As eleições na construção do projeto popular
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- Frei Marcos Sassatelli
- 28/09/2016
Retomo, com algumas modificações, as reflexões - que continuam atuais - do artigo “Eleitor e eleitora: qual é o seu projeto político?” (05/10/12). Diante da questão política, podemos (eleitores e candidatos) assumir fundamentalmente três posicionamentos: o de quem quer manter o projeto político dominante (conservador), o de quem quer reformá-lo (reformista) e o de quem quer transformá-lo (transformador, libertador).
Por ser a história humana dinâmica e contraditória (dialética), esses posicionamentos não são três compartimentos estanques, sem nenhuma comunicação mútua. Entre seus defensores - mesmo que seja por razões diferentes - pode haver, por exemplo, "acordos pontuais” sobre alguma prática política concreta, mas nunca "aliança” (a não ser por oportunismo político, inclusive eleitoral), que supõe comunhão de ideais, de utopias.
O que caracteriza o projeto político dominante (projeto capitalista neoliberal)? Ele é um "sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA 385) ou um "sistema nefasto”, porque considera "o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes” (Paulo VI. Populorum Progressio - PP 26).
O sistema econômico capitalista neoliberal cria profundas desigualdades sociais, oprime, marginaliza e descarta os pobres. Como diz o papa Francisco aos movimentos populares (Bolívia, julho de 2015), “este sistema é insuportável: exclui, degrada, mata!”.
Para o projeto político neoliberal, o importante não é a vida do povo, mas o deus-mercado e os interesses dos seus servidores e adoradores. Do ponto de vista estrutural, ele é desumano, antiético e, portanto, anticristão.
Os defensores desse projeto político podem até aceitar algumas mudanças, mas só se for para modernizar o sistema e torná-lo mais eficiente. Nunca pensam em mudanças de estruturas. Com as migalhas que sobram da mesa dos ricos, promovem programas chamados de distribuição de renda, que, por sua ambiguidade, de um lado servem para amenizar situações de extrema pobreza (o que é positivo); de outro lado, para cooptar os trabalhadores e evitar que se transformem numa ameaça para a segurança e os interesses do próprio sistema.
Na realidade, porém, esses programas não distribuem a renda, mas simplesmente restituem ao povo uma pequena e insignificante parcela daquilo que é permanentemente roubado (roubo legalizado e institucionalizado) dos pobres na exploração da mão de obra e nos impostos sobre os produtos de primeira necessidade.
Sobretudo em época de eleições, os defensores desse projeto político fazem declarações de amor aos pobres, prometendo que irão acabar com a fome, que irão enfrentar o grave problema social das drogas e da violência, que irão cuidar da saúde, da educação, da segurança etc. Terminadas as eleições, nada disso acontece.
O que caracteriza o projeto político reformista (projeto capitalista neoliberal reformado)? As reformas - dizem os defensores desse projeto - têm por objetivo um "capitalismo com sensibilidade e responsabilidade social e ambiental”, um "capitalismo de rosto humano”, um "capitalismo humanizado”, com a redução das desigualdades sociais e a busca do bem estar social e ambiental. É a chamada Terceira Via, doutrina político-econômica idealizada por Anthony Giddens, impulsionada por Tony Blair e Lionel Jospin, e que ganhou força com o chanceler Gerhard Schroeder e outros.
Pergunto: se o capitalismo neoliberal é estruturalmente desumano, pode ser humanizado? Pela lógica, a resposta é: não. O máximo que pode ser feito é amenizar, em determinadas situações conjunturais, seus efeitos iníquos.
O que caracteriza o projeto político transformador (libertador)? É o projeto popular para o Brasil (e para o mundo), que - como projeto alternativo - visa mudar as estruturas e superar o capitalismo neoliberal, abrindo caminhos para um socialismo realmente democrático e comunitário.
Atualmente, “multiplicam-se sem cessar as relações do ser humano com os seus semelhantes, ao mesmo tempo em que a própria socialização introduz novas ligações, sem, no entanto (vale o alerta), favorecer em todos os casos uma conveniente maturação das pessoas e relações verdadeiramente pessoais (personalização)” (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 6). Precisamos buscar sempre mais a integração entre “socialização” e “personalização”.
O projeto popular “é a sociedade que queremos construir, é o objetivo a ser alcançado. Ele deverá estimular o trabalho de base, a formação militante e as ações conjuntas para a transformação de nossa sociedade. O caráter do nosso projeto não é apenas reivindicativo, mas busca construir unidade e força social para a transformação profunda das relações de produção”.
Para isso, precisamos construir o poder popular, que consiste na "organização autônoma e independente do povo em suas lutas concretas, sejam elas locais ou regionais, de âmbito nacional ou internacional”, como "um processo permanente de busca por igualdade e justiça”, na promoção e defesa dos Direitos Ambientais, Políticos, Sociais, Civis, Econômicos e Culturais (II Assembleia Popular Nacional. Projeto Popular para o Brasil na construção do Brasil que queremos. Luziânia, 25-28/05/10, p. 6-9).
Em outras palavras, o projeto popular é o projeto do Bem Viver, do Bem Conviver. Jesus de Nazaré, "profeta da maior Utopia (‘que sejamos bons como Deus é bom, que nos amemos como Ele nos amou, que demos a vida pelas pessoas que amamos’) promulgou, com sua vida, sua morte e sua vitória sobre a morte o Bem Viver do Reino de Deus. Ele é pessoalmente um paradigma, perene e universal, do Bem Viver, do Bem Conviver” (Pedro Casaldáliga. Latino-americana Mundial 2012, p. 11).
Eleitor e eleitora, qual o projeto que você escolhe e quer para o Brasil? Quais os partidos políticos (mesmo pequenos) que hoje (e não no passado) apoiam e lutam pelo projeto popular? Quais os candidatos ou candidatas que se identificam com esse projeto?
As situações concretas são muito diferenciadas, sobretudo em nível municipal. Precisamos ter espírito crítico e tomar as melhores atitudes possíveis. Existem partidos e candidatos(as) que são claramente a favor do projeto político dominante; outros que, renegando sua própria história, defendem hoje um projeto político reformista (mas, em alguns casos, ainda possibilitam pequenos espaços de atuação para quem se identifica e luta pelo projeto popular).
Não basta o candidato ou a candidata ser considerado(a) subjetivamente "uma pessoa boa” ou "bem intencionada”, muitas vezes por ingenuidade política ou por causa dos condicionamentos da formação recebida. O mais importante é ver com qual projeto político o candidato ou a candidata se identifica.
"É urgente criar estruturas que consolidem uma ordem social, econômica e política, na qual não haja iniquidade e onde haja possibilidades para todos/as” (DA, 384).
Enfim, “todos os cidadãos(ãs) lembrem-se do direito e, ao mesmo tempo, do dever que têm de fazer uso do seu voto livre em vista da promoção do bem comum” (GS, 75), ou seja, do bem de todos(as).
Uma "outra política” é possível e necessária! Lutemos por ela!
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Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP), professor aposentado de Filosofia da UFG.