Correio da Cidadania

Governo não cumpriu, Sem Terra reocupou

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Na madrugada de domingo, dia 21 último, cerca de 3 mil famílias do MST ocuparam, pela segunda vez, a Agropecuária Santa Mônica, localizada nos municípios de Alexânia, Abadiânia e Corumbá (GO). A fazenda é um complexo de mais de 21 mil hectares.

 

“Trata-se (diz o Comitê de Apoio e Solidariedade ao Acampamento Dom Tomás Balduino) de um latifúndio improdutivo, composto por aproximadamente 90 propriedades, adquiridas de pequenos produtores, através de diversas formas de pressão, pelo senador Eunício Oliveira (PMDB - CE). O patrimônio declarado deste senador é de mais de 99 milhões de reais, mas, na realidade, é pelo menos 10 vezes maior. As terras ocupadas estão abandonadas. Apenas uma pequena parte está arrendada para produzir soja transgênica com utilização de venenos. Por que o senador quer tanta terra se não planta um pé de alface?”.

 

O Comitê pergunta: “quem ocupa a área?”. E responde: “famílias da grande Goiânia, de Anápolis, do entorno do Distrito Federal, que, em 31 de agosto de 2014, ocuparam a área pela primeira vez e se organizaram no Acampamento Dom Tomás Balduino, em homenagem a esse histórico defensor da Reforma Agrária e dos movimentos sociais populares. São famílias com trabalhos precários ou que não suportavam mais a vida da cidade com tanta violência, transporte público péssimo e sem moradia e famílias camponesas sem terra.

 

Durante os sete meses que durou a ocupação, foi construída a maior experiência agroecológica do país, produzindo mais de 20 tipos de alimentos sem uso de agrotóxico ou transgênicos, e se estruturou uma escola para quase 100 crianças. Em fevereiro uma grande pamonhada, com mais de 15 mil pamonhas, foi feita para um público de 5 mil apoiadores”.

 

Constata, pois, com muita dor: “essas famílias foram despejadas no dia 5 de março último, com o compromisso, firmado pelo governo federal, de que seriam assentadas no prazo de 60 dias”.

 

Infelizmente, como é de costume, o governo não cumpriu diversos acordos realizados durante a chamada reintegração de posse. Entre esses compromissos não cumpridos destaca-se: “o assentamento de cerca de 1100 famílias até 60 dias depois do despejo” e “a realização de estudo sobre a legalidade da posse do senador Eunício Oliveira sobre os 21 mil hectares do complexo, já que há grande volume de informações na região sobre a grilagem da área”.

 

Outro compromisso estabelecido e não respeitado foi a garantia da colheita de todos os alimentos cultivados. Uma semana após o despejo das famílias da área, a produção dos agricultores acampados foi invadida pelos bois do senador, demostrando com essa atitude sua insensibilidade e sua arrogância.

 

Por meio de Nota, o MST salientou: “diante desta situação, o Acampamento Dom Tomás Balduíno, símbolo da luta popular e pela terra no Goiás, afirma sua determinação em permanecer na área até que o governo destine o complexo latifundiário para fins de reforma agrária”.

 

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - em nota conjunta, do dia 21 deste mês (no mesmo dia da reocupação) - tentam justificar o injustificável, achando que os  trabalhadores e trabalhadoras são idiotas.

 

A verdade é uma só: o governo federal defende o agrohidronegócio, é na realidade contra a agroecologia e aliado dos latifundiários (por sinal, muito bem representados no governo e no Congresso), sobretudo quando estes latifundiários são (como é o caso do senador Eunício Oliveira) políticos do PMDB, partido ao qual o governo lambe os pés a todo momento, numa atitude covarde de subserviência e de oportunismo político.

 

É esse o verdadeiro motivo pelo qual o MDA e o Incra “consideram inoportuna a reocupação do imóvel (a Fazenda S. Mônica), uma vez que as providências visando a aquisição de áreas para o assentamento das famílias estão em andamento conforme o rito legal da obtenção”. Que “rito legal da obtenção” é esse? Não é certamente um rito que beneficia os trabalhadores e trabalhadoras sem terra!

 

O governo demostrou que - apesar da enrolação - não tem nenhum interesse pela Reforma Agrária Popular. E é justamente a falta desse interesse que levou mais de três mil famílias a ocuparem, pela segunda vez, a fazenda do senador.

 

O Comitê de Apoio e Solidariedade faz mais uma pergunta: “por que esta nova ocupação?”. E mais uma vez responde “para cobrar do governo a desapropriação do Complexo Santa Mônica e o assentamento das famílias na região”. E conclui: “se isso acontecer, os ocupantes se comprometem: a produzir alimentos saudáveis, sem uso de venenos, a preços acessíveis à classe trabalhadora; a conservar o meio ambiente e a recuperar áreas degradadas. O assentamento das famílias vai gerar renda e trabalho no campo, vai mostrar que o agrohidronegócio desemprega trabalhadores e envenena pessoas e o meio ambiente, além de destruir as economias locais”.

 

Lança, pois, um desafio: “as famílias que desejam iniciar uma nova vida produzindo alimentos podem procurar o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) e seus acampamentos”.

 

Lamentavelmente, recebemos, no dia 24, a notícia que o Tribunal de Justiça (ou melhor, de Injustiça) de Goiás deu um prazo de 72 horas para que as famílias de Sem-Terra, que ocupam a Fazenda S. Mônica (Acampamento Dom Tomás Balduino), deixem o local.

 

O mandado de reintegração de posse, com data do dia 23, é assinado pela juíza Célia Regina Lara, da Comarca de Corumbá de Goiás, e determina que os ocupantes deixem o local pacificamente em até 72 horas, após serem notificados da decisão judicial. Caso a decisão não seja cumprida, a magistrada autoriza o emprego da força policial, "de forma proporcional e razoável". Quanto cinismo nessas palavras!

 

Juíza Célia Regina Lara e companhia - que praticam injustiças em nome da lei e concedem liminares injustas - ouçam a advertência e maldição de Deus: “ai dos juízes injustos e dos que decretam leis injustas, que não deixam haver justiça para os pobres!” (Is 10,1-2).  "Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas!” (Mt 23,13).

 

Juíza e companhia, cuidado! Deus é justo e sempre toma o partido dos pobres. Aguardem a justiça de Deus! Vai ser muito mais pesada do que vocês imaginam!

 

“Terra é um direito sagrado!” (papa Francisco aos Movimentos Populares). “Terra para quem nela trabalha!”. A luta dos Sem-Terra, ocupantes da Fazenda S. Mônica, é justa e merece apoio e solidariedade. Vamos fortalecer essa luta, fazendo parte do Comitê de Apoio e Solidariedade ao Acampamento Dom Tomás Balduino!

 

É só entrar em contato através do e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ou da página no Facebook “Acampamento Dom Tomás Balduíno”.

 

Governo não cumpriu, sem terra reocupou. “Lutar, construir reforma agrária popular!”

 

 

Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção-SP), é professor aposentado da Filosofia da UFG.

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