Correio da Cidadania

Anistia Internacional: “Olimpíadas foram grande oportunidade perdida de deixar legado positivo”

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Dias antes da abertura dos Jogos Olímpicos, a Anistia Internacional denunciou que 2651 pessoas haviam sido mortas pelas polícias no Rio de Janeiro desde 2009, quando a cidade foi anunciada como sede. A fim de se preparar para o evento, foram feitas remoções de comunidades, como a quase totalidade da Vila Autódromo, que tinha 600 famílias. A forma como o Rio lidou com os preparativos das Olimpíadas, a aprofundar históricas políticas de exclusão social e violência estatal, é o tema da entrevista com Renata Neder, pesquisadora e assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Rio de Janeiro.

 

“Como tivemos a experiência, ou o fardo, de ter sediado três megaeventos esportivos – Jogos Pan Americanos em 2007, Copa do Mundo em 2014 e agora os Jogos Olímpicos – já podemos identificar um padrão de violações que se repete. Um deles é justamente o aumento de pessoas mortas pela polícia. Ou seja, se já há uma polícia que mata muito, quando se recebe um evento desse tamanho a tendência é aumentar o número de operações policiais”, explicou.

 

Ao longo da entrevista, Renata Neder apresenta uma série de dados e reflexões a denunciar as arbitrariedades e o fracasso das autoridades e do comitê organizador em proporcionar para a cidade os prometidos “legados positivos”, entre eles o de uma cidade segura. “Se olharmos para os meses de abril, maio e junho deste ano, em comparação com os mesmos meses do ano passado, houve um aumento de mais de 100% no número de pessoas mortas pela polícia. É um escândalo”, avaliou.

 

A pesquisadora ainda falou sobre UPPs, Lei Antiterrorismo, encarceramento em massa e violações de direitos de manifestação e liberdade de expressão na cidade-sede. “De um lado, vimos que o legado prometido não foi entregue, e nesse caso particular o legado da segurança pública, de uma cidade segura para todos. Portanto, sob esse aspecto as Olimpíadas foram uma oportunidade perdida. Por outro lado, já vimos que os Jogos, por si só, causaram impactos negativos no que se refere a violações dos direitos humanos. No passado, já documentamos casos de remoção de comunidades e agora a repressão aos protestos, restrição à liberdade de expressão e também aumento do número de pessoas mortas pela polícia. A pergunta que fica é: afinal de contas, para quem foram as Olimpíadas?”

 

A entrevista completa pode ser lida abaixo.

 

Correio da Cidadania: À falta de 20 dias para a abertura dos Jogos Olímpicos, a Anistia Internacional denunciou que 2651 pessoas haviam sido mortas pelas polícias no Rio de Janeiro desde 2009, quando a cidade foi anunciada como sede dos Jogos Olímpicos. O que esse número pode dizer da realidade da cidade?

 

 

Renata Neder: Os dados mostram o aumento de violência policial no estado do Rio de Janeiro na medida em que as Olímpiadas se aproximam. Revelam que os Jogos foram uma grande oportunidade perdida de deixar algum legado positivo para a cidade. Quando o Rio de Janeiro foi escolhido sede dos Jogos Olímpicos, em 2009, foi prometido um legado positivo para a cidade e uma parte de tal legado tinha a ver com segurança pública. Foi prometida uma cidade mais segura para seus moradores, porém, os organizadores e autoridades falharam dramaticamente com a promessa.

 

Por outro lado, além de terem falhado em entregar um legado de segurança pública, nós também vimos que a própria realização dos Jogos resultou em violações dos direitos humanos em diversas áreas, incluindo a segurança pública. Um desses exemplos é o aumento de pessoas mortas pela polícia.

 

É claro que o Rio de Janeiro tem um problema histórico de alta letalidade nas operações policiais. A polícia do Rio de Janeiro mata muito. Mas a realização de megaeventos esportivos tende a aprofundar este tipo de violação que já acontece na cidade ou no país sede. No caso do Rio, como tivemos a experiência, ou o fardo, de ter sediado três megaeventos esportivos – Jogos Pan Americanos em 2007, Copa do Mundo em 2014 e agora os Jogos Olímpicos – já podemos identificar um padrão de violações que se repete. Um deles é justamente o aumento de pessoas mortas pela polícia. Ou seja, se já tem um polícia que mata muito, quando se recebe um evento desse tamanho a tendência é que aumente o número de operações policiais. E se aumentar o número de operações, com uma polícia que mata muito, vai aumentar também o número de pessoas mortas.

