Bolsonaro nos enganou, disse um professor...
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- Carlos Eduardo Boaretto Pereira
- 06/03/2019
Eu tenho apenas quatro anos de efetivo exercício como professor de história, todos eles na educação pública do estado de São Paulo, salvo uma rápida experiência em um cursinho. Dos quatro anos, dois foram como Categoria O (contratado) e dois como Efetivo (concursado).
Nesse espaço de tempo trabalhei em sete escolas diferentes, convivi com incontáveis professores de vários níveis sociais, acadêmicos e etários. Dos mais velhos e ainda aguerridos aos mais novos e acomodados; dos mais novos sonhadores aos mais velhos cansados. Mas em todos eu percebi uma reclamação quase unânime: “os alunos são desinteressados, não sabem ler, pensar ou escrever, são mal educados”.
As eleições de 2018, talvez mais do que as 2014, criaram uma cisão significativa em todos os níveis sociais do país. Evidentemente, na escola, lugar em que temos uma pluralidade de pensamentos maior que a de outros centros de trabalho, não foi diferente.
Houve defesas inflamadas, apaixonadas e agressivas das candidaturas de quase todos os presidenciáveis e governadores. No segundo turno, havia momentos em que eu achava que iria rolar algum tipo de agressão física, de qualquer um contra qualquer um, o que felizmente não ocorreu.
Quase nenhum professor defendia seu posicionamento com o rigor teórico pelo qual nossa profissão deveria primar, era quase sempre na base do “e o seu?”, “o meu é melhor”, “e o filho do seu?”. Não estou dizendo que devêssemos ser “imparciais”, pois como historiador aprendi com os metódicos que não há tal possibilidade. Contudo, deveríamos nos cobrar mais, sair do senso comum, ir além da dicotomia de Darth Vader e do sapo que virou príncipe.
O que quero dizer é: a escola, com o passar do tempo (e isso é um projeto), deixou de ser um centro de desenvolvimento de conhecimento para tornar-se o mais terrível reflexo da sociedade atual, um lugar que apenas reproduz conceitos e juízos de valores ultrapassados.
Evidentemente, há professores bem formados e que, minimamente, tentam construir conhecimento com os alunos, desenvolvendo projetos, utilizando tecnologias e didáticas variadas, mas no grosso as escolas paulistas são depósitos de crianças.
Da mesma forma que em outras esferas das classes subalternas brasileiras, inúmeros professores votaram no Messias, mas não por causa de suas propostas em si, e sim porque acreditavam que veríamos o retorno, principalmente em seu meio de trabalho, da escola da “ordem” e dos bons costumes. Ledo engano.
É fato que nas escolas de Santo André, assim como em quase todas as escolas das grandes cidades brasileiras, houve uma transformação social, ligada à transformação da sociedade, o que inclui desde um maior empoderamento das meninas, dos pretos e dos LGBTs até o aumento da violência e do uso de drogas ilícitas.
Assim, muitos professores enxergaram em Messias um salvador para seus problemas no trabalho, sem deixar de fazer aflorar seus preconceitos. Ou seja, ao invés de mais uma vez entendermos tais transformações e discutirmos de forma a criar espaços de entendimento e auxílio aos estudantes, o professor fechou os olhos para a coletividade. No ápice do egoísmo, fez tudo aquilo que sempre criticou em seus alunos.
Sinto informar, meu caro colega, que o Messias não o enganou. Na verdade ele nunca disse de fato o que iria fazer. Seu plano de governo, que tenho certeza que você não leu, é um Power Point mal feito, com linguagem rasa e sem caminhos para sua realização.
Sua atitude se assemelha com os alunos que você tanto acusou de preguiçoso, por não gostar de ler, ser desinteressado etc. Não se interessou em se aprofundar nas questões propaladas pelo seu candidato, não o pressionou a ir aos debates e muito menos quis dialogar com qualquer um que tivesse uma opinião divergente.
Messias está certo, está fazendo o que bem entende, pois quem o apoiou nunca exigiu que ele apresentasse algo de concreto e dissesse de que forma iria transformar o Brasil. Também não é verdade que ele não está mudando o Brasil. Como é fácil notar, mudar é apenas um verbo, o problema é o que vem depois: mudar para melhor ou pior, mudar para quem?
Carlos Eduardo Boaretto Pereira é professor da rede pública do estado de São Paulo.
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