Correio da Cidadania

Mortes no Brasil crescem, mas vacinação ainda demora

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Paciente é atendido na UTI do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. A ocupação de leitos aumentou em dezembro e atingiu a marca máxima desde o início da pandemia no Rio Grande do Sul. Foto Silvio Avila/AFP. Dezembro/2020

A pandemia está em expansão no Brasil e o avanço ocorre de forma simultânea na grande maioria dos estados brasileiros, abarcando não somente as capitais, mas também o interior. A média de pessoas infectadas aumentou 160% de 6 de novembro a 12/12 e o número de vidas perdidas aumentou 97% de 11/11 a 12 de dezembro de 2020. O Brasil chegou ao montante acumulado de mais de 181 mil mortes pela covid-19 e com as curvas epidemiológicas apresentando tendência de alta, por conseguinte, o país pode chegar perto da expressiva marca de 200 mil vidas perdidas até o próximo réveillon. Mas a vacinação nacional em massa só começa para valer, na melhor das hipóteses, apenas no final de janeiro de 2021.

O Brasil não fez uma barreira sanitária efetiva e as autoridades de saúde foram incapazes de rastrear e monitorar a doença. Ficando sem controle, o coronavírus se espalhou por todo o território nacional. A quarentena e as medidas de prevenção ajudaram a conter a primeira onda. Mas com o cansaço das pessoas e as medidas de flexibilização, houve um repique da doença. A aproximação das festas natalinas e a tendência de maior interação social nas confraternizações da passagem de ano podem transformar a segunda onda da covid-19 em um tsunami, com novos picos de casos e de mortes superiores aos da primeira.

O Brasil tem o segundo maior número acumulado de mortes em decorrência do SARS-CoV-2, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Os dois países – com grandes populações e diversificados territórios – possuem enorme similaridade. Em ambos os países as ondas costumam permanecer em um patamar alto por vários meses. Na primeira onda nos EUA a média móvel de casos, em abril, ficou em torno de 32 mil casos e agora está acima de 200 mil casos diários. A média móvel de mortes nos EUA, em abril, chegou ao pico de 2.259 óbitos diários e agora a média está acima de 2,5 mil óbitos diários, sendo frequente o registro de mais de 3 mil vítimas fatais em 24 horas.

As curvas epidemiológicas nos dois países possuem padrões semelhantes, mas defasadas no tempo. Isto quer dizer que, após dois ou três meses, o Brasil tende a repetir a experiência norte-americana. Portanto, estamos em uma nova fase de maré alta da pandemia e devemos apresentar novos picos de casos e de mortes em dezembro e janeiro.

As estimativas do Imperial College de Londres, no Reino Unido, indicavam no final de novembro, uma taxa de transmissão (Rt) do novo coronavírus de 1,30 no Brasil, caindo para 1,02 na semana retrasada e voltando a subir para 1,14 na semana passada. Isso significa que cada 100 pessoas infectadas no país transmitem o vírus para outros 114 indivíduos. O estado de Santa Catarina, por exemplo, já apresenta curvas bimodais com um 2º pico de casos e mortes mais elevado do que o 1º pico. A situação é grave, pois o sistema de saúde está sobrecarregado em todo o país e as internações não param de crescer.

Definitivamente, o Brasil não está “no finalzinho da pandemia”, como anunciou o presidente Bolsonaro. O drama não está no epílogo. No dia 2 de dezembro, o Ministério da Saúde apresentou um esboço inicial do plano de imunização contra a covid-19, em 4 etapas, começando em março e terminando no final de 2021, com uma cobertura prevista para cerca de 50% da população brasileira. O esboço do plano foi muito criticado. Na semana seguinte, o ministro Eduardo Pazuello reuniu os governadores para discutir o assunto, mas o destaque da reunião foi o bate-boca entre o titular do ministério e o governador de São Paulo.

Após João Dória prometer para o dia 25 de janeiro (aniversário da capital paulista) o início da vacinação com a vacina coronaVac, produzida pelo Instituto Butantã em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, o ministro Pazuello disse que também poderia começar a vacinação em pequena escala, dependendo da disponibilidade, ainda em dezembro de 2020. No dia 12 de dezembro, o governo entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF), o plano nacional de imunização contra a covid-19, prevendo a disponibilização de 108,3 milhões de doses para mais de 51 milhões de pessoas de grupos prioritários, divididos em quatro fases. Todavia, o documento novamente não apresenta uma data para o início da vacinação e deixa muitas dúvidas sobre a sua implementação. Embora o Brasil tenha construído nas décadas passadas um dos melhores programas de vacinação do mundo, atualmente as incertezas superam as certezas.

Segundo o jornalista Jamil Chade, com base em estudo realizado pela consultoria britânica Airfinity, se o Brasil mantiver somente os acordos atuais com produtoras de vacinas contra a covid-19 pelo mundo, apenas em dezembro de 2022 o país conseguiria disponibilizar vacinas para 67% de sua população. Essa é a taxa considerada como mínima para frear a transmissão comunitária do vírus. Ou seja, o país teria de esperar dois anos para conseguir distribuir doses suficientes para que haja uma imunidade de rebanho (parcela da população suficiente para evitar o contágio) na sociedade brasileira.

