Correio da Cidadania

Eleições municipais e projeto popular

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Inicia prazo para vereadores trocarem de partido para disputar eleições em  2020
Em teoria, concordo com o psicanalista Contardo Calligaris quando, de maneira clara e contundente, afirma que julgar, escolher, decidir e agir ou (no nosso caso) votar para respeitar valores estabelecidos, sejam eles quais forem, é um comportamento imoral; e que julgar, escolher, decidir e agir ou votar de maneira autônoma e segundo a consciência é um comportamento moral (cf. Votem segundo a consciência. Folha de S. Paulo, 08/10/20, p. B13; Quem é imoral? Ib., 15/10/20, p. B13).

O raciocínio é perfeito, irrefutável. Só tem uma coisa que Contardo não considera e é fundamental: a historicidade (espacialidade e temporalidade) do ser humano, constitutiva de sua condição no mundo com o mundo.

O ser humano em si (a-histórico) não existe. O que existe é o ser humano histórico, situado (num lugar) e datado (num tempo). Portanto, a autonomia, a consciência e a liberdade do ser humano nunca são absolutas, mas condicionadas, ou seja, históricas, situadas e datadas.

Ora, considerando sua historicidade, o comportamento moral do ser humano, mesmo no caso do voto, é o comportamento mais humano - mais autônomo, mais consciente e mais livre - possível na situação histórica concreta na qual ele se encontra.

Dirijo-me aqui aos companheiros e companheiras que - por decisão autônoma, consciente e livre, mas histórica - fizeram a Opção pelos Pobres (empobrecidos, marginalizados, oprimidos, excluídos e descartados) e que, portanto, têm lado definido: o dos Pobres. Caminham com eles(as) e lutam com eles(as) por um Projeto Social (socioeconômico-político-ecológico-cultural) alternativo ao projeto capitalista neoliberal dominante. Para os e as que somos cristãos e cristãs, essa é também a opção de Jesus de Nazaré.

O projeto social capitalista (muitas vezes legitimado por uma prática religiosa hipócrita, oportunista e interesseira) baseia-se na desigualdade social, acaba com os poucos direitos que os trabalhadores(as) conquistaram a duras penas e com muita luta, oprime, marginaliza, explora e descarta os pobres. Para esse projeto, o importante não é a vida do povo, mas o deus-mercado e os interesses dos seus servidores e adoradores.

É um projeto estruturalmente desumano, antiético e - à luz da fé - anticristão: uma concretização histórica do Anti-Reino de Deus. Por considerar "o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes”, é um “sistema nefasto” (Paulo VI. O Desenvolvimento dos Povos), ou, em outras palavras, um "sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida 385).

Como disse o Papa Francisco aos movimentos populares (Bolívia, julho de 2015), “este sistema é insuportável: exclui, degrada, mata!”. É preciso mudá-lo.
O projeto social alternativo ao capitalismo é o projeto popular (ou projeto socialista democrático).

O Concílio Vaticano II reconhece - com alguns reparos - que a humanidade caminha para uma socialização sempre maior. “Multiplicam-se sem cessar as relações do ser humano com os seus semelhantes (e - podemos acrescentar - com a Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum), ao mesmo tempo em que a própria socialização introduz novas ligações, sem, no entanto, favorecer em todos os casos uma conveniente maturação das pessoas e relações verdadeiramente pessoais - personalização” (A Igreja no mundo de hoje - GS 6).

As Forças Sociais Populares (movimentos populares e centrais ou frentes de movimentos populares, sindicatos e centrais sindicais de trabalhadores(as), partidos políticos populares, fóruns ou comitês de direitos humanos, conselhos de direitos e outras organizações populares ou de base), precisam - reconhecendo e valorizando suas diferenças - se unir cada vez mais numa grande frente popular nacional para derrubar o projeto capitalista e construir (ou fazer acontecer) o projeto popular.

As forças sociais populares que - para ganhar um pequeno espaço de poder - fazem aliança com as forças sociais do capital - traem o povo. Por motivos estratégicos (não, oportunistas) - em determinadas circunstâncias (por exemplo, para amenizar situações de extrema pobreza) as forças sociais populares poderão fazer acordos pontuais com as forças sociais capitalistas, mas nunca aliança, que significa comunhão de projetos.

As eleições municipais - por estarem em contato mais direto com o povo e o trabalho de base nas Comunidades - têm um papel fundamental na construção do Projeto Popular. Infelizmente, todas as eleições têm ainda - em grande parte - um caráter personalista e, muitas vezes, os partidos são usados como meras siglas de aluguel para viabilizar projetos pessoais. Precisamos acabar com essa visão e maneira de fazer política partidária.

Nesse tempo da propaganda eleitoral para as próximas eleições municipais (como também, para todas as eleições) não perguntemos (ao menos primeiramente) aos candidatos(as) a vereadores(as) e a prefeitos(as) o que eles e elas pretendem fazer se eleitos(as) e qual é o seu programa de trabalho. Perguntemos, antes, se o partido político, ao qual são filiados(as), está ou não comprometido com a construção do projeto popular e - se está - de que maneira. Em seguida, perguntemos o que eles ou elas - se eleitos(as) vereadores(as) ou prefeitos(as) - pretendem fazer e de que maneira, para dar sua contribuição na construção do projeto popular, a partir do seu município.

Por fim, testemunhando claramente de que lado estamos, no nosso jeito de fazer política busquemos sempre - com coerência partidária e pessoal - a unidade (reconhecendo e valorizando as diferenças) em torno do Projeto Popular. Só assim teremos a força necessária para construir um novo Brasil. Vamos à luta! Vote consciente! Vote no Projeto Popular! Vote nos candidatos(as) a vereadores(as) e a prefeitos(as) que estão realmente comprometidos/as com esse Projeto!

Frei Marcos Sassatelli é frade dominicano e teólogo.

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