Ataques aos comunistas, aplausos aos capitalistas
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- Roberta Traspadini e Cristiane Sabino
- 01/12/2017
A vitória da democracia capitalista diante da tirania russa
Após (mal)ditos cem anos, a Revolução Russa esvai-se perante a vitória da democracia capitalista. Brindemos o espírito capitalista. Blindemo-nos do fantasma comunista.
A democracia capitalista deu certo: todos temos o direito de ser soberbamente ancorados no eu, sem nenhum dever sobre/pelo nós. Temos o direito de gritar a todos os cantos do mundo nossas conservadas dores sobre a vida, a natureza e, claro, a beleza traduzida pelo dinheiro. Tendo dinheiro, podemos manter nossa felicidade à custa de múltiplas tarjas pretas e venenosas caveiras transgênicas cotidianas.
Capitalism.
Creative Commons CC BY
Credit: Wendelin Jacober
A liberdade capitalista deu certo: todos temos o direito de ir e vir, desde que paguemos por isso. Temos o dever de ver o público transformando-se em privado, e de assumir que não há mais necessidade dos espaços públicos, dado o conforto tecnológico de nossas individualizadas vidas privatizadas.
Dita vida se ajusta, cada vez mais, à sociedade da cirurgia plástica da era dos cosméticos. O envelhecer torna-se um projeto para ser pensado após os 70 anos.
Antes disso, vida ativa para o empreendedorismo. A igualdade capitalista deu certo: quinhentas gigantes corporações, com seus US$ 1,5 trilhão de lucro segundo a revista Forbes, são iguais, em riqueza e poder, aos mais de 2 bilhões de ninguéns que vivem abaixo da linha de pobreza, e quase 1 bilhão que passam fome (OIT). “O agro é pop, é tech, é tudo!”
Igualdade de oportunidades para os marginais empoderados como empreendedores, livres dos direitos sociais, acorrentados à maquininha da dívida.
Um brinde ao Santander!
O dinheiro, uma mercadoria como diversas outras, ao pertencer a poucos emprestadores, aparece como máquina propulsora de auferir lucros à custa de muito sangue e suor dos devedores trabalhadores, sem direitos e com dívidas.
Pagar a dívida apresenta-se como a moral e o dever ser do direito da propriedade, ancorado no civil e penal. Ao não ter dinheiro, a liberdade se restringe e o sistema exige que os ninguéns trabalhem para pagar as dívidas, e sonhem por consumir para gerar novos movimentos encadeados no fluxo contínuo da dívida.
A oração da sociedade pautada no dinheiro é feita no louvor ao crédito, em que os juros são a parte do coro dos juramentos e honras morais. O canto divino sobre o dever de pagador enraizado nas promissórias do passado, presentes no futuro.
Os ninguéns devem trabalhar por conta própria, seja no lixo, ou no luxo do trabalho fora e/ou dentro de sua pequena casa repleta de dívidas.
A força de trabalho deve ser entregue em troca de algo, que pode ser, ou não, dinheiro. Os ninguéns são livres, ou para morrer, ou para viver sob a condição posta pelos democratas plantonistas do sistema social atual.
Todos os direitos sociais deram certo na democracia burguesa – aliás, esqueçamos esse apêndice. É apenas democracia. A tal ponto que os ninguéns não precisam de plano de saúde, de educação e previdência privadas, afinal, esses direitos foram garantidos, universalizados pelo democrático estado de direito.
No entanto, só devem acessar os direitos sociais os poucos alguéns, cordiais cidadãos pagadores em dia de tributos. Os milhões de ninguéns que ficaram de fora, e pagam sempre atrasado as diversas faturas que chegam fruto de seu cotidiano fraturado, necessitam ser abrigados pelo sistema privado de reabilitação para o trabalho voluntário neste sistema.
Aos alguéns direitos, aos ninguéns abrigos
Os abrigos tornam-se um movimento de caridade dos contemporâneos apóstolos carismáticos donos das sociedades religiosas, sem fins, mas com muitos meios lucrativos, que prometem reajustar os marginais.
A guerra ao terrorismo e às drogas entra em ofensiva no território dos ninguéns. Nesses locais, é casual que a democracia seja branca e masculina. Ante isso, o mercado prisional de combate às drogas cresce, com grades e tarjas pretas, muitas delas recomendadas como milagre ajustador dos filhos dos ninguéns: as crianças hiperativas e as juventudes transviadas dos tempos modernos.
O direito prisional se expande como molécula inclusiva e acolhedora dos ninguéns. Na democracia atual, eles têm direito a dividir entre muitos a cela e o dever de trabalhar lá dentro, para pagar a pena cá fora.
Na casa ou na prisão, os aparatos vão encolhendo o tempo de trabalho e o tempo livre, fazendo de ambos o destempo dos ninguéns. Transformados diversos direitos em abrigos “voluntários” da paz, o sistema vai ampliando as redes de reabilitação dos ditos intoxicados pelo não trabalho formal: A) o abrigo da escola sem partido; B) o abrigo dos presídios; C) o abrigo do crime e castigo manifesto na libertadora ideia de empreendedor propagada pelo sistema S.
A) O abrigo da escola sem partido: “Por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar” (página escola sem partido).
No abrigo da escola sem partido, deve-se reproduzir a moral do dever ser um aprendiz apto a reproduzir o vivido como único e certo. Na exclusão, os ninguéns aprendem na escola sem partido a criar possibilidades de engenhos que os permita, em tempos de avanços tecnológicos e de inclusão pelo consumo, a ser explorados. Sem saírem, é claro, dos engenhos pertencentes à histórica casa grande.
Na escola sem partido projeta-se a democracia, centrada na igualdade e na liberdade universais: muitos devem e estudam para pagar o que devem aos poucos que aguardam, com juros pendurados, ditos pagamentos.
A escola sem partido é neutra. Sua neutralidade se apresenta na forma dos juros como expressão matemática exponencial, como regra gramatical de tempo verbal presente futuro; como geografia migratória forçada da dívida; como história dos muitos ninguéns para os poucos alguéns.
B) O abrigo dos presídios: “PEC 33/2012, para a redução da maioridade penal para os jovens de 18 para 16 anos” (página do Senado).
No abrigo do sistema prisional aprende-se a importância da redução da maioridade penal e da ampliação do que se entende como envelhecimento. Filhas e filhos dos ninguéns ao frequentarem escolas com partido, precisam de outros sistemas de correção. A estes uma outra escola sem partido: a educação na cadeia.
Cada vez mais jovens e por muito mais tempo, tardando a tornarem-se velhos, os ninguéns desta democracia veem-se obrigados ao retorno democrático do direito ditado pelos poucos alguéns sobre o trabalho escravo. Trabalho este conservado com venenos na história para ser exposto como padrão no século 21.
O trabalho escravo que dos séculos 16 ao 19 apresentava-se como experiência colonial, foi substituído pelo trabalho livre sem necessidade de assalariamento para muitos alforriados. Aos poucos, o assalariamento, como privilégio de poucos no mundo do trabalho, foi destituído do cotidiano do mundo do trabalho na retomada implacável dos sem direitos vinculados aos sem terra, sem teto, sem vida.
C) O abrigo do sistema S: “Empreendedorismo: entenda como abrir, melhorar, ampliar e desenvolver habilidades para gerir a empresa” (página do Sebrae).
No abrigo do sistema S se aprende que a cada dia um novo processo de inclusão gera muitas exclusões copiadas do período anterior. Nada é durável, nem permanente, nem contínuo. Exceto a capacidade de aprender na exclusão. Empreender é igual a tornar-se ativo na democracia dos poucos alguéns para os muitos ninguéns.
A educação à distância, a multifacetada escravidão do não trabalho e a consolidação de uma sólida ideia do fim do trabalho e da história pautados na moderna célula do salve-se quem puder tornam-se a lei. O tempo e o vento trazem junto terra destruída, gente moída, vida estilhaçada. Empreender é igual a vender sua força de trabalho a si mesmo, no sonho não realizável do proprietário que nunca serás.
O sistema S como forma atual de um velho conteúdo – ideologias e políticas do subdesenvolvimento – ditado pelos proprietários da terra – campo e cidade – e compradores de trabalhos cada vez mais desvalorizados e sem âncora no direito constitucional (peça rara no museu do capitalismo contemporâneo).
O (in)certo como certo, o (in)verídico como verídico, a (mal)dade como (bom)dade
A democracia capitalista deu certo. Gerou a liberdade e a igualdade como processos existentes em algumas desconhecidas ilhas conectadas a um território repleto de continentais ninguéns excluídos.
O lucro, fictício ou produtivo, é material. E se mantém ou cresce graças à dívida presente no cotidiano dos abrigos em que a democracia deu certo.
Temos muito a comemorar com o fracasso do socialismo russo. Graças a ele o capitalismo deu certo, sem contradições. E a propagada ideia de liberdade se tornou presente nos abrigos das sociedades sem fins lucrativos. O terceiro setor abre-se para o horizonte de esperanças dos ninguéns. Pregam seus defensores que dias melhores virão para os devedores do sistema prisional cotidiano. Só que não!
Tirando a máscara e revelando a tragédia do trabalho na era do capital
Despertados, a ferro e a fogo, da mentira anunciada como verdade, a história faz-se palco do tempo-espaço variado sobre a necessidade de revelar a desumana sangria e anunciar as possibilidades emancipatórias que devem emanar do atual bárbaro e plural sistema prisional sobre o humano.
Ao acordarmos, coletivamente, da fantasia, a despótica democracia capitalista pode servir de fio condutor para a consolidação superadora de outro processo societário. Neste, os abrigos da escola sem partido, das prisões e do sistema S, serão substituídos por uma sociedade em que o sujeito coletivo, nós, acolha os múltiplos eus.
Então, nós, os ninguéns, voltaremos a ser sujeitos ativos, produtores de outras necessidades nem supérfluas, nem devedoras, mas promissoras em outro horizonte de sentido que não o mercantil. Processo em que os cotidianos de luta expressem a real democracia revelada na destruição de todo tipo de opressão e de superexploração.
Nesse cenário de mistificação do real, recompor os horizontes socialistas torna-se vital. Reforçar a beleza do encontro coletivo, a capacidade de reconstrução dos desastres sociais e históricos e, principalmente, a fé na luta cotidiana por um mundo onde caibam outros mundos para além do atual.
Em homenagem à beleza das lutas, brindamos às revoluções socialistas! Entendemos que o capitalismo fantasia a democracia, tornando-a uma eterna máscara carnavalesca mercantil. O socialismo, em meio às múltiplas contradições, entre um mundo a destruir e outro a construir, abre possibilidades superadoras muito superiores ao princípio tirânico da propriedade privada.
Temos o direito à escolha, mas esta exige a recomposição da formação política para a tomada de consciência como classe, em plena era de intensificação da alienação. Querem nos fazer crer que entre o socialismo e o capitalismo há um meio termo. Mas não é verdade.
Ou lutamos para sobreviver subjugados à hegemonia dos proprietários do direito privado que relega os ninguéns aos abrigos, ou saímos do luto e reivindicamos, na luta cotidiana, outros horizontes de pertencimento à vida e à coletividade. Lutas pelo fim dos abrigos que nos permitam brindar às revoluções mexicana, russa, chinesa, nicaraguense, haitiana, e as que estão por vir, frente à necessária blindagem contra a venda das ilusões mercantis.
Roberta Traspadini é professora do curso de Relações Internacionais e Integração da Unila e professora colaboradora da Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (UFSC).
Cristiane Sabino é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (UFSC).
Fonte: Diplomatique Brasil.