Correio da Cidadania

Vila Autódromo continua ameaçada de ficar sem ‘legado olímpico’

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As Olimpíadas estão chegando e os questionamentos sobre seu legado só aumentam. Ainda mais quando aqueles que mais poderiam se beneficiar são constantemente assediados pelo poder público, como é o caso dos moradores da Vila Autódromo, rodeados pelo projeto imobiliário da Vila Olímpica. Após agressões da polícia carioca a moradores no último dia 3, quando se tentava desapropriar mais uma família, o Correio da Cidadania entrevistou Altair Antunes, presidente da associação dos moradores do bairro.

 

“São 17 dias de Jogos. Por isso não dá pra entender o que está por trás de tudo. Vão construir em 75% da área apartamentos para a classe média alta. Por que o pobre não pode ficar perto do rico? Pobre só serve pra trabalhar, fazer a cidade crescer e pagar imposto? E na hora de morar tem que ser enxotado, sair de seu habitat? Nós também somos eleitores, votamos nesses caras e temos de ser sempre jogados pra escanteio, pra outras pessoas ficarem ainda mais ricas? Não dá pra entender!”, indignou-se.

 

Altair lamenta correr risco de passar pela terceira remoção de sua vida, mas ainda assim tenta manter a fé numa política que não exclua os pobres, até pelo fato de o próprio município, em 1992, ter concedido a área por 99 anos aos habitantes locais. Além disso, lamenta a maneira como se conduzem os megaeventos e o que trazem como pano de fundo para os projetos de cidade.

 

“Poderíamos ficar muito bem com as Olimpíadas aqui do lado e seu legado, que poderia servir às comunidades. Mas, ao se fazer isso (tentar remover as famílias), quando estamos próximos de iniciar os Jogos, tendo uma situação como vimos aqui na comunidade, com pai de família apanhando pra defender sua casa, a sociedade deveria despertar. Não é exclusão que o povo e a sociedade querem. Tudo bem que eles têm seus interesses, falam no progresso e tal... Mas eu, Altair, 61 anos, não posso aceitar a ideia de que passei meses ‘atrapalhando o progresso’. Não dá pra entender por que não podemos morar onde moramos”, criticou.

 

A entrevista, gravada nos estúdios da webrádio Central 3, pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, o que motivou a ação de retirada dos moradores da Vila Autódromo na quarta, 3, que terminou em agressões das forças policiais aos moradores?

 

Altair Antunes: Eles chegaram por volta de 8h:30m da manhã, com a oficial de justiça, pra emitir a posse da casa de uma família, a qual não tinha os valores todos depositados em juízo pela prefeitura, a fim de deixar a moradia. Quando percebemos isso e acompanhamos o aparato vimos que tinha alguma coisa errada, até porque uma família não pode ser expulsa de sua casa. Precisa ter um tempo pra se desapropriar, porque ela já estava saindo por vontade dos governantes, não por vontade própria. O que ocorreu ali foi uma arbitrariedade muito grande, porque em momento algum a oficial de justiça quis compreender o erro.

 

Chamei a Defensoria Pública, que cuida do nosso processo na Vila Autódromo, mas nem ela conseguiu fazer a oficial de justiça parar. O padre da paróquia entrou pra mediar o conflito, mas mesmo assim ela deu a ordem de avançarem sobre nós. Depois, só nos defendemos, eles meteram o cassetete e a porrada na gente, agrediram famílias, como uma senhora que não tinha condição alguma de reagir, de tão magrinha que é. Quebraram o nariz dela, abriu a cabeça de outro senhor, chamado seu Brasil. E ficamos sem entender que reação é essa contra uma comunidade que mora em “área de interesse social para fins de moradia”, sendo que temos um documento que todo pobre sonha ter: uma concessão, do próprio governo, de 99 anos pelo terreno, portanto, temos o direito aqui.

 

Assim, fica difícil entender porque o prefeito coloca um decreto de imunidade e a juíza, sem conhecer a questão e a documentação da comunidade, por conta de um decreto de instância inferior, acata sem conhecer a lei e pensar no interesse social com fins de moradia, como é o caso dessa terra. Mesmo com toda a documentação ainda perdemos nossas casas. Não dá pra entender que país é esse e só me resta um sentimento de tristeza.

 

Não é minha primeira desapropriação. Sou desapropriado desde a época da ditadura, do Carlos Lacerda, quando saí da zona sul para a Cidade de Deus, de onde também fui removido, pelo prefeito Cesar Maia. Temos que acabar com essa política de desapropriação de moradia. Em pleno século 21, as pessoas ainda são postas pra fora de casa, a toque de caixa.

 

Não da pra entender, nem os governos e nem a mídia. A Globo está atrelada a esses governos e tudo que aconteceu aqui foi distorcido por ela. Ficamos como agressores, como se tivéssemos atacado a guarda municipal. É muito difícil...

 

Correio da Cidadania: Como você disse, há um documento que permite aos moradores ficarem na área e deixa clara a ideia de urbanização. Como está a disputa judicial em torno da área?

 

Altair Antunes: O documento é de 1992. O Brizola de uma titulação de 30 anos para a comunidade, depois o governo seguinte retificou e deu a concessão por 99 anos, com possibilidade de renovação. Mas quando progresso ocorre em volta de nossa comunidade, além da especulação, já não podemos mais morar aqui. E é o que precisa acabar, aqui, em São Paulo, em todo o Brasil. Isso não pode mais existir.