 

Isso foi documentado e denunciado em 2007 e em 2014, mas parece que as autoridades e o Comitê organizador local não aprenderam com as experiências anteriores, não implantaram qualquer medida preventiva para evitar que acontecesse e agora vemos, nos meses que antecederam as Olimpíadas, o número dramático de pessoas mortas pela polícia. Se olharmos para os meses de abril, maio e junho deste ano, em comparação com os mesmos meses do ano passado, houve um aumento de mais de 100% no número de pessoas mortas pela polícia. É um escândalo.

 

E além do número de pessoas mortas pela polícia por causa do megaevento esportivo, também há violações que acontecem diretamente relacionadas às ações de segurança pública especificamente voltadas ao evento.

 

Sempre que o Rio recebe um megaevento esportivo, as Forças Armadas e a Força Nacional de Segurança são deslocadas para a cidade. E há muitas violações documentadas relacionadas ao uso das Forças Armadas para fazer policiamento, além do uso da Força Nacional. Em 2007, houve até uma chacina que levou o nome do evento. A Chacina do Pan foi uma megaoperação da Força Nacional que resultou em 19 pessoas mortas no Complexo do Alemão. E as investigações feitas sobre o caso revelaram que a maior parte das mortes foram execuções à queima roupa.

 

Na Copa do Mundo, novamente houve deslocamento das Forças Armadas para a cidade. Vieram atuar especificamente na favela da Maré. Apesar da Copa do Mundo ter acabado, as Forças Armadas permaneceram na favela da Maré por mais de um ano e uma quantidade enorme de abusos foi cometida na Maré, inclusive o caso do Vitor Santiago*, que, baleado por militares, teve uma perna amputada e ficou em uma cadeira de rodas.

 

Novamente, as autoridades anunciaram o mesmo modelo de segurança pública para as Olimpíadas. Estamos vendo um aumento do número de operações policiais e de mortes causadas pela polícia. Vemos as Forças Armadas novamente atuando na cidade, assim como a Força Nacional.

 

Correio da Cidadania: Ainda sobre as mortes causadas pelo Estado, a Anistia Internacional, assim como outras organizações, vem denunciando há anos uma política de exclusão que agora atingiria seu auge com a implantação das UPPs. Como analisa o quadro?

 

 

Renata Neder: A Anistia Internacional não tem uma pesquisa específica sobre as UPPs, mas acredito que há alguns elementos importantes que precisam ser destacados. Em primeiro lugar, as UPPs foram anunciadas como um projeto de implantar outra forma de policiamento, que chamam de policiamento comunitário ou policiamento de proximidade. Recrutaram novos policiais e em teoria dariam outro tipo de treinamento a essas pessoas. Porém, não adianta acharmos que intervenções pontuais vão mudar uma estrutura. Com o tempo, obviamente os novos policiais seriam inseridos na estrutura da polícia e na estrutura de segurança pública. E sem que tais estruturas tenham passado por reformas, eles vão operar na mesma lógica.

 

Hoje, passados quase oito anos da implantação da primeira UPP, já temos muitos relatos de uso excessivo da força, abusos, execuções, torturas, estupros, violência sexual e desaparecimentos cometidos por policiais de UPPs.

 

Tem o caso do Amarildo na Rocinha, quando até o Comandante da UPP estava envolvido. Em Manguinhos, por exemplo, oito meninos já foram executados por policiais desde que a UPP foi implementada. No Complexo do Alemão, além de execuções há inúmeros abusos relatados por moradores por parte dos policiais e nenhuma política de segurança pública pode violar direitos humanos. Não podemos aceitar o discurso de que as violações são necessárias para combater o crime organizado. Ou seja, combater o crime organizado não é incompatível com a garantia de direitos. Toda a sociedade se beneficiaria de uma polícia que age dentro da lei, que respeita os direitos humanos, que tem um mínimo protocolo para usar a força. Mas, infelizmente, não é o que vemos.

