A Igreja Católica no Brasil de hoje
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- Frei Marcos Sassatelli
- 02/06/2017
A Constituição Pastoral sobre a Igreja do Concílio Ecumênico Vaticano II tem como título “A Igreja no mundo de hoje” e não “A Igreja e o mundo de hoje”. A história da Igreja - como também de toda e qualquer instituição - não é paralela ou oposta à história do mundo, mas parte integrante dela.
O Concílio afirma: “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e mulheres de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco em seu coração” (A Igreja no mundo de hoje, 1).
E ainda: “para desempenhar sua missão (ser ‘Igreja em saída’) a Igreja, a todo momento (reparem: a todo momento!) tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Ib. 4). O método sugerido é “ver-julgar-agir” (“analisar-interpretar-libertar”).
A situação do Brasil hoje é uma situação de desigualdade social cada vez maior, de injustiça institucionalizada, de práticas políticas descaradamente interesseiras (do “toma-lá-dá-cá, do “vale-tudo”).
Para ilustrar essa situação iníqua, basta lembrar a barganha do governo ilegítimo de Michel Temer a respeito das Reformas (Antirreformas). “Planalto parte para ‘vale-tudo’ (manchete). Na batalha da Reforma da Previdência “Michel Temer se prepara para a votação no plenário e sabe que terá que acenar a deputados com emendas e cargos (os chamados ‘agrados’ à base aliada) para chegar aos 308 votos necessários” (O Popular, 07/05/17, p. 4). É uma prática política nojenta!
Nesta realidade, que clama a Deus por justiça, qual é a posição ou quais são as posições da Igreja? Perscrutando, como nos ensina o Concílio, os sinais dos tempos e interpretando-os à luz do Evangelho, percebemos claramente (é uma leitura crítica da realidade e não um julgamento das consciências individuais, que só Deus pode fazer) que, no Brasil, temos hoje três posições da Igreja, representando três maneiras de ser Igreja.
A primeira posição é a de uma Igreja profética, que anuncia o projeto de vida de Jesus de Nazaré (o Reino de Deus) e denuncia sem medo - se necessário, até com o martírio - tudo o que é contrário a esse projeto. A segunda posição é a de uma Igreja - cega, surda e muda - que fica em cima do muro (na realidade, com o seu silêncio, fica do lado do poder dominante, ou seja, do “status quo”) e lava as mãos (como Pilatos). A terceira posição é a de uma Igreja claramente aliada dos ricos e poderosos (traindo - como Judas - Jesus de Nazaré nos pobres). Qual das três posições torna presente hoje a prática de Jesus de Nazaré? Sem dúvida nenhuma, é a primeira.
Diante das Reformas (contrarreformas) Trabalhista e da Previdência e da Lei da Terceirização, que são uma iniquidade diabólica - planejada em favor dos ricos e contra os trabalhadores - a CNBB, diversas dioceses, cerca de cem bispos e outras lideranças da Igreja se posicionaram de forma profética - oralmente ou com notas públicas - contra as Reformas, convidando o povo a se unir e a lutar por seus direitos e dando todo apoio à greve geral do dia 28 de abril último.
Infelizmente, porém, muitas dioceses, bispos e outras lideranças ficaram calados. É um pecado de omissão e um verdadeiro crime! Pior ainda foi a atitude repugnante - desumana e antievangélica - de certos líderes da Igreja, que - mesmo sendo bispos ou cardeais - não entenderam nada do que significa ser cristãos. Como exemplo desse comportamento vergonhoso, cito somente um fato, muito ilustrativo.
Conforme reportagem de Mauro Lopes, “no começo da tarde (do dia 26 de abril último), o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer, rompeu o silêncio e falou. Um vexame que envergonhou a Igreja. Escalado para a entrevista coletiva da primeira tarde da Assembleia Geral da CNBB, pouco depois das 15h, o cardeal foi encarregado de falar sobre os temas sociais do país. Ao apresentar a agenda da Assembleia, ele ignorou a greve geral. Questionado por um jornalista, dom Odilo deu razão a todos os que o acusam de aderir ao regime do golpe. Disse secamente que ‘o povo tem direito de se manifestar’, disse que espera que a Reforma da Previdência seja boa (?) e arrematou: ‘dizer que somos a favor ou contra é muito simplista’”.
Foi realmente um vexame que envergonhou a Igreja! Como nos faz falta - em São Paulo e no Brasil - o grande profeta Dom Paulo Evaristo! O autor da reportagem afirma: “é significativo o silêncio dos cardeais de São Paulo (dom Odilo Pedro Scherer) e do Rio (dom Orani Tempesta), que tornam suas Arquidioceses bastiões do conservadorismo católico no país, em oposição ao Papa Francisco” (acrescento eu: oposição diplomática e silenciosa, que é a mais hipócrita de todas as oposições - http://www.ihu.unisinos.br/567032-cnbb-e-mais-de-60-bispos-convocam-populacao-para-a-greve-geral).
Mesmo fervendo de indignação profética diante desse tipo de comportamento vergonhoso (possível em nossa condição humana neste mundo) não perdemos a esperança. Sabemos que a Igreja - embora de origem divina - é uma instituição humana e, como tal, é santa e pecadora ao mesmo tempo. E, quando dizemos que a Igreja é pecadora, não falamos somente dos pecados pessoais dos cristãos e cristãs (todos e todas enquanto seres em construção somos limitados e pecadores), mas sobretudo do pecado estrutural da Igreja (a injustiça institucionalizada, muitas vezes em nome de Deus) e dos que o sustentam e fortalecem com sua prática.
Em pleno século 21 temos ainda bispos, padres, religiosos(as) e outras pessoas que - por incrível que pareça - sonham com uma “Igreja imperial” (basiliké), com uma “Igreja feudal” ou com uma “Igreja capitalista”. Por falar em Igreja capitalista, lembro-me de um fato, em si de pouca relevância, mas muito significativo.
A imagem de Nossa Senhora da Terra (da Paróquia homônima, do Jardim Curitiba III - Goiânia - GO), cuja história remonta à luta pela terra no Pará, é vestida de trabalhadora rural (de mulher pobre) e o menino Jesus, de filho de trabalhador rural (de menino pobre).
Já vi bispos, padres, seminaristas e outras pessoas que, diante da imagem, torceram disfarçadamente o nariz com um sorriso irônico contido de desaprovação. Por felicidade, porém, encontrei também o meu irmão dominicano frei Henri, advogado e defensor dos trabalhadores rurais no Pará (atualmente na França, cuidando da saúde) que, depois de ver a imagem, com o rosto iluminado sorriu e vibrou de alegria.
Quando a imagem de Nossa Senhora é vestida de mulher rica, a maioria das pessoas acha bonito. Com isso não estão dizendo que o ideal de vida é o da mulher rica? Maria não foi uma mulher pobre? Jesus não nasceu numa manjedoura? À luz do Evangelho, essas pessoas não precisam rever totalmente sua escala de valores?
Os cristãos e cristãs que acreditamos no projeto de Jesus de Nazaré (o Reino de Deus ou, em outras palavras, a “sociedade do bem-viver”, a “terra sem males”) renovemos a nossa esperança. Que o Espírito Santo - o Amor de Deus - nos torne verdadeiros profetas e profetisas de Jesus de Nazaré no Brasil e no mundo de hoje! E que os Profetas Dom Helder, Dom Paulo, Dom Tomás e muitos outros - sobretudo os profetas e profetisas de nossas Comunidades de Base e de nossos movimentos populares - que já partiram, mas que de outra forma continuam a caminhar conosco, intercedam por nós!