 

O prefeito diz que uma parte da comunidade ficará. Lá atrás acreditei nele e quero continuar acreditando. Aqueles que estão no caminho dos projetos de mobilidade das Olimpíadas já saíram, mas aqueles que querem ficar que fiquem. É isso que o prefeito precisa respeitar. E que defina logo um projeto. Não é só remover. É saber o que fica e o que sai, já que vemos sair gente de todas as áreas de comunidade, tanto os que estão na área especial de interesse social para moradia como aqueles que estão na faixa marginal de proteção.

 

Não dá pra entender o que, de fato, querem. Mas me parece que na verdade querem todos fora daqui. Não é bom, não é legal pra cidade, que legado de Olimpíadas é esse?

 

Correio da Cidadania: Alguns moradores aceitaram se mudar e agora habitam a Vila Carioca. O que você tem a dizer das propostas do poder público para os remanescentes e qual a situação de quem já se mudou da Vila Autódromo?

 

Altair Antunes: Às vezes, colocam-se as coisas de uma maneira que a sociedade entende estar sendo feito o mais correto, o mais justo. Mas é preciso levar em conta a história, o vínculo, a comoção que se gera nas famílias da comunidade. Digo isso porque passei pela situação quando criança. Aos 14 anos, quando fui pra Cidade de Deus, outros foram para Cordovil, entre outros lugares. Nos afastamos uns dos outros e isso faz a gente perder a história, tudo fica perdido no tempo, o que é muito ruim. Não cabe mais hoje, tenho 61 anos, seriam três remoções na minha vida, não dá pra aceitar numa boa o que acontece no país.

 

Correio da Cidadania: O que vem a ser o projeto da Vila Olímpica, especialmente após o fim dos Jogos Olímpicos de 2016, que duram menos de 20 dias?

 

Altair Antunes: São 17 dias de Jogos. Por isso não dá pra entender o que está por trás de tudo. Vão construir em 75% da área apartamentos para a classe média alta. Por que o pobre não pode ficar perto do rico? Pobre só serve pra trabalhar, fazer a cidade crescer e pagar imposto? E na hora de morar tem que ser enxotado, sair de seu habitat? Nós também somos eleitores, votamos nesses caras e temos de ser sempre jogados pra escanteio, pra outras pessoas ficarem ainda mais ricas? Não dá pra entender!

 

Correio da Cidadania: Falando em Olimpíadas, como você avalia todo o processo político gerado por elas desde que o Rio foi anunciado como sede? Em sua visão, a cidade e a população obtêm mais ganhos ou perdas com o evento esportivo?

 

Altair Antunes: Algumas pessoas acham que os Jogos são culpados de tudo. Acho que são importantes, saudáveis, mas penso que os dirigentes e as pessoas que os promovem são extremamente gananciosos e não olham pra tais questões. E vemos que não é só aqui, aconteceu na África do Sul, acontece em todo lugar. Claro que por aqui, provavelmente, nossos juízes aproveitam a questão das Olimpíadas para dar algumas canetadas, inclusive onde é ilegal.

 

Aqui é área especial de interesse social e não dá pra fechar os olhos e passar em cima. O próprio município decidiu que a área tem fins de moradia. Assim, não dá pra entender por que fazer as remoções, por que não tratar a comunidade com respeito e, de fato, deixar um legado social depois da Olimpíada.

 

Eu não entendo que as Olimpíadas sejam ruins. Ruim é a forma como se manobra, porque os Jogos são bons para o país, para as pessoas, têm um lado saudável. Mas tem gente que não faz as coisas pensando somente nos Jogos. Poderíamos ficar muito bem com as Olimpíadas aqui do lado e seu legado, que poderia servir às comunidades. Mas ao se fazer isso (tentar remover as famílias), quando estamos próximos de iniciar os Jogos, tendo uma situação como vimos aqui na comunidade, com pai de família apanhando pra defender sua casa, a sociedade deveria despertar.

 

A Globo anuncia lá que “o projeto é bom, tem o Minha Casa Minha Vida”... Entendo que seja bom mesmo, mas pra quem não tem casa, não tem moradia. É bom em relação ao déficit habitacional da cidade do Rio de Janeiro, coisa que, por sinal, o Minha Casa Minha Vida está muito longe de suprir. Ainda mais com o papel ao qual se prestou o governo federal, de dar dinheiro pra fazer casa e se desapropriar, em vez de abrigar aqueles que não têm casa. Solta o dinheiro, não fiscaliza, depois as empresas desapropriam, fazem moradias do seu jeito... O Morro do Bumba, que veio abaixo em Niterói, continua tendo famílias sem casa, até hoje.

 

Correio da Cidadania: Já estamos no sétimo ano de Eduardo Paes na prefeitura da cidade, e seu mandato termina justamente no próximo, pouco depois das Olimpíadas. Que avaliação você faz de sua gestão na cidade, especialmente no aspecto social?

 

Altair Antunes: Peço que o prefeito pare e pense. Não é exclusão que o povo e a sociedade querem. Tudo bem que eles têm seus interesses, falam no progresso e tal... Mas eu, Altair, 61 anos, não posso aceitar a ideia de que passei meses “atrapalhando o progresso”. Não dá pra entender por que não podemos morar onde moramos. Somos trabalhadores brasileiros, vivemos nesse país e não dá pra entender porque um governo que ganhou 8 anos de mandato pode decidir assim a nossa vida. Com a permissão do Judiciário, que é o grande culpado, não é só o prefeito. Tinha que ter mais Joaquim Barbosa, que saiu do STF muito rápido. Devíamos ter mais pessoas pensantes, pra saber como está e onde chegará o país com os governantes massacrando nossos povos.

 

 

Áudio da entrevista

 

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Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.

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