“Lei de combate ao bullying precisa vir acompanhada de educação digital”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 04/05/2017
A advogada e especialista em Direito Digital Ana Paula Siqueira Lazzareschi acabou de lançar uma inovadora obra jurídico-literária a respeito do bullying, questão que atormenta boa parte da infância e juventude brasileira. Em entrevista ao Correio, ela comenta seu livro e também a lei 13.185, que versa sobre esse tipo de assédio.
“A Educação Digital é a principal forma de prevenção de incidentes no mundo virtual. As medidas preventivas envolvem não apenas os alunos, mas os pais e a comunidade escolar. É importante que as crianças conheçam as leis de forma lúdica, que possam exercer conceitos de Justiça, Ética e Cidadania na palma da mão”, explicou.
Na conversa, Ana Paula ilustra a dimensão teórica dos conceitos que pautam o combate ao bullying e a necessidade de sua disseminação pela sociedade, em especial nas escolas. Além disso, aproveitou a ocasião para comentar temas que causaram furor recente, por supostamente estimularem o suicídio entre jovens, como o seriado 13 Reasons Why.
“Muitos boatos e pouca instrução objetiva sobre o tema. Jogos mortais entre adolescentes não são novidade, apenas mudam de nome. A mídia muito publicou sobre o Jogo da Baleia Azul e quase nada falou sobre o Jogo da Asfixia, que atinge no mundo inteiro jovens de todas as faixas etárias. As ‘brincadeiras perigosas’ precisam ser tratadas com cautela não apenas pela mídia, mas também por pais e educadores, para que não sejam transmitidas ideias que sequer ainda foram cogitadas pelos jovens”.
A entrevista completa com Ana Paula Lazzareschi pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Você acabou de lançar o livro Comentários à Lei do Bullying. Como você resume a obra e sua importância social?
Ana Paula Siqueira Lazzareschi: A obra tem como objetivo trazer reflexões sobre a visão jurídica do Programa de combate e prevenção ao bullying presencial e virtual. Esta é a primeira obra que visa esclarecer a lei 13.185/15, artigo por artigo, voltada para profissionais do direito, educadores e dirigentes de clubes.
Correio da Cidadania: Como analisa especificamente a lei 13.185/2015, que visa combater a prática do bullying?
Ana Paula Siqueira Lazzareschi: Desde 2009, todos os operadores do direito que efetivamente lidam com as causas e efeitos das práticas de bullying e sua versão digital aguardavam um movimento do Legislativo Brasileiro que realmente cuidasse da prevenção e do combate à intimidação sistêmica em colégios públicos e privados e, por que não assumir, até mesmo dentro de casa. A caracterização do bullying (artigo 2º) e a sua classificação (artigo 3º) foram elencadas pelo legislador em caráter exemplificativo e não taxativo, sendo certo que as agressões e meios pelos quais essas se propagam podem ser diversos daqueles previstos em lei, desde que configurada a intimidação sistêmica.
Dessa forma, a zona cinzenta de entendimento é porta aberta para qualquer argumento que impeça ações corretivas e inibidoras contra agressores infanto-juvenis que acreditam na impunidade e na pseudoproteção parental contra os efeitos da lei.
Acredito que a prevenção e o combate se dará, efetivamente, quando todas as escolas (públicas e privadas) e clubes efetivamente cumprirem todos os requisitos listados no artigo 4º da lei 13185/2015.
Já os objetivos do programa constituem os nove mandamentos do programa de combate ao bullying: prevenir e combater a prática do bullying em toda a sociedade; capacitação de docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema; implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação; instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores; fornecer assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores; integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo; promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua.
Correio da Cidadania: Qual o grau de importância você atribui a essa questão no contexto social e cultural em que vivemos?
Ana Paula Siqueira Lazzareschi: O bullying é uma figura sociológica que inevitavelmente repercute na ordem jurídica, sendo que o envolvimento de menores em episódios de agressão presencial e virtual abarrotam as varas judiciais com pedidos de reparação de danos morais e materiais.
São valores expressivos em virtude da ausência de instrução jurídica dos envolvidos no problema (pais, alunos e profissionais da área de educação), que desconhecem as responsabilidades que lhe são atribuídas por lei e tentam, muitas vezes, “remediar” conflitos sem a assistência profissional específica, causando mais transtornos do que soluções conciliatórias aptas a pôr fim no conflito.
Correio da Cidadania: Com as reformas que nossos atuais governantes tentam emplacar, acredita que estamos criando condições para evitar o bullying nas escolas ou não haveria uma relação direta?
Ana Paula Siqueira Lazzareschi: Creio que os órgãos públicos ainda não apuraram a dimensão do problema do bullying (que abrange as áreas de saúde, tecnologia, educação, segurança e desenvolvimento) que possuem.
Correio da Cidadania: Ainda sobre o contexto social e cultural, você pensa que estamos a cultivar valores que fomentam essa prática em escala crescente?
Ana Paula Siqueira Lazzareschi: A iniciativa de promover a Educação Digital e a discussão sobre a problemática do bullying permite o gerenciamento de todo o ambiente de segurança. Nele, os processos de Combate ao Bullying, Educação Digital e Compliance Escolar são disponibilizados aos pais, alunos e professores para a prevenção, diagnose e combate aos riscos de incidentes digitais, de toda e qualquer natureza.
A Educação Digital é a principal forma de prevenção de incidentes no mundo virtual. As medidas preventivas envolvem não apenas os alunos, mas os pais e a comunidade escolar. É importante que as crianças conheçam as leis de forma lúdica, que possam exercer conceitos de Justiça, Ética e Cidadania na palma da mão.
Correio da Cidadania: O ECA pode incidir no tratamento da questão do bullying?
Ana Paula Siqueira Lazzareschi: Tenho certeza que sim, bem como a Constituição Federal, Código Penal e Código Civil.
Correio da Cidadania: Virou assunto de monta a popularização de um jogo virtual e do seriado 13 Reasons Why, por supostamente estimularem o suicídio de jovens, em especial adolescentes. Que considerações você tem a fazer sobre esses debates dos últimos dias?
Ana Paula Siqueira Lazzareschi: Muitos boatos e pouca instrução objetiva sobre o tema. Jogos mortais entre adolescentes não são novidade, apenas mudam de nome. A mídia muito publicou sobre o Jogo da Baleia Azul e quase nada falou sobre o Jogo da Asfixia, que atinge no mundo inteiro jovens de todas as faixas etárias. As “brincadeiras perigosas” precisam ser tratadas com cautela não apenas pela mídia, mas também por pais e educadores, para que não sejam transmitidas ideias que sequer ainda foram cogitadas pelos jovens.
Precisamos considerar que a criança e o adolescente são serem humanos em fase de desenvolvimento, que precisam de informação adequada à fase da vida que se encontram. O seriado 13 Reasons Why é uma excelente produção artística, mas acredito que não deve ser assistido por crianças (em razão das violências sexuais, físicas e psíquicas sofridas pela vítima).
Em relação aos adolescentes, a assistência dos pais é imprescindível, pois o diálogo e a discussão sobre a série poderá trazer aos representantes legais grandes surpresas (boas e ruins). Se os pais tiverem a possibilidade de analisar a feição e a reação dos adolescentes enquanto assistem, poderão verificar que uma imagem vale mais do que mil palavras.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.