Correio da Cidadania

É nas lutas do povo que a Páscoa acontece

0
0
0
s2sdefault

Imagem relacionada
À luz da Fé cristã, a Páscoa (passagem) é o acontecimento central da história do ser humano e do mundo. Fazer a memória, ou seja, tornar presente hoje a Páscoa de Jesus de Nazaré - que também é a nossa Páscoa - significa fazer acontecer a passagem de condições de vida desumanas ou menos humanas para condições de vida humanas ou mais humanas.

A vida toda de Jesus é Páscoa. “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Para ser Páscoa, Jesus torna-se, de modo entranhável, próximo e solidário com todos e todas os excluídos e excluídas, descartados e descartadas da sociedade.

Ainda no seio de sua mãe, Jesus é “morador de rua”. “Não havia lugar para eles dentro de casa” (Lc 2,7). Nasce, como “sem-teto”, numa manjedoura. Exerce a profissão de carpinteiro. Em sua vida pública, denuncia - com palavras duras e sem medo - a hipocrisia religiosa dos fariseus e mestres da Lei. Sempre se coloca - como defensor - ao lado dos pobres, dos doentes, dos leprosos, dos sofredores e de todos aqueles e aquelas que não têm voz e não têm vez.

Basta lembrar os sete sinais de Jesus narrados por João, que visam libertar as pessoas de todas as barreiras que impedem a vida e a vida em plenitude: Jesus muda a água em vinho (2,1-12); Jesus cura o filho do funcionário do rei (4,46-54); Jesus faz o paralítico andar (5,1-18); Jesus realiza a partilha dos pães (6,1-15); Jesus caminha sobre as águas (6,16-21; Jesus faz o cego de nascença enxergar (9,1-41); Jesus ressuscita Lázaro (11,1-45).

A Páscoa de Jesus completa-se com sua Morte na cruz e com sua Ressurreição, que é a vitória da vida sobre a morte. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).

“Deus é Amor. Nisto se tornou visível o Amor de Deus entre nós: Deus enviou seu Filho único a este mundo, para dar-nos a vida por meio dele” (1Jo 4,8-9). O ser humano - por ser imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26) - também é Amor, chamado a “amorizar” (impregnar de amor) o mundo e a sociedade na qual vive.

Fazer acontecer a Páscoa é fazer acontecer o Amor onde a vida do ser humano e do mundo é ameaçada, negada e assassinada, como nas situações existenciais: dos moradores e moradoras de rua; dos catadores e catadoras de lixo; dos encarcerados e encarceradas; dos sem-terra; dos sem-moradia; dos sem-trabalho; dos subempregados e subempregadas; dos trabalhadores e trabalhadoras em condição de trabalho escravo; dos doentes que não são atendidos pela saúde pública; dos doentes que morrem à míngua por falta desse atendimento; das crianças e jovens que não têm uma educação pública de qualidade; das crianças e jovens que se envolvem com as drogas por falta de políticas públicas; das crianças e jovens que são assassinados por causa desse envolvimento; das crianças e jovens abandonados; dos idosos e idosas abandonados; das mulheres marginalizadas e violentadas; do povo que não tem uma segurança pública humanizada; do povo que não tem um transporte público digno; das vítimas da fome e subnutrição; das vítimas do tráfico humano para a exploração no trabalho; das vítimas do tráfico humano para a exploração sexual; das vítimas do tráfico humano para a extração de órgãos; das vítimas do tráfico humano de crianças e jovens; das vítimas da exploração da terra e das águas; das vítimas da violência institucionalizada e de toda violência; de todos e todas os excluídos e excluídas, descartados e descartadas da sociedade.

Com sua prática, Jesus - o Caminho, a Verdade e a Vida - mostra-nos claramente que - para sermos Páscoa e fazermos a Páscoa acontecer, ou seja, se tornar história - precisamos ser, de modo entranhável, próximos e próximas, solidários e solidárias para com todas as vítimas da violação dos Direitos Humanos e dos Direitos da Mãe Terra. Vivenciamos a proximidade e a solidariedade participando ativamente das lutas do povo (movimentos populares, sindicatos autênticos de trabalhadores e trabalhadoras, partidos políticos populares, organizações de defesa e promoção dos direitos humanos e outras) por um Mundo Novo: lutas sociais, econômicas, políticas, ecológicas e culturais.

Os cristãos e cristãs - que, por acreditarmos no projeto de Jesus (“vocês são todos e todas irmãos e irmãs” - Mt 23,8), somos (ou queremos ser) seus seguidores e seguidoras - devemos, em nome de nossa consciência cidadã e de nossa Fé, estar sempre na vanguarda de todas as lutas do povo por um Mundo Novo, sendo militantes aguerridos e corajosos. Infelizmente - digo-o com muita dor no coração - não é sempre isso o que acontece!

“Amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15,12). Durante a última ceia, depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus perguntou: “Vocês compreenderam o que acabei de fazer? E disse: Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,12.15).

Com humildade e gratidão reconhecemos que, muitas vezes, irmãos e irmãs nossos - que não se dizem cristãos e cristãs - são Páscoa e fazem a Páscoa acontecer - se tornar história - mais do que nós. Em diversas ocasiões, eu pude experienciar isso pessoalmente e dou graças a Deus.

Jesus não quer que o grupo dos seus seguidores e seguidoras se torne seita fechada e monopolize sua missão. Toda e qualquer ação que liberta do mal e promove a vida do ser humano e do mundo, é parte integrante da missão de Jesus. “Quem não está contra nós, está a nosso favor” (Mc 9,40).

À luz da Fé, de toda pessoa humana (cristã ou não) - cuja vida (como a de Jesus) sempre foi Páscoa e fez a Páscoa acontecer, se tornar história - em sua passagem última e definitiva para a “vida além da morte”, podemos dizer: “completou a sua Páscoa”.

"Até agora a criação toda geme e sofre dores de parto. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gememos no íntimo, esperando a adoção, a libertação para nosso corpo” (Rm 8,22-23). Na linguagem bíblica, a palavra “corpo” indica a pessoa humana inteira, em todas as suas dimensões e relações.

Sejamos sempre, no mundo e na sociedade de hoje, bons samaritanos e boas samaritanas, profetas e profetisas da vida, do Reino de Deus, que é a Boa Notícia de Jesus.

Com essa reflexões - que retomam e aprofundam as do artigo “Fazer acontecer a Páscoa, hoje”, de abril de 2014 - desejo a todos e a todas uma Feliz Páscoa 2018.


Frei Marcos Sassatelli é frade dominicano e professor de Teologia aposentado. 

Frei Marcos Sassatelli

Fale Conosco
0
0
0
s2sdefault