A “antirrepública” de Eduardo Paes
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- Jean Carlos Novaes
- 29/06/2015
Enquanto a população brasileira assiste com perplexidade os desdobramentos envolvendo a “Operação Lava-Jato” que, realizada pela Polícia Federal em conjunto com o Ministério Público Federal, já acarretou a abertura de inquéritos contra 50 políticos de vários partidos no STF, três governadores no STJ e a prisão de dirigentes das maiores empreiteiras do país, a população do Rio de Janeiro assiste com igual ou maior perplexidade a recorrente violação de Leis Federais por parte do chefe do executivo municipal (prefeito Eduardo Paes). Este, de acordo com fortes indicativos, governa em favor de um grupo de construtoras e empreiteiras que figuram no rol de suas “financiadoras” de campanha, algumas das quais estão também envolvidas na Operação Lava-Jato.
O enredo é exatamente o mesmo: empresas financiadoras da campanha eleitoral do prefeito são incrivelmente beneficiadas por projetos e decisões administrativas obscuras, que geram para essas mesmas empresas vantagens econômicas de proporções gigantescas.
Por sua vez, os negócios de conteúdo e proporções imorais também são marcados pela frequente violação de leis federais, que têm como consequência imediata imensos danos aos cofres públicos, destruição do patrimônio natural nacional e a violação de direitos humanos em várias comunidades, vitimadas por amplas e infundadas remoções. Para atingir os objetivos nada republicanos, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro vale-se de todos os ardis e expedientes ilegais, inclusive com a criação de leis municipais flagrantemente inconstitucionais a partir de projetos de sua autoria (1).
A bem da verdade, a realização da Copa do Mundo da FIFA de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 criaram no Rio de Janeiro um ambiente de subversão da ordem jurídica e democrática, na medida em que sob o pretexto de ser “para a Copa” ou “para as Olimpíadas” foram praticadas toda sorte de atrocidades, tais como a desnecessária e ilegal construção de um campo de golfe “olímpico” em uma Área de Proteção Ambiental com vegetação de Mata Atlântica e, mais recentemente, com a criação de um suposto “Parque Natural” (que de natural só tem o nome), também em uma área de proteção ambiental e em desacordo com toda a legislação federal.
Em ambos os projetos (Golfe e Parque Natural da Barra da Tijuca) encontramos os mesmos elementos: de um lado, a violação da lei federal com o afastamento dos estudos de impacto ambiental, o desvirtuamento do instituto da Operação Urbana Consorciada e a não realização de audiências públicas; e, de outro, o favorecimento econômico ilegal de empresas financiadoras da campanha eleitoral do atual prefeito.
A absoluta ausência de demonstração de interesse público ou utilidade pública nas Parcerias Público-Privadas é praticamente um elemento comum a quase todos os projetos, seja no projeto do Campo de Golfe, no do Parque Olímpico ou no da Vila dos Atletas. Via de regra, os “legados” não passam de um mero exercício de retórica do prefeito e seus colaboradores, sendo certo que dificilmente podem ser comprovados ou compreendidos pela sociedade civil.
Nessa espécie de “Antirrepública” (2) de Eduardo Paes, onde o interesse público sempre é engolido pelo privado, os argumentos e motivações para os “projetos” são sempre falaciosos e a obstrução do acesso à informação uma das táticas utilizadas para dificultar a crítica ou impedir sua contestação objetiva. Ou seja, nas Parcerias Público-Privadas feitas pela prefeitura para as principais obras “olímpicas”, o interesse público nunca é contemplado, ao contrário do que ocorre com o interesse particular, quase sempre premiado desproporcional e imoralmente.
Com efeito, nessa “Antirrepública Paesiana”, a cidadania, que na dicção do artigo 1º da Constituição Federal deveria ser fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, é uma figura praticamente ilusória, não sendo por acaso que a capital fluminense tenha obtido uma pífia pontuação (4,72) no ranking de Transparência da CGU (Controladoria Geral da União (3)).
Quanto maior o grau de dificuldade para que a sociedade civil acesse documentos e dados que lhe permitam fiscalizar os atos praticados pelo prefeito, maior a sua desenvoltura para realizar “negócios” estranhos ao verdadeiro interesse público. Não obstante, pior do que o desvio de conduta do antirrepublicano Paes, está o silêncio eloquente das principais instituições do aparelho estatal – Ministério Público e judiciário – que nada ou muito pouco fazem contra o vandalismo governamental.
A grande mídia, talvez mais preocupada com seus dividendos em função da transmissão do evento esportivo ou de seus “compromissos” com os grandes anunciantes (alguns deles as mesmas construtoras e empreiteiras financiadoras da campanha eleitoral de Eduardo Paes) faz um abordagem superficial dos fatos, abrindo um enorme espaço para as “explicações técnicas oficiais”, que beiram ao estelionato intelectual, em detrimento das vozes da sociedade civil que denunciam um verdadeiro esquema de apropriação do espaço público e o favorecimento de grupos empresariais às custas do erário e da boa fé da população.
Ao que tudo indica, a realização dos Jogos Olímpicos Rio 2016 deixará um rastro de prejuízos socioambientais sem precedentes para a cidade, deixando marcado na mente e na alma de muitas pessoas os sinais da tirania e opressão da “Antirrepública” de Eduardo Paes e do seu “Estado Autoritário de Direito”.
Notas:
1) PL n.º 113/2012, convertido na Lei Complementar n.º 125/2013. PL n.º 114-A/2012, convertido na Lei Complementar n.º 133/2013.
2) Res publica é uma expressão latina que significa literalmente "coisa do povo", "coisa pública". É a origem da palavra república. O termo normalmente se refere a uma coisa que não é considerada propriedade privada, mas a qual é, em vez disso, mantida em conjunto por muitas pessoas. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Res_publica).
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Jean Carlos Novaes é ativista do movimento Ocupa Golfe.