Correio da Cidadania

“Verba indenizatória”: estratégia hipócrita e imoral

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O Popular, 08/02/23, p. 6


Na primeira página de “O Popular”, do dia 7 deste mês de fevereiro, deparamos com a manchete: “Tribunais pegam carona em lei que extrapola teto salarial”. O Jornal, comentando a manchete, afirma: “Proposta enviada à Assembleia permite que membros e servidores do TJ, TCE e TCM superem limite de R$ 39,2 mil, já que a lei transforma em “verba indenizatória” o que ultrapassar o teto. A estratégia foi utilizada pelo Executivo e é replicada em outros órgãos”.

Na página 4 - na reportagem de Marcos Carneiro - deparamos com outra manchete: “Brecha ‘fura teto’ deve ser ampliada a Tribunais”. Comentando, pois, a manchete, o Jornal declara: “Tribunal de Justiça e Tribunais de Contas do Estado e dos Municípios apresentam projetos para pegar carona em lei aprovada pelo Executivo a fim de permitir salários acima do teto”.

No “O Popular” do dia seguinte (dia 8), na página 6, numa nova reportagem do mesmo jornalista, deparamos com uma terceira manchete: “Órgãos extrapolam teto do funcionalismo em R$ 27,2 mi”. Comentando a manchete, o Jornal diz: “Vencimentos: folhas de pagamento dos Tribunais de Justiça e de Contas, e do Ministério Público, mostram valores acima de R$ 100 mil em janeiro”.

Vejam só o “descaramento” do Tribunal de Justiça e Tribunais de Contas do Estado de Goiás e dos Municípios: “O Poder Judiciário goiano sempre cumpre com a legislação vigente em relação à remuneração de magistrados e servidores” (TJ-GO).

“Quanto aos pagamentos questionados, referem-se a um reduzido número de servidores e estão rigorosamente dentro da legalidade, referindo-se a parcelas de caráter indenizatório” (TCE-GO). “Nenhum servidor ou membro recebe remuneração acima do teto constitucional”. “As verbas de natureza indenizatória não integram a remuneração” (TCM-GO).

Que verbas “de natureza indenizatória” são essas? Será que os Tribunais estão sendo indenizados por favorecer sorrateiramente a “legalização” e “institucionalização” do roubo que os poderosos praticam permanentemente na relação com os trabalhadores e trabalhadoras?

Que vergonha! Que cinismo! Que farisaísmo! Esses Tribunais estão dando um pontapé - perverso e cruel - no rosto dos trabalhadores e trabalhadoras que ganham o salário mínimo (e muitas vezes, nem isso) ou estão desempregados e desempregadas, passando fome.

O Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, em outubro de 2022, apontou - somente no Brasil - 33,1 milhões de pessoas em situação de fome.
Pouco importa saber se há alguma brecha que possa justificar legalmente o crime desses Tribunais e Ministério Público. Independentemente de sua “legalidade” ou não, trata-se de uma imoralidade pública hipócrita e repugnante.

Como podemos acreditar na justiça de juízes e desembargadores, que fazem de tudo para legalizar e institucionalizar tamanha imoralidade? Com certeza, eles não estão preocupados com a questão dos Direitos Humanos e do cuidado para com a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum.

Deixo uma advertência: com a chamada “verba indenizatória” - legalizada e institucionalizada - juízes, desembargadores e promotores poderão ludibriar da justiça humana, mas não conseguirão ludibriar da justiça divina.

Termino com uma pergunta para a nossa reflexão: no mundo de hoje e, de modo particular, no Brasil - onde existem tantos trabalhadores e trabalhadoras, irmãos e irmãs nossos, passando fome - é justo, é ético (ou, moral), é humano, é cristão ganhar um salário mensal de mais de 100 mil reais?

S. Tomás de Aquino - no seu tempo - já dizia que “ninguém tem direito ao supérfluo, enquanto o outro (ou a outra) não tem o necessário”.

Graças a Deus, a Esperança nunca morre e o Amor nunca poderá se apagado. “As águas da torrente jamais poderão apagar o Amor, nem os rios afogá-lo. Quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o Amor... seria tratado com desprezo” (Ct 8,7).

“Amemo-nos uns aos outros, pois o Amor vem de Deus. E todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama, não conhece a Deus, porque Deus é Amor” (1Jo 4,7-8).


Frei Marcos Sassatelli é frade dominicano e teólogo.

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