Correio da Cidadania

Quem abocanha mais dinheiro do Ministério da Educação?

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Semana passada, nesta coluna, escrevi sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada por uma comissão de aliados dos empresários Lemann, da Natura, Santander, Votorantim, Carioca Engenharia, Instituto Airton Senna, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Fundação Roberto Marinho, Fundação SM e Itaú BBA. Como diria meu pai, todas capacitadas para procurar dinheiro público.

Esses senhores, desde 2002, prevendo um governo do PT em 2003, se uniram no Movimento pela Base, para disputar a reforma educacional e aprovar um ensino que desse a empresários que fabricam de cerveja a escola a chance de abocanhar os recursos da educação pública. Onde tiver lucro, esses empresários estarão lá para levar uma boa parte sem muito esforço.

O Ministro da Educação, Camilo Santana, parece não ver impedimento nesse caminho para a BNCC, porque seria científica. Ouso dizer que a tese de que “é científico” não nos ajuda a aceitar a BNCC. É por isso que retomo o tema da BNCC. Se científico for o adjetivo para essa BNCC, há que se discutir as ciências. Algo ocorreu com elas e não foi para melhor.

Primeiro lugar: não há nenhuma defesa científica da “nova” BNCC empresarial

A BNCC para quem a leu ou acompanha o debate é produto do golpe de 2016. O ministro da educação de Temer, Mendonça, retomou-a em 2017 um projeto que estava circulando no congresso desde 2014.

Entretanto, em 2013, uma viagem aos EUA ao evento de Liderando Reformas Educacionais e Fortalecendo o Brasil para o século 21, organizado pela Universidade de Yale em parceria com a Fundação Lemann, mostra que essa BNCC estava modelada pelos senhores do dinheiro e da vida neoliberal. A Fundação Lemann, criada em 2002, ao lado da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial (BM) se juntaram para “trazer” do estrangeiro imperialista, uma BNCC fraturada.

Dê-se o destaque ao deputado do PDT do Paraná, à época, Alex Canziani, presidente da Frente Parlamentar da Educação e integrante do Movimento pela Base. Este deputado, aliado do empresariado, declarou que o objetivo do evento era conhecer as “vantagens da unificação do currículo escolar” e dos programas instrucionais de inspiração comportamentalista, vendidos, hoje, pela Editora Pearson. As vantagens eram todas de empresas ligadas a aplicativos e testes. A BNCC vem com o pacote de vendas.

Não há artigos científicos que sustentem essa BNCC. Há dissertações e até agora elenquei uma tese de doutorado em linguística que discute o empreendedorismo na educação, de Shayane França. Todos os trabalhos científicos atestam a pauperização da BNCC e geram uma educação falida como foi a dos EUA da década de 1980.

Repito: se alguém do Ministério da Educação insiste que essa BNCC tem respaldo das ciências, precisamos urgentemente debater de que ciências estão falando.

A BNCC é um amontoado de interesses ideológicos neoliberais inspirada no documento “Uma nação em risco”, de 1983

Os grupos empresariais e seus deputados aliados, à época do PSDB, inspiraram-se no documento Uma Nação em risco. Esse documento está discutido na tese de doutorado do professor Remo Bastos, NO PROFIT LEFT BEHIND: os efeitos da economia política global sobre a Educação Básica Pública, do Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2017. Aqui temos todas as estratégias do empresariado brasileiro.

A BNCC, prevista na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e bases da educação – LDB (BRASIL, 1996), regulamenta o padrão mínimo