Correio da Cidadania

Temporão: como iniciar o resgate da Saúde

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José Gomes Temporão, ministro da Saúde do governo Lula de 2007 a 2011

Com a vitória presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição de domingo, 30/10, iniciam-se as projeções para o próximo governo. Entre elas, e com papel crucial, está a área da Saúde – que desponta, ao lado da Economia, como principal preocupação dos brasileiros, segundo o Datafolha.

A pandemia de covid-19 foi protagonista no aumento da angústia da população. Ainda assim, mesmo com a vacinação em massa e controle do novo coronavírus, o cenário não é de melhora. O SUS enfrenta o desabastecimento de remédios, a ausência de médicos, as grandes filas para procedimentos no cenário pós-pandemia e as tensões com seus colaboradores privados. O Brasil contabilizou a taxa de vacinação infantil mais baixa dos últimos 30 anos.

No final de agosto, o governo federal apresentou no Orçamento para 2023 a menor verba para a Saúde nos últimos 10 anos. Os novos cortes anunciados envolveram a Saúde Indígena e a Farmácia Popular – responsável pelo controle elogiado mundialmente do HIV/Aids no Brasil. Outro entrave para investimentos na área é o teto de gastos, que já tirou R$ 37 bilhões do SUS de 2018 a 2020.

Leia as reflexões do ex-ministro José Gomes Temporão sobre esses assuntos cruciais para a saúde.

O orçamento de 2023 é o menor dos últimos 10 anos para a Saúde. Quais são as possibilidades para reverter o Orçamento e anular o teto de gastos? Existe possibilidade de recuperação da saúde sem essas ações, em sua opinião?

Na minha visão, teremos que construir um governo de salvação nacional, porque o grau de destruição que o governo Bolsonaro causou em todas as dimensões da vida nacional e especificamente na Saúde são muito graves. Nesse contexto, teremos que definir prioridades e a Saúde sem dúvida é uma delas. O Orçamento para 2023 terá que ser refeito. Sem isso nós vamos viver um quadro extremamente grave de filas, mortes sem atendimento, aumento do tempo de espera para cirurgias e exames, uma situação caótica.

Hoje vivemos um problema de desabastecimento de medicamentos e o senhor já sinalizou que essa questão está diretamente relacionada com a falta de um Complexo Industrial Brasileiro de produção de medicamentos – ligados ao avanço tecnológico e científico. Acredita que essa questão será trabalhada pelo próximo governo?

Essa é uma questão que definitivamente entrou na agenda: a vulnerabilidade tecnológica do sistema de saúde brasileiro e a importância de nós termos uma política para aumentar a capacidade nacional de internalização de tecnologias, criando empregos, renda, inovação, desenvolvimento e garantindo o acesso da população brasileira a medicamentos, testes, vacinas e outras tecnologias. O fortalecimento do Complexo Econômico Industrial Da Saúde está, inclusive, no plano de governo que ganhou as eleições.

Outro problema é a falta de capacidade dos municípios em contratar médicos para o atendimento nos postos de saúde. Um programa parecido com o Mais Médicos deverá ser retomado?

Com certeza. O Mais Médicos foi o acesso da população brasileira nos municípios mais vulneráveis, na Amazônia Legal, no interior, nas periferias, nas regiões metropolitanas. Continua sendo um problema. Talvez nós precisemos pensar em uma política mais permanente, mais estrutural e menos provisória. Um projeto de política de Estado, que se projete ao longo dos anos e que permita que profissionais da saúde – não apenas médicos, mas também enfermeiros e outros profissionais – possam vislumbrar uma carreira a ser exercida com dignidade, qualidade, uma boa remuneração e que dê possibilidades de crescimento profissional. É nessa linha que devemos pensar no substituto do Mais Médicos.

O novo governo deverá lidar com a alta demanda de exames, cirurgias e procedimentos de baixa e média complexidade que ficaram represados devido a pandemia de covid-19. Você concorda com a proposta de fazer mutirões emergenciais? Que outras ações do ministério seriam possíveis?

O grande desafio vai ser mesclar iniciativas conjunturais para atender essa demanda reprimida. Estruturar junto com os estados e municípios a construção de uma estratégia integrada a nível nacional, com recursos específicos para isso; e ao mesmo tempo pensando nas políticas estruturantes, para impedir que no futuro nós tenhamos que ficar tentando resolver tudo com mutirão. Então é um duplo movimento: mobilização da União e dos Estados e Municípios para fazer frente a essa situação emergencial e construção de políticas a longo prazo para que o sistema funcione adequadamente e permanentemente.

Hoje o SUS enfrenta problemas com seus parceiros privados, como as Santas Casas e os hospitais filantrópicos. Será necessário um reajuste na tabela SUS para garantir mais repasses a esses parceiros?

É uma simplificação falar em reajuste da tabela do SUS, porque a tabela do SUS é um monstrengo herdado do antigo Inamps, lá dos 1980. Na verdade, é preciso repensar todo modelo de financiamento e de remuneração das instituições sem fins lucrativos, que são as Santas Casas e as instituições privadas que prestam serviços ao SUS. Vamos precisar avançar em estratégias de orçamentação integrada, não apenas de remuneração de procedimentos, mas também incluir a remuneração por desempenho, por qualidade, por impacto sanitário, médico e de saúde pública dessas ações. Eu acho que é possível pensar de maneira inovadora em relação a essa questão da remuneração dos prestadores, sejam eles filantrópicos ou privados.

Alessandra Monterasteli é jornalista do Outra Saúde, onde esta matéria foi originalmente publicada.

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