Devolvam a democracia!
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- Osvaldo Russo
- 29/06/2016
No dia 17 de abril de 1996, o Brasil ficou mundialmente mal visto em decorrência do massacre dos sem terra em Eldorado dos Carajás, no estado do Pará. Passados 20 anos, em outro 17 de abril, o Brasil protagonizou um novo massacre: o da nossa democracia.
No governo FHC, a violência policial escandalizou pela brutalidade e covardia contra trabalhadores rurais indefesos – homens, mulheres e crianças – que lutavam por terra e por direitos sociais, 19 deles assassinados pela repressão da Polícia Militar do estado.
Diante do agravamento dos conflitos fundiários, foi criado o Ministério Extraordinário de Política Fundiária que, logo em seguida, com o surgimento do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), deu origem ao MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), que reorganizou a política de desenvolvimento rural.
Era um tempo de grandes mobilizações no campo: a Marcha do MST, em 1997, juntou mais de 100 mil pessoas em Brasília, numa demonstração do apoio popular à luta pela reforma agrária. Apesar dos conflitos e da dificuldade de diálogo com o governo, havia uma estrutura governamental mínima para a gestão do desenvolvimento agrário.
A partir de 2003, o diálogo com os movimentos sociais do campo foi restabelecido, os assentamentos cresceram e se qualificaram e, hoje, abrigam quase 1 (um) milhão de famílias de trabalhadores rurais. O crédito distribuído para a agricultura familiar saltou de R$ 3 bilhões, na safra 2002/2003, para R$ 28,9 bilhões, na safra 2015/2016.
No governo Dilma, MST, Contag, Fetraf e outras organizações reclamavam da paralisia das ações de reforma agrária. No segundo mandato da presidente, no entanto, apesar dos entraves institucionais, o ministro Patrus Ananias, do MDA, resgatando a confiança no governo, estabeleceu uma agenda permanente de consultas com as entidades sindicais, os movimentos sociais e a Igreja, reafirmando o compromisso do governo com a execução da reforma agrária e a promoção do desenvolvimento rural sustentável.
Antes do sequestro da democracia, a presidente retomou as ações de reforma agrária e a regularização de territórios quilombolas, assinando 25 decretos de desapropriação e regularização de terras. Esses decretos, que o governo provisório ameaça rever, destinam 35,5 mil hectares para o assentamento de 1.000 famílias sem terra em 14 estados e 21 mil hectares para atender 799 famílias quilombolas em cinco estados.
Com o golpe de abril, o afastamento temporário da presidente da República e a posse do vice-presidente em exercício na presidência, o governo provisório mostra a sua cara com atos que promovem o desmonte administrativo, em especial atingindo as políticas de desenvolvimento agrário (reforma agrária, apoio à agricultura e agroindústria familiar e desenvolvimento rural sustentável) e as políticas sociais (previdência social, assistência social, transferência de renda, habitação e segurança alimentar e nutricional).
Com a proposta do governo provisório de desvinculação de receitas públicas, que afeta diretamente a Educação Básica e o Sistema Único de Saúde (SUS), o retrocesso nas políticas públicas se completa, abrindo caminho para a consolidação do Estado mínimo.
Pouco importa se houve desvio de finalidade no processo de impeachment e que se multipliquem as denúncias contra o esquema político que usurpou o poder. O pretexto das pedaladas fiscais para o afastamento da presidente, eleita por 54 milhões de votos, além de imoral, não se sustenta juridicamente, mas a Suprema Corte a tudo assiste, convalidando o golpe parlamentar, a justiça seletiva e o estado policial de exceção.
Com o sequestro da democracia e uma política conservadora e entreguista, o Brasil se afasta do estado social e se alinha à selvageria neoliberal. É preciso derrubar o governo ilegítimo para impedir a ditadura econômica, a violação de direitos e o retrocesso social. Primeiramente, que devolvam a democracia e se restitua o governo a quem de direito.
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Osvaldo Russo é conselheiro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), foi presidente do Incra e secretário nacional de Assistência Social.
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