Todavia, o Ministério da Saúde tem feito declarações de que novos contratos com fornecedoras de vacina serão assinados brevemente. As dúvidas são grandes. Se este processo de vacinação não for acelerado, outras 200 mil mortes da covid-19 poderão ocorrer em 2021 e a retomada da economia e do emprego ficará comprometida.

Em editorial divulgado no dia 12/12, o jornal Folha de São Paulo diz: “passou de todos os limites a estupidez assassina do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus. É hora de deixar de lado a irresponsabilidade delinquente (...) Com a ajuda do fantoche apalermado posto no Ministério da Saúde, Bolsonaro produziu curto-circuito numa máquina acostumada a planejar e executar algumas das maiores campanhas de vacinação do planeta. Como se fosse pouco, abarrotou a diretoria da Anvisa com serviçais do obscurantismo e destroçou a credibilidade do órgão técnico (...) Basta de descaso homicida! Quase nada mais importa do que vacinas já – e para todos os cidadãos”.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde não divulgou os dados nacionais da covid-19 dos dias 11 e 12 de dezembro. Mas segundo o consórcio de imprensa, no sábado (12/12), o Brasil chegou a 6.880.595 pessoas infectadas e a 181.143 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 2,6%. O Brasil continua em 3º lugar no ranking global de casos (atrás apenas dos EUA e da Índia) e no 2º lugar no número de mortes (atrás apenas dos EUA). Atualmente apresenta números diários de casos e de mortes superiores aos da Índia.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos nas diversas semanas epidemiológicas. Na 13ª SE (22 a 28/03) o Brasil teve 397 casos diários em média e os números subiram continuamente até o pico de 45,7 mil casos diários na 30ª SE (19 a 25/07). A partir do final de julho o número médio de casos, com algumas oscilações, caiu até o mínimo de 16,8 mil casos na 45ª SE (01 a 07/11). Mas nas duas semanas seguintes o número médio de casos ficou em torno de 28 mil, chegando a 33,9 mil casos na semana passada (48ª SE). Houve uma variação do número de pessoas infectadas de mais de 100% entre os dias 6 e 28 de novembro.

 

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de óbitos nas diversas semanas epidemiológicas. Na 13ª SE (22 a 28/03) o Brasil teve, a cada 24 horas, somente 13 vítimas fatais pela covid-19. Este número subiu para 1.014 óbitos na 23ª SE e atingiu o pico de 1.097 na 30ª SE (19 a 25/07). Nas semanas seguintes, com pequenas oscilações, os números foram caindo até 343 óbitos diários na 45ª SE (01 a 07/11). Contudo, nas duas semanas seguintes os montantes voltaram a subir para a casa de 480 mortes diárias e, na 48ª SE (22 a 28/11), o número de vidas perdidas ficou em 510 óbitos diários. Um aumento de 55% entre os dias 11 e 28 de novembro.

 

O panorama global

O mundo chegou a 71 milhões de pessoas infectadas e a 1,6 milhão de vidas perdidas pela covid-19 no dia 12 de dezembro, com uma taxa de letalidade de 2,3%. O mês de dezembro caminha para ter uma média diária de casos acima de 600 mil, e uma média de mortes acima de 10 mil óbitos diários. Assim, o último mês do ano deve terminar com números recordes, mostrando que a pandemia não perdeu força ao longo do segundo semestre de 2020. A imunização gerada pela vacinação em larga escala só começará surtir algum efeito ao longo de 2021.

O gráfico abaixo mostra a evolução da média diária dos casos da covid-19 no mundo, desde o início de março. Nota-se que o número de infecções passou de 3 mil casos diários entre 1 e 7 de março para 75 mil casos, quatro semanas depois. Até meados de maio o número de novas infecções ficou abaixo de 100 mil casos. Mas em agosto já tinha ultrapassado 250 mil casos diários, pulou para 495 mil casos na semana de 25 a 31/10, duas semanas depois avançou para 594 mil casos diários e ultrapassou a marca de 600 mil casos na semana de 29/11 a 05/12. Na semana passada houve um novo aumento para 626 mil casos.

 

O gráfico abaixo mostra a evolução do número diário de óbitos no mundo. Na primeira semana de março houve menos de 1 mil mortes diárias, mas na semana de 29/03 a 04/04 já tinha saltado para 5,2 mil óbitos diários. O primeiro pico aconteceu na semana de 12 a 18 de abril com 7 mil mortes diárias. Nas 26 semanas seguintes os números variaram, mas foram sempre menores do que o pico de abril, atingindo 6,5 mil na última semana de outubro.

Todavia, nas semanas de novembro foram batidos recordes sucessivos. Na primeira semana de novembro ocorreram 8 mil mortes diárias, na segunda 8,8 mil mortes, na terceira 9,8 mil e na quarta semana o limiar de 10 mil mortes diárias foi ultrapassado. Nos 12 primeiros dias de dezembro a média global de vítimas fatais da covid-19 ficou próxima de 11 mil óbitos a cada 24 horas.

