Mais uma imoralidade pública legalizada
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- Frei Marcos Sassatelli
- 25/07/2015
“Serviço público. Benefícios legais (reparem: legais!) elevam ganhos no MP e no TJ” (O Popular, 5 de julho de 2015, manchete da primeira página). No resumo da matéria (sempre na primeira página), o jornal relata: “a folha de maio indica que magistrados, procuradores e promotores obtiveram ganhos que extrapolam o teto de R$ 33.763,00 imposto pela Constituição. Os valores contemplam salários - abaixo do limite legal estabelecido - acrescidos de benefícios extras. No MP, onde há casos de recebimento até cinco vezes superiores ao teto, a direção disse haver ‘diferença entre verba remuneratória e indenizatória’. Mesmo argumento defende a Associação dos Magistrados”.
Lendo (na página 12, inteiramente dedicada ao assunto) a íntegra da reportagem, fiquei tomado de indignação. O título é: “Justiça. Benefícios fazem ganhos no TJ e no MP ultrapassarem o teto”. O subtítulo: “Dois terços dos magistrados goianos recebem legalmente mais do que o limite da Constituição, em maio”.
Segundo o Jornal, “somando auxílios, gratificações, indenizações, remunerações extras, verbas retroativas, abono de permanência e outros benefícios, os pagamentos a magistrados, procuradores e promotores do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) e do Ministério Público Estadual (MP-GO) extrapolam até cinco vezes o teto imposto pela Constituição - de R$ 33.763,00, pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). As folhas dos dois órgãos, divulgadas no Portal da Transparência, mostram que, em maio, mais da metade dos magistrados, procuradores e promotores de Justiça receberam além disto”.
Relata, ainda, O Popular: “os salários em si não ultrapassam o limite - variam de R$ 26,1 mil a R$ 30,4 mil. No entanto, os adicionais e pagamentos retroativos garantidos pelos próprios órgãos nos últimos anos e autorizados pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman) - com equivalência no caso do MP - permitem remunerações totais de até R$ 152 mil, conforme registros do mês de maio. Pelo menos 11 tipos de pagamentos extras compõem os contracheques”.
Para ter a ideia exata do tamanho da falcatrua, legal, mas imoral, bastam dois exemplos, citados pelo Jornal. Em maio último, o maior salário do TJ-GO (cargo desembargador) foi a soma de: remuneração básica (R$ 30.471,78); vantagens eventuais (R$ 40.629,04); indenizações (R$ 13.722,08); decisões judiciais (R$ 24.746,30); vantagens pessoais (R$ 8.075,02). Total bruto de rendimentos: R$ 117.694,22. Rendimento líquido total (com descontos legais): R$ 91.982,74.
No mesmo mês, o maior salário do MP-GO (promotor de justiça, entrância final, em Goiânia) foi a soma de: remuneração básica (R$ 28.947,55); indenizações (R$ 116.463,42); outras remunerações (R$ 14.929,24); abono de permanência (R$ 3.835,55). Total bruto dos rendimentos: R$ 164.175,76. Rendimento líquido total (com descontos legais): R$ 152.107,05.
“Os levantamentos não incluem pagamentos de diárias e de auxílio-livro, não regulamentado no MP e não informado no TJ”, diz o jornal.
Trata-se de um verdadeiro assalto aos cofres públicos. Não dá para entender como, em pleno século 21, possa existir no serviço público uma prática tão descaradamente imoral e, pior, legalizada. Como confiar nessa Justiça? Ela não tem nenhuma moral para julgar os outros!
Valem as palavras de Jesus: “ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão! Assim também vocês: por fora, parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça” (Mt 23, 27-28).
Uma outra Justiça é possível e necessária. Lutemos por ela!
Em tempo: acabei de ler (em: http://digital.dm.com.br/#!/view?e=20150721&p=21) o artigo “Frei Marcos Sassatelli, além de vinho tome também juízo”, de um tal de Cleverlan Antônio do Vale, debochando do meu último artigo “Chega de enganação do povo! Mais um cara de pau de primeiro escalão!” (em: http://digital.dm.com.br/#!/view?e=20150717&p=23).
O artigo é de um nível tão baixo que não merece ser tomado em consideração. Condena-se por si mesmo. Permito-me somente fazer algumas observações críticas. O título do artigo, além de ridículo, é uma insinuação desrespeitosa não só à minha pessoa (que pouco importa), mas, sobretudo, à Celebração da Eucaristia, que é fonte e cume da vida dos cristãos e cristãs. O conteúdo do artigo é simplesmente repugnante e dá nojo. Revela um ser humano mesquinho e desprezível.
O autor, referindo-se à minha pessoa, diz: “já posso até imaginar a sua resposta”. Senhor Cleverlan não precisa se dar ao trabalho de imaginar a minha resposta, porque não vai haver nenhuma. É o seu próprio artigo que, pelo nível de baixaria que o caracteriza, suscita no leitor a resposta e, indiretamente, se torna a melhor propaganda do meu artigo.
Muitos, que ainda não o leram, terão a curiosidade de lê-lo e poderão assim constatar pessoalmente que o artigo apresenta, com a devida documentação, não só o pensamento do autor (o que é secundário), mas sobretudo o pensamento dos educadores e dos servidores da saúde.
A palavra está com o leitor, que, tenho certeza, sabe muito bem distinguir, na mídia, entre aquilo que é lixo e aquilo que realmente tem valor.
Jesus, anunciando a Boa Notícia do Reino de Deus, sem nenhum medo, enfrentou Herodes e o chamou de “raposa”. “Vão dizer a essa raposa...” (Lc 13,32). Companheiros e companheiras, irmãos e irmãs, cuidado com as raposas de hoje. Elas se vestem com pele de cordeiro. Fiquemos sempre de olhos abertos.
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Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção-SP), é professor aposentado da Filosofia da UFG.
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