu rezo por vocês, rezo com vocês e quero pedir ao nosso Pai Deus que os acompanhe e os abençoe, que os encha com o seu amor e os acompanhe no caminho, dando-lhes abundantemente essa força que nos mantém de pé: essa força é a esperança, a esperança que não desilude. Obrigado”.
O discurso do nosso irmão Francisco aos movimentos populares é realmente um guia e, ao mesmo tempo, uma luz para as Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja, hoje. Ele é, podemos dizer, sua “Carta Magna”. Ouçamos o que o Espírito diz às Igrejas! (cf. Ap 2, 7).
Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG.
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