 

A realidade é uma polícia que comete inúmeras violações de direitos humanos, faz uso excessivo da força, tortura, perpetra maus tratos, abusos sexuais e, além de tudo, ainda opera na mesma lógica que a polícia sempre operou. A lógica da guerra, do confronto, que olha o território da favela como um lugar de ausência de direitos, como se ali o Estado de Direito não valesse e imperasse um eterno Estado de Exceção. E isso é inaceitável.

 

Correio da Cidadania: Em 2012 uma recomendação da ONU pediu o fim da Polícia Militar, ou seja, a desmilitarização das polícias brasileiras. A Anistia Internacional concorda com a recomendação?

 

 

Renata Neder: A recomendação não é diretamente da ONU, fez parte de um processo que se chama Revisão Periódica Universal. É um momento no Conselho de Direitos Humanos da ONU em que os outros países podem fazer recomendações para o país que está em revisão. Essa é uma recomendação feita por outros países para o Brasil.

 

A Anistia Internacional já se posicionou publicamente a favor da desmilitarização da polícia brasileira. Inclusive, quando o secretário geral da Anistia Internacional esteve aqui no Rio, em agosto de 2013, um dos pontos levantados por ele foi justamente a necessidade de desmilitarizar a Polícia Militar.

 

Acontece que desmilitarizar a polícia não é a solução para tudo. É uma peça de um grande quebra-cabeça que precisa ser montado: a reforma das instituições de segurança pública e policiais. A desmilitarização é apenas um elemento dentro de outras reformas. Uma delas é a mudança quase simbólica de como a polícia se vê, como o Estado a vê e como a sociedade vê o papel da polícia.

 

A polícia no Brasil, por motivos históricos que remontam à sua própria origem, se vê e se compreende como uma força de repressão, de controle social e enxerga o número de mortes como um indício de produtividade, quando na verdade deveria se enxergar como um instrumento de garantia de direitos e proteção da vida. O problema é que ela não se enxerga dessa forma e o Estado muito menos. Eis uma mudança fundamental que precisa acontecer. Uma mudança cultural, de percepção, de entender o lugar da segurança pública no país.

 

Isso tem várias implicações se pensarmos que o Brasil é o país com o maior número de homicídios do mundo. Chegamos a 60 mil homicídios por ano. Em um país com tais números, imagina-se que a política prioritária de segurança pública deveria ser a redução de homicídios. No entanto, vá olhar o que estão fazendo as polícias e os programas de segurança pública dos estados brasileiros e veja se essa é a prioridade deles.

 

No Rio de Janeiro, toda política de segurança pública é baseada em operações de “guerra às drogas” e não de redução e prevenção de homicídios. Ou seja, de um lado vemos que as políticas de segurança pública estão falhando em proteger a todos, porque no país com o maior índice de homicídios do mundo claramente as instituições estão falhando em proteger o direito à vida, um dos direitos mais básicos. Por outro lado, os agentes de segurança pública são os próprios agentes de violações de direitos, inclusive do direito à vida.

 

Uma porcentagem significativa dos homicídios são cometidos por policiais. No ano passado, na cidade do Rio de Janeiro a polícia foi responsável por um em cada cinco homicídios, ou seja, 20% dos homicídios cometidos na cidade. É um dado totalmente chocante.

 

 

Correio da Cidadania: Como enxerga o advento da lei antiterrorismo recém-engendrada no Brasil? Acredita que estará a serviço de que?

 

Renata Neder: A Anistia Internacional, desde antes da Copa do Mundo, fez várias mobilizações contra a Lei Antiterrorismo. A discussão não é necessariamente se o país deve ou não ter uma lei antiterrorismo. A discussão é sobre a forma e o tipo de lei que tentaram aprovar antes da Copa do Mundo, claramente em um contexto de criminalização das manifestações. Em um 2013 de grandes manifestações país afora, várias leis surgiram no Congresso Nacional restringindo o direito à manifestação ou mesmo criminalizando esse direito. Uma dessas leis que surgiram em tal contexto foi justamente a primeira proposta de lei antiterrorismo.

