Correio da Cidadania

Geração à míngua: o Brasil maltrata seus adolescentes

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Foto: Reprodução Outras Palavras

O estudo passou despercebido, mas não deveria. Na última sexta-feira, o IBGE divulgou os resultados de uma pesquisa inédita. Graças a avanços de metodologia estatística, foi possível comparar quatro edições da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (a PeNSE). Realizada em quatro edições, entre 2009 e 2019, ela volta-se para os alunos da 9ª série do ensino fundamental — a população na faixa etária crucial que se estende dos 15 aos 18 anos. Abrange 14 temas, que vão da violência sofrida em casa e nas ruas à auto-aceitação do próprio corpo. Permite agora, graças à uniformização metodológica, traçar a evolução dos indicadores, e os principais resultados são chocantes. Eles mostram como o país está se tornando hostil à geração sobre a qual repousa o seu futuro. Precisamente aquela, portanto, a quem deveriam se voltar os esforços principais de cuidado e acolhimento.

Os adolescentes que estão à beira de ingressar no ensino médio são vítimas de violência física e simbólica crescente. Diversos dados expõem este desastre. Entre 2009 e 2019, o percentual dos que revelam ter sofrido violência em casa saltou de 9,4% para 11,6%. Os números certamente estão subnotificados. Tanto a condição de dependência dos adolescentes quanto a própria natureza dos fatos que a pesquisa busca apurar sugerem que nem todos são capazes de reportar o que a pesquisa indaga. Mas a elevação tão clara — quase 25% a mais, num período de apenas dez anos — é significativa.

Mais ainda é a violência fora do domicílio — esta possivelmente relatada com menos medo. Em dez anos, mais que dobrou a porcentagem dos que declaram ter faltado às aulas por sentirem medo no trajeto entre suas casas e a escola. Eram 8,6%, em todo o país, em 2009. Passaram a 17,3% em 2019.

E que dizer da violência implícita na não aceitação do próprio corpo? Em 2009, 39,4% dos adolescentes na faixa do 9º ano escolar diziam-se insatisfeitos, ou por se acharem muito gordos (17,5%), ou muito magros 21,9%. Mas este percentual já altíssimo saltou para 51,2% em 2019. Ou seja: os padrões estéticos vistos como “corretos” estavam excluindo e mortificando mais da metade dos adolescentes.

Os dados sobre a evolução do comportamento dos adolescentes, que a nova metodologia permitiu aferir, trazem outras novidades importantes. Aumentou muito levemente, entre 2009 e 2019, o percentual dos que, entre 15 e 18 anos, afirmam ter vivido uma experiência sexual. Eram 27,9%, passaram a 28,5%. Mas houve uma clivagem por gênero. Entre os homens, a porcentagem caiu de modo perceptível — de 40,2% para 34,8% –, enquanto entre meninas aumentou, também de modo notável — de 16,9% para 22,6%.

Em relação às drogas, os resultados são ambíguos. A experiência com tabaco reduziu-se de 16,8% para 13,1% — fruto provavelmente das campanhas antitabagistas. A experimentação de bebida alcoólica cresceu 52,9% (em 2012) para 63,2% (em 2019). O uso de outras drogas foi de 8,2% para 12,1%.
O percentual de adolescentes que conta com internet em casa não parou de aumentar, mesmo em meio à crise. Saltou de 52,9% em 2009 para 93,6%. Mas a rede é acessada, cada vez mais, por meio de aparelhos (como o celular) que tendem a reduzir o usuário a consumidor de conteúdos. Em 2009, 73,7% possuíam um smartphone; em 2019, já eram 86,7%. Mas, a possibilidade de acessar um computador — que permite formas muito mais ricas de produzir conteúdos — reduziu-se de 80,7% em 2015 para 66% em 2019.

Por seu ineditismo, o estudo comparativo entre as PeNSE ainda demanda análises de mais profundidade. Mas o trabalho do IBGE agrega informações decisivas para quem deseja compreender e dialogar com um setor da sociedade brasileira decisivo para a construção de outro país possível.

Hélvio Tamoio escreve para o Outra Saúde, onde este artigo foi originalmente publicado.

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