Correio da Cidadania

Quando um governo apoia a morte de uma criança

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2016-06-03- Caramante
É difícil imaginar algo pior do que o assassinato de uma criança de dez anos. Mas São Paulo consegue piorar o que já é horrendo.

Pior do que matar uma criança é organizar uma passeata para comemorar a morte dessa criança, como fizeram moradores brancos do bairro nobre do Morumbi, na zona sul da cidade de São Paulo, nove dias após a Polícia Militar atirar na cabeça de Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira, menino negro de dez anos de idade.

Pior do que matar uma criança é apoiar publicamente a ação dos seus assassinos, dar suporte a outras ilegalidades que esses assassinos cometerem e atrapalhar as investigações sobre o assassinato. Foi o que fez em 2016 o governador de São Paulo, hoje candidato à Presidência, Geraldo Alckmin (PSDB).

Ítalo e outra criança haviam furtado um carro de um condomínio e havia sérias dúvidas sobre a possibilidade de qualquer um dos dois estar armado, já que nenhum morador do prédio viu armas com os meninos e não havia sinais de tiros disparados de dentro para fora do carro onde Ítalo foi morto. Mesmo assim, antes de as investigações serem concluídas. O governador se apressou em inocentar os policiais, dizendo: "é evidente que os menores estavam armados".

Não era tão evidente assim. Tanto que, nesta semana, o promotor Fernando César Bolque, mostrando uma independência que não é exatamente comum no Ministério Público Estadual de São Paulo, denunciou os cinco policiais militares envolvidos na morte de Ítalo, por homicídio doloso e fraude processual. Para o promotor, é evidente que os adolescentes não estavam armados.

Pior do que matar uma criança é matar a memória que essa criança deixou na Terra.

A atitude de Alckmin foi ainda mais grave quando se leva em conta que os policiais encarregados de investigar seus pares estão submetidos à autoridade do governador. Quando esse mesmo governador dá palpites públicos sobre o resultado de um inquérito em andamento, o recado é claro.

Os investigadores sabem para onde o governo deseja que o inquérito seja levado. É possível levar as investigações para outro rumo, mas os policiais sabem que, ao fazê-lo, estarão contrariando seu "chefe". Quantos profissionais têm essa coragem?

Coincidência ou não, o inquérito conduzido pelo Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa, da Polícia Civil, confirmou o que Alckmin havia dito e terminou sem indiciar ninguém.

Pior do que matar uma criança é pegar outra criança, que acompanhava o menino assassinado, e obrigá-la a gravar um depoimento em vídeo "inocentando" os policiais pelo crime. Foi o que os PMs que mataram Ítalo fizeram com o menino de 11 anos que o acompanhava. Pois o mesmo governador Alckmin teve a manha de ignorar os vários indícios de ilegalidades praticadas na gravação e divulgação desse depoimento. Quando perguntado sobre o vídeo ilegal, soltou outra pérola, afirmando que parecia "espontâneo".

Nada disso é motivo de preocupação para Alckmin, nem mesmo agora, quando o ex-governador se lança candidato. As violações de direitos humanos não entram na pauta eleitoral. Seja nos debates, seja nas entrevistas, ninguém parece interessado em perguntar ao ex-governador sobre Ítalo. Nem sobre a operação Castelinho, tampouco sobre os Crimes de Maio de 2006 ou os Crimes de 2012.

Alckmin está tranquilo. Nem os jornalistas, nem seus adversários políticos parecem querer se lembrar dessas histórias antigas. Ele pode seguir com sua campanha como se nada tivesse acontecido. Pode até dizer que "não é na bala que se resolve" para mostrar os eleitores como é diferente do fascismo sem hipocrisia de Jair Bolsonaro (PSL).

Pior do que matar uma criança é esquecer tão rapidamente que essa criança foi morta, quem a matou e quem apoiou essa morte.


Ponte Jornalismo – Justiça, Segurança Pública e Direitos Humanos.

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