 

A forma como a lei estava escrita naquela época claramente favorecia um uso da lei com vistas a criminalizar manifestações. Inclusive tinham colocado nas propostas o crime de “terrorismo contra a coisa”, ou seja, um dano à propriedade iria virar um ato terrorista. A mobilização da sociedade na época fez com que a lei não fosse aprovada antes da Copa do Mundo e a Copa aconteceu sem precisar da Lei Antiterrorismo. Mas nesse meio tempo tivemos eleições presidenciais, foi eleito o Congresso mais conservador da história da democracia brasileira segundo vários analistas políticos e eles conseguiram, finalmente, aprovar a lei em 2016, antes das Olimpíadas.

 

A lei que foi aprovada não segue o padrão mínimo para uma lei penal, que é ser específica ao descrever aquele tipo penal que ela está criando. Ou seja, para acusar um crime é necessário ser muito preciso ao descrever que crime é esse, para não deixar margens a arbitrariedades do sistema de justiça em sua aplicação. Esta lei foi amplamente criticada, por exemplo, pelo relator especial da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre a liberdade de expressão. Também foi criticada por quatro relatores especiais da ONU nos quesitos liberdade de expressão e direitos humanos – e também a Anistia Internacional se posicionou contra a lei porque ela pode, sim, ser utilizada para criminalizar manifestantes e protesto social. Além disso, ela não tipifica nenhum crime novo. O que ela descreve são crimes já existentes na lei penal brasileira. Assim, fica o questionamento: por que precisamos desta lei se o que está descrito ali é o que já está previsto na nossa legislação?

 

Além disso, não podemos ficar apenas na análise técnica, precisamos nos ater ao contexto de como tem se dado o processo de criminalização do protesto no Brasil. Em 2013 e 2014, vimos que centenas de pessoas foram arbitrariamente detidas durante protestos. Depois, havia legislações inadequadas para o contexto dos mesmos protestos, usadas para criminalizar manifestantes. Em São Paulo, por exemplo, aplicaram a Lei de Segurança Nacional, da época do regime militar. No Rio de Janeiro e em outras sedes da Copa usaram a Lei de Organizações Criminosas para acusar manifestantes, sendo que esta lei foi pensada para combater milícias e crime organizado internacional, e não para crimes cometidos em manifestações. Já vimos esse filme antes, já vimos a Lei de Segurança Nacional e a de Organizações Criminosas sendo usadas para criminalizar manifestações e manifestantes. Portanto, o risco de a Lei Antiterrorismo ser usado no contexto aqui descrito é muito grande.

 

Correio da Cidadania: O que dizer do caso de Rafael Braga, morador de rua preso desde 2013 sob uma acusação, no mínimo, infundada?

 

 

Renata Neder: O caso Rafael Braga é muito emblemático de violações e sobreposições de violações, além da seletividade do sistema de justiça criminal no Brasil. Assim como quando se olha para a principal vítima de homicídio, quem é essa vítima? Um jovem negro do sexo masculino morador das favelas e periferias. Quem é a principal vítima da polícia? Também o jovem negro do sexo masculino morador das favelas e periferias. Quando se olha para quem está preso, também é o jovem negro do sexo masculino morador das favelas e periferias. E quem é o único preso e condenado no contexto das manifestações de 2013? O Rafael Braga. Isso mais uma vez está revelando o padrão da seletividade do sistema de justiça criminal do Brasil.

 

O Rafael Braga ainda é o símbolo de outras violações. Ele foi preso no dia da maior manifestação que aconteceu, em 20 de junho de 2013, no Rio de Janeiro, vítima do absurdo que é o sistema de justiça criminal que rechaça evidências. O Rafael portava duas garrafas de plástico de produtos de limpeza, a perícia indicou que aquilo não tinha potencial explosivo e, no entanto, ele foi condenado a cinco anos de prisão por porte de material explosivo.

 

Como que o sistema judiciário pode ignorar a própria perícia? É muito grave que isso aconteça. O Rafael ficou preso de junho a dezembro, quando em dezembro viu pela primeira vez um juiz na frente dele. É chocante alguém ficar preso tanto tempo, inclusive preventivamente, mas reflete também o que acontece no sistema prisional brasileiro, onde quase a metade dos presos ainda aguarda julgamento.

 

Depois, o Rafael conseguiu a progressão de regime, saiu e passou a sofrer uma perseguição que muitos egressos do sistema prisional sofrem no Brasil, inclusive em áreas de UPPs. Existem muitos relatos em áreas de UPPs de policiais que perseguem egressos do sistema prisional para extorqui-los, por serem um alvo fácil, já que estão em liberdade condicional e qualquer palavra do policial pode colocá-los novamente na cadeia. Assim, o Rafael foi preso novamente com um flagrante forjado e acusado de tráfico de drogas. Ele está enfrentando o segundo julgamento injusto da sua vida por um crime que não cometeu.

 

Correio da Cidadania: O que comenta das manifestações que acontecem em Copacabana e na Tijuca contrárias às Olimpíadas, entre outras que podem eclodir?

 

 

Renata Neder: É sempre difícil sabermos como as manifestações vão acontecer. Se vai ser grande ou pequena. Não esperávamos o tamanho das manifestações que aconteceram em junho e julho de 2013, depois vimos que, num primeiro momento, a violência policial serviu de combustível para as manifestações, as pessoas iam para as ruas protestar inclusive contra a violência da polícia. Mas depois de um tempo a estratégia do Estado de repressão direta com o uso da força, de detenções arbitrárias e de criminalização dos manifestantes acabou fazendo funcionar a política do medo da polícia. Portanto, é muito difícil prever o que vai acontecer. O que observamos é que a probabilidade da polícia reprimir é muito grande.

 

Podemos ver que as manifestações diminuíram em relação a 2013, mas a repressão policial continua a mesma, haja vista o que fizeram com os estudantes que ocuparam a Secretaria de Educação aqui. A polícia invadiu a Secretaria, de noite, com os estudantes dormindo e jogou bombas de gás lacrimogêneo naquele lugar fechado. Foi uma repressão brutal àquela forma de protesto.

 

Também vimos cenas muito chocantes da polícia atuando na passagem da tocha olímpica em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A polícia disparando balas de borracha muito próximas das pessoas, manifestantes ou não; bombas de efeito moral sendo lançadas no meio do público, enfim, é chocante a forma como a polícia brasileira age. E as pessoas não necessariamente estão protestando contra a tocha, mas aproveitando essa visibilidade para protestar a favor de saúde e educação, direitos básicos, e acabam reprimidas dessa maneira.

 

A polícia não só não sabe como lidar de forma democrática com manifestações como não entende e não reconhece que a manifestação é um direito humano, não reconhece o direito à liberdade de expressão e manifestação e se desloca aos locais de protesto achando que seu papel é exclusivamente reprimir e dispersar, mas não o de garantir que o protesto aconteça.

 

Correio da Cidadania: É possível afirmar que tanto o projeto de cidade do Rio de Janeiro em geral, quanto o fato de sediar os Jogos Olímpicos, foram fracassos? Acredita na prevalência da tese da cidade-negócio, como definiram alguns críticos nos últimos anos?

 

 

Renata Neder: De um lado o que vimos é que o legado prometido não foi entregue. Nesse caso particular o legado da segurança pública, de uma cidade segura para todos. Portanto, sob esse aspecto as Olimpíadas foram uma oportunidade perdida para deixar tal legado à população. Por outro lado, já vimos que os Jogos, por si só, causaram impactos negativos no que se refere a violações aos direitos humanos. No passado, já documentamos casos de remoção de comunidades e agora recentemente a repressão aos protestos, a restrição à liberdade de expressão e também o aumento do número de pessoas mortas pela polícia.

 

A pergunta que fica é: afinal de contas, para quem foram as Olimpíadas? Assim como a Copa do Mundo, para quem foi positiva? Se você conversar com a família do Vitor Santiago eles vão dizer que o legado que ficou não foi nada positivo. Se for conversar com a Vila Autódromo, com as quase 600 famílias removidas de lá, também vão falar que não foi nada positivo. Se falar com os moradores de Manguinhos ou Acari, que estão sofrendo duas ou três operações policiais muito violentas por semana, vão te falar que o legado não é positivo.

 

 

Nota: *O caso de Vitor Santiago Borges será contado neste Correio nesta semana.

 

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Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania

 

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