Um conto de dois ministérios e duas vacinas

O Ministério da Saúde, gerenciado pelo general Eduardo Pazuello, tem criado tanta confusão no combate ao coronavírus e na regulamentação das vacinas contra a covid-19 que lembra o que Charles Dickens escreveu no início de “Um conto de duas cidades”: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; a era da sabedoria, a era da tolice; a época da crença, a época da incredulidade; a estação da Luz, a estação das Trevas; a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós; íamos todos direto para o Céu, íamos todos para o lado oposto”.

A população brasileira não sabe se o país tem um ministério da saúde ou da doença; não sabe se 2021 será melhor ou pior do que 2020; se vai prevalecer a opinião dos sábios ou dos tolos; se a ciência vai vencer as crendices ou o contrário; se existe alguma luz indicando o fim da pandemia ou só trevas no horizonte; se existe esperança no controle do vírus ou apenas a continuidade do desespero do contágio e da falta de ar; se o Brasil ruma para o futuro e a ampliação das oportunidades ou para o passado e a barbárie; se na atual encruzilhada, escolheremos a estrada do cenário celestial ou a via oposta?

Em menos de um ano de pandemia, o Brasil já teve três ministros da saúde. O atual ocupante, assim que assumiu o cargo, suspendeu a divulgação dos dados da covid-19, mas com a pressão da sociedade civil, voltou atrás. O general “apalermado” que ocupou o ministério apostou no tratamento da covid-19 por meio da hidroxicloroquina e da cloroquina (usadas para prevenir a malária), o que, evidentemente, não evitou 180 mil vidas perdidas e ainda deixou grandes estoques encalhados e sem uso efetivo. Ao invés de ampliar os exames para detectar e monitorar a doença, esqueceu 7 milhões de testes que estavam estocados e em vias de perder o prazo de validade. Mas a Anvisa o “socorreu”, prorrogando as datas para uso.

Eduardo Pazuello disse que compraria a vacina CoronaVac, mas foi desautorizado pelo presidente Bolsonaro e resignado disse: “É simples assim: um manda e o outro obedece”. O ministro falou que a vacinação iria começar em março 2021, mas diante de um possível início em janeiro, em São Paulo, Pazuello disse que começaria a vacinação em dezembro, mas não apresentou os fornecedores e nem o plano logístico de distribuição dos insumos (seringas, agulhas, algodão, freezer etc.). Numa primeira versão do plano de imunização se previa vacinar cerca de 50% da população até o final de 2021, depois falou em vacinar 100%, mas sem uma data limite.

No dia 11 de novembro, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), publicou em suas redes sociais que o Ministério da Saúde iria editar uma Medida Provisória (MP) para “tratar da centralização e distribuição igualitária das vacinas”, além de requisitar todas as vacinas disponíveis contra o coronavírus. O anúncio foi feito após um encontro do governador goiano com o ministro Eduardo Pazuello, durante a inauguração de uma maternidade em Goiânia.

No final do dia, o Ministério da Saúde diz não ter proposto confisco ou requerimento de vacinas adquiridas pelos estados. Enfim, o Brasil vive o caos no combate à covid-19. São muitas informações contraditórias, idas e vindas, muito diz-que-me-diz e um enorme zum-zum-zum. Neste ambiente, politicamente conflagrado, cresce o número de brasileiros que não desejam se vacinar. Enquanto isto os números acumulados de mortes se aproximam da cifra de 200 mil até o final de 2020.

Parafraseando novamente Dickens, o Brasil tem repetido a dualidade entre progresso e retrocesso: é o melhor dos tempos, pois nunca a humanidade produziu uma vacina de forma tão rápida e tão eficiente, mas é o pior dos tempos já que a vacina é cara, existem muitos interesses comerciais em jogo, enormes diferenças políticas e a universalização da imunização vai demorar; estamos na era da sabedoria e da ciência, mas também na era do negacionismo, do terraplanismo, das fake news e da pós-verdade; existe a luz da vacina no fim do túnel, mas, igualmente, muitas trevas, muitas descrenças e uma nova guerra das vacinas no século 21; tínhamos tudo diante de nós para vencer a pandemia, tínhamos nada diante de nós em função de um presidente dizendo que a doença é só uma gripezinha, que não é maricas e nem coveiro, e daí que haja 180 mil mortes?, todo mundo vai morrer um dia e já estamos no finalzinho da pandemia; íamos todos direto para o Céu, íamos todos para as igrejas e para a flexibilização do isolamento social acelerando a transmissão comunitária do coronavírus e fazendo tudo de modo oposto ao recomendado pelo bom-senso.

Frase do dia
“A vida é para quem é corajoso o suficiente para se arriscar e humilde o bastante para aprender”
Clarice Lispector (10/12/1920-09/12/1977) – cem anos do nascimento


Referências:

Jamil Chade. Brasil só fica imune à covid em 2 anos com acordos atuais, diz consultoria, UOL, 10/12/2020 https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/12/10/com-acordos-atuais-de-vacinas-brasil-so-atingira-imunidade-no-fim-de-2022.htm 
Editorial da Folha de São Paulo. Vacinação já, SP, 12/12/2020
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/12/vacinacao-ja.shtml 

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