“A adesão ao ensino a distância é baixíssima e muitos alunos não acessaram nada até agora”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 15/06/2020
Ao mesmo tempo em que a pandemia do coronavírus segue totalmente descontrolada, as grandes cidades brasileiras discutem alternativas para retomar a normalidade. E a rede de escolas públicas é um eixo fundamental dessa possibilidade. Enquanto isso, já são três meses de uma improvisada tentativa de manter o ano letivo através do Ensino a Distância (EaD) e uma plataforma nunca utilizada de acesso ao conteúdo das aulas por internet. De acordo com o professor da rede estadual Davi Correia Santos, em entrevista, os resultados são praticamente nulos.
“Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento”, explicou.
Na entrevista, o professor de sociologia critica o caráter produtivista da atuação da Secretaria de Educação, que ignora diversos fatores socioeconômicos que interferem na adesão dos alunos a esta inesperada forma de ter aulas. E lamenta que as experiências que a pandemia impôs à sociedade dificilmente serão debatidas a fundo, uma vez que todo o planejamento pedagógico é feito de cima para baixo, afastado de qualquer construção coletiva e conectada com as comunidades que moldam cada escola na cidade.
“Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos”, resumiu.
A entrevista completa com Davi Correia Santos pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como descreve a tentativa dos governos estadual e municipal em manter as aulas do ensino público através do ensino a distância em meio à pandemia do novo coronavírus?
Davi Correia Santos: Insensibilidade. Na primeira conferência, depois do recesso decretado no início da quarentena, o Rossieli Soares (secretária da Educação do estado) disse algo como “é melhor fazer alguma coisa do que ficar parado”. E aí já se parte de uma premissa falsa: que a oposição ao sistema adotado é simplesmente não fazer nada.
Ninguém quer ficar parado, apenas queríamos que houvesse construção coletiva da solução, e não uma participação de meia dúzia para vender uma solução de startup que devemos aceitar, sem levar em conta a imensa diversidade do nosso sistema educacional.
Correio da Cidadania: Qual foi o nível real de adesão dos estudantes?
Davi Correia Santos: Real mesmo? No sentido de fazer desse novo processo um espaço de aprendizagem? Baixíssimo! Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento.
Correio da Cidadania: Que balanço pode ser feito desta experiência até aqui? Como ficará o ano letivo, em especial daqueles que não conseguiram acompanhar as aulas?
Davi Correia Santos: Em primeiro lugar, devemos ter uma resposta ao momento que vivemos, mas ela passa muito mais por organização local e suporte do Estado do que algo implantado de cima pra baixo. Dito isso, sim, eu vejo um ano letivo não aproveitado. Não digo perdido, porque escola é algo tão complexo e aprendizagem é uma coisa tão ampla que os alunos podem, sim, ter experiências proveitosas para suas vidas.
E nós, enquanto professores, também podemos vivenciar outras realidades. Mas para o funcionamento em si, da escola, considero perdido. Ainda mais porque estamos maquiando o seu funcionamento como “normal”, ao invés de parar e compreender o que estamos passando.
Correio da Cidadania: Acredita que servirá como trampolim para o avanço do ensino a distância?
Davi Correia Santos: Pode ser. Mas vamos lembrar que mesmo com essa gente aí, que saliva por economizar com pessoas e aumentar o ensino massificante, não dá pra bancar um EaD na rede como um todo. Somos tão específicos nos diversos problemas, realidades e experiências que acredito mais numa tentativa de mescla de horários nos cargos e funções, além de adaptações como as que foram feitas na Reforma do Ensino Médio, que garante uma parte do ensino no EJA (Educação de Jovens e Adultos) feito em EaD.
Correio da Cidadania: Para o professor, como é a experiência de organizar aulas e transmitir conteúdos de aprendizado neste contexto?
Davi Correia Santos: Vale lembrar que na rede pública nós não organizamos as aulas para nossas turmas. Os alunos assistem aulas comuns de cada matéria, disponíveis no Centro de Mídia. Ficamos relegados à função de tutoria. Nosso desgaste se dá na procura de material e organização das atividades, para além do que é apostilado na Seduc. E no preenchimento da burocracia, além de todo desgaste na adaptação a um sistema com o qual pouquíssimos têm familiaridade.
Outro ponto ignorado é o desgaste pelo cenário coletivo. Não dá pra ignorar que temos gente morrendo, um governo estadual farsante e demagogo, um governo federal negacionista e autoritário... Tudo isso contribui negativamente e nos suga muitas energias.
Correio da Cidadania: Como a educação e tudo o que debatemos aqui dialoga com a proposta de reabertura gradual das atividades gerais? Há algum plano, alguma estratégia de retomada das aulas presenciais?
Davi Correia Santos: Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Não há, até agora, nenhuma previsão para se discutir como iremos fazer na volta às aulas. Não é reunião pra receber orientações.
Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.