Cai a expectativa de vida e o ritmo do crescimento demográfico do Brasil
- Detalhes
- José Eustáquio Diniz Alves
- 20/12/2021
O Brasil foi um dos países mais impactados pela pandemia da Covid-19. A alta mortalidade reduziu a expectativa de vida média da população e contribuiu para a diminuição do ritmo de crescimento demográfico do país. O gráfico abaixo mostra o coeficiente acumulado de incidência (casos por milhão de habitantes) para os 10 países mais populosos e a média mundial. O coeficiente global no dia 26/11/2021 foi de 33,1 mil casos por milhão de habitantes. Os EUA com 145 mil casos por milhão, o Brasil com 103 mil casos por milhão e a Rússia com 64 mil casos ocupam os três primeiros lugares do ranking, acima da média global. Em 4º lugar aparece o México com 30 mil casos por milhão e em 5º lugar a Índia, o segundo país mais populoso do mundo, com coeficiente de 25 mil casos por milhão. Em seguida aparecem Indonésia (15,4 mil casos), Bangladesh (9,5 mil casos), Paquistão (5,7 mil casos) e Nigéria (1 mil casos). A China, o país mais populoso do mundo, mesmo tendo sido o foco original do novo coronavírus, apresenta um coeficiente de incidência de apenas 68 casos por milhão de habitantes.
Em termos absolutos, até 26/11, o mundo registrou 261 milhões de pessoas infectadas, os EUA 48 milhões, a Índia vem em seguida com 34,6 milhões de casos e o Brasil com 22,1 milhões de casos. Os números dos outros países são: Rússia (9,3 milhões), Indonésia (4,3 milhões), México (3,9 milhões), Bangladesh (1,6 milhão), Paquistão (1,3 milhão) e Nigéria (213 mil casos). A China registrou menos de 100 mil casos no total, desde o início da pandemia.
O gráfico abaixo mostra o coeficiente acumulado de mortalidade (óbitos por milhão de habitantes) para as mesmas unidades anteriores. O coeficiente global de mortalidade, no dia 26/11/2021, foi de 659 óbitos por milhão de habitantes. Acima da média global estavam o Brasil, em 1º lugar, com 2.870 óbitos por milhão, os EUA, em 2º lugar, com 2.300 óbitos por milhão, o México, em 3º lugar, com 2.250 óbitos por milhão e a Rússia, em 4º lugar, com 1.800 óbitos por milhão. Em seguida, aparecem a Indonésia com 520 óbitos por milhão, a Índia com 336 óbitos por milhão, Bangladesh com 168 óbitos, Paquistão com 127 óbitos, Nigéria com 14 óbitos e a China com apenas 3,2 óbitos por milhão de habitantes.
Em termos absolutos, até 26/11, o mundo registrou 5,19 milhões de vidas perdidas para a Covid-19, os EUA 776 mil óbitos, o Brasil 614 mil óbitos, a Índia 468 mil óbitos, México com 294 mil óbitos, Rússia com 264 mil óbitos, Indonésia com 144 mil óbitos, Paquistão com 29 mil óbitos, Bangladesh com 28 mil óbitos, China com 4,6 mil óbitos e a Nigéria com 3 mil óbitos.
A redução da expectativa de vida em 2020 e a Tábua de Vida do IBGE
A pandemia do novo coronavírus interrompeu um século de ganhos contínuos na expectativa de vida ao nascer da população brasileira e mundial. No século XX, o avanço da longevidade foi excepcional e a expectativa de vida global mais que dobrou no espaço de 100 anos, passando de 32 anos em 1900 para 66,3 anos no ano 2000. A expectativa de vida ao nascer teve um avanço ainda mais espetacular no Brasil, passando de 29 anos em 1900 para 70,1 anos em 2000, conforme mostra o gráfico abaixo.
Entre 1900 e 2019 o mundo ganhou 40,6 anos de expectativa de vida, o que significa 0,34 pontos por ano, enquanto o Brasil, no mesmo período, ganhou 46,9 anos, o que representa 0,39 pontos por ano. Estes 120 anos foram, sem dúvida, de progresso nunca visto no passado e que nunca será visto no futuro, pois não seria possível dobrar novamente a vida média das pessoas em um espaço de 9 ou 10 décadas. As projeções da Divisão de População da ONU (revisão de 2019) estimavam uma continuidade do aumento da expectativa de vida durante o século XXI, mas em ritmo mais lento.
Contudo, o ano de 2020 trouxe uma triste novidade, pois reverteu uma tendência secular. Em decorrência da Covid-19, a expectativa de vida caiu na maioria dos países do mundo e o Brasil não foi exceção. Segundo o Ministério da Saúde houve 194.949 óbitos em 2020 apenas em decorrência da Covid-19 e já são aproximadamente 420 mil mortes nos primeiros 11 meses de 2021. Segundo as estatísticas do Registro Civil divulgadas pelo IBGE, no dia 18 de novembro, a mortalidade no Brasil chegou a 1.524.949 óbitos em 2020, montante 15% superior aos 1.332.466 falecimentos de 2019. Pela primeira vez o país ultrapassou 1,5 milhão de mortes no período de 12 meses, como mostramos no “Diário da Covid-19: Nunca se morreu tanto no Brasil”, aqui no #Colabora (Alves, 21/11/2021).
Evidentemente, este aumento da mortalidade provocou uma redução da expectativa de vida da população brasileira. O artigo “Reduction in life expectancy in Brazil after COVID-19” (Castro et. al. 2021), publicado na prestigiosa revista acadêmica Nature Medicine, mostra que o Brasil foi fortemente afetado pela letalidade da Covid-19. Os autores estimaram uma redução da expectativa de vida ao nascer (e0) de 1,3 anos em 2020, sendo que o declínio foi maior para os homens (queda de 1,6 anos) do que para as mulheres (queda de 1 ano). No Amazonas, a diminuição chegou a 3,5 anos em 2020. No ano de 2021 a mortalidade será ainda maior e o país terá uma nova queda da expectativa de vida. Contudo, o padrão de 2019 poderá ser retomado se a pandemia for controlada em 2022.
Mas a despeito de todos estes dados, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou no Diário Oficial da União, no dia 25/11, a Tábua de Mortalidade do Brasil, de 2020, apresentando um aumento da expectativa de vida ao nascer dos brasileiros de 76,6 anos em 2019 para 76,8 anos em 2020. Isto ocorreu porque o IBGE não levou em consideração os dados da pandemia.
Segundo palavras do próprio Instituto: “As Tábuas Completas de Mortalidade para o Brasil 2020 que estão sendo publicadas hoje pelo IBGE fornecem os indicadores de mortalidade que seriam esperados caso o país não tivesse passado pela pandemia de Covid-19. Assim, se o Brasil não tivesse vivenciado uma crise de mortalidade em 2020, a expectativa de vida ao nascer seria de 76,8 anos para o total da população, com um acréscimo de 2 meses e 26 dias em relação ao valor estimado para o ano de 2019 (76,6 anos). …. Essas Tábuas de Mortalidade são calculadas a partir de projeções populacionais, baseadas nos dados dos censos demográficos. Essa metodologia, adotada pelo instituto desde 1991, é recomendada pelos organismos de cooperação internacional e reconhecida pelos usuários de nossos dados demográficos, incluindo órgãos públicos das três esferas de governo e as principais instituições acadêmicas do país”.
Ou seja, como o IBGE não teve o apoio para fazer a Contagem de População marcada para 2015 e não fez o Censo Demográfico marcado para 2020, não pode atualizar as projeções populacionais (a última atualização foi feita em 2018). Assim, sem ter os dados do real tamanho da população e sua estrutura por sexo e idade e sem ter os dados da migração, o Instituto ficou impossibilitado de incorporar os dados do Registro Civil nas projeções, pois não tinha como definir o denominador (que é o tamanho real da população em todas as suas escalas).
Se o Censo Demográfico tivesse sido realizado em 2021, esta lacuna seria superada de forma mais rápida. Mas foi um erro imperdoável não ter realizado o censo demográfico e isto está trazendo muitos prejuízos para as pesquisas do IBGE que estão perdendo a acurácia, já que as amostras baseadas no censo de 2010 estão desatualizadas depois da grande recessão de 2014 a 2016 e, principalmente, depois da recessão de 2020 e de todo o impacto da pandemia.
O fato é que existe uma lacuna no sistema nacional de estatísticas. Sem conhecer o tamanho real da população e sua estrutura por sexo e idade fica impossível calcular com exatidão a expectativa de vida da população brasileira e outros indicadores sociais e econômicos. O máximo que se pode fazer é realizar estimativas com dados incompletos. Na falta do censo demográfico o Brasil não saberá com exatidão qual é a extensão da vida média dos habitantes do Brasil em 2020 e 2021. Desta forma, a missão do IBGE – “Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania” – tem sido comprometida.
Ter o cálculo o mais exato possível da expectativa de vida é essencial para a definição das políticas de saúde, para a comparabilidade dos dados internacionais da estrutura de mortalidade e para a definição de benefícios da previdência social. Realizar um censo demográfico com alta cobertura e alta qualidade em 2022 é a tarefa mais urgente para o conhecimento da realidade nacional, como discutimos em debate do #INFOVID da USP, com o professor Paulo Lotufo: “Como estamos e ficaremos sem o Censo Demográfico”.
A expectativa de vida ao nascer, depois de um século de incremento contínuo, caiu nos anos de 2020 e 2021, só não sabemos ainda com precisão qual foi o tamanho da queda. Se a pandemia for controlada e o número de mortes da Covid-19 for reduzido substancialmente em 2022, o tempo médio de vida poderá aumentar no próximo ano, assim como a tendência histórica de ampliação da longevidade.
O decrescimento populacional da cidade do Rio de Janeiro
A população brasileira chegou a crescer cerca de 3 milhões de pessoas ao ano na década de 1980. Na década seguinte o ritmo caiu para cerca de 2,5 milhões de pessoas ao ano. Entre o ano 2000 e 2018 o crescimento anual da população ficou em torno de 2 milhões de habitantes ao ano. As projeções populacionais do IBGE (revisão 2018) estimaram um crescimento demográfico de cerca de 1,7 milhão de habitantes ao ano entre 2019 e 2021. Mas a pandemia da covid-19 aumentou o número de mortes e diminuiu o número de nascimentos, de tal forma que o crescimento anual da população ficou em cerca de 1,2 milhão em 2020 e deve ficar abaixo de 1 milhão em 2021, segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil.
Mas o Brasil é um país muito heterogêneo e existem estados e municípios que estão em diferentes etapas da transição demográfica. O Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro são os dois estados mais envelhecidos do país e, em 2020, foi registrado 114 cidades gaúchas e 22 cidades fluminenses com decrescimento vegetativo da população (nascimentos – óbitos e migração zero).
O exemplo da “Cidade Maravilhosa” é elucidativo. A cidade do Rio de Janeiro era o município mais populoso do Brasil em 1872, quando foi feito o primeiro censo demográfico brasileiro, tendo 274.972 habitantes. Até 1950, a cidade continuou sendo o maior município brasileiro, quando a população carioca chegou a 2.377.451 habitantes (crescimento de quase 9 vezes em 78 anos).
Embora o incremento demográfico tenha continuado em ritmo elevado no restante do século XX, a cidade do Rio de Janeiro foi ultrapassada pela cidade de São Paulo em 1960. Em 2019, a estimativa do IBGE indicou 6.718.903 habitantes (um crescimento de 25 vezes entre 1872 e 2019), conforme mostra o gráfico abaixo.
A cidade do Rio de Janeiro, fundada em 1565, é um dos municípios mais antigos do Brasil e tem uma história institucional muito complexa. Em 1763, passou a sediar a capital do Brasil Colônia. Em 1808, recebeu a Família Real de Portugal em fuga do cerco napoleônico. Em 1815, foi elevada à condição de capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1834, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se Município Neutro e, no ano seguinte, Niterói tornou-se a capital da Província do Rio de Janeiro. Com o advento da República, em 1889, a cidade do Rio de Janeiro passou à condição de Distrito Federal e a cidade de Niterói passou à condição de capital do Estado do Rio de Janeiro.
Em 1960, com a transferência da capital federal para Brasília, a cidade do Rio se transformou em Estado da Guanabara. Em 1975, o atual Estado do Rio de Janeiro assumiu as suas feições atuais, quando se deu a fusão dos Estados da Guanabara e o antigo Estado do Rio de Janeiro. A antiga Capital Federal passou a ser a sede administrativa e política do Estado Fluminense, em substituição à cidade de Niterói.
A cidade do Rio de Janeiro tem sido também uma das pioneiras da transição demográfica brasileira, liderando a queda das taxas de mortalidade e natalidade e apresentando uma estrutura etária mais envelhecida. A passagem de um regime de crescimento demográfico para decrescimento estava prevista para o início da década de 2030, portanto, antes do início da fase nacional do decrescimento populacional prevista para a década de 2040.
Desta maneira, nos seus primeiros 455 anos, a cidade do Rio de Janeiro cresceu continuamente. Mas a pandemia da Covid-19 antecipou a chegada do decrescimento demográfico, já que o município do Rio de Janeiro registrou mais mortes do que nascimentos em 2020 e tem apresentado queda da população ainda maior em 2021.
O gráfico abaixo, com dados do Portal da Transparência do Registro Civil, mostra que, em 2018, a cidade do Rio de Janeiro registrou 88,3 mil nascimentos, 64,5 mil óbitos e um crescimento vegetativo (nascimentos – óbitos e migração zero) de 23,8 mil novos habitantes. Em 2019, houve uma pequena queda no número de nascimentos e um pequeno aumento no número de óbitos, resultando em um crescimento vegetativo de 16,8 mil pessoas, conforme mostra.
Mas a pandemia da Covid-19 provocou uma diminuição na população. Em 2020 foram 72,9 mil nascimentos e 76,8 mil óbitos, resultando em um decrescimento vegetativo de 3.854 pessoas. Em 2021, a estimativa indica que o número de nascimentos caiu mais um pouco (para 71,6 mil) e o número de mortes subiu novamente para 78,6 mil óbitos, resultando em um decrescimento populacional de 7,04 mil pessoas.
Se a pandemia for realmente controlada, provavelmente, o número de nascimentos deve aumentar e o número de mortes deve diminuir em 2022, com o Rio de Janeiro voltando a apresentar algum crescimento vegetativo. Contudo a 4ª onda pandêmica na Europa e o surgimento da variante B.1.1.529 do novo coronavírus (denominada Ômicron) – que preocupa o mundo inteiro – pode complicar o quadro.
De uma ou de outra forma, o regime de crescimento populacional está com os dias contatos, uma vez que a tendência de decrescimento populacional deve chegar definitivamente antes de 2030 e deve prosseguir no restante do século. Esta nova realidade demográfica parece ser inexorável, mesmo na hipótese de aumento do fluxo imigratório.
Evidentemente, muitas pessoas vão lamentar o passado e estranhar o novo padrão demográfico. Porém, não adianta querer contrariar as opções das pessoas e a nova realidade demoeconômica, mas sim defender políticas públicas que garantam o bem-estar geral diante de um novo cenário que deverá preponderar nas próximas décadas e séculos. É melhor ter uma população menor com melhor condição de vida do que uma população aumentando junto com o agravamento dos problemas socioeconômicos e ambientais. Além da geografia, a cidade do Rio será realmente maravilhosa quando houver maior qualidade de vida, menor desigualdade social, o fim da poluição e uma maior regeneração ecológica.
Referências:
ALVES, JED. Diário da Covid-19: Nunca se morreu tanto no Brasil, # Colabora, 21/11/2021
Castro, M.C., Gurzenda, S., Turra, C.M. et al. Reduction in life expectancy in Brazil after COVID-19. Nat Med 27, 1629–1635 (2021).
#INFOVID 34: Como estamos e ficaremos sem o Censo Demográfico
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia e doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O artigo foi originalmente publicado na página do Projeto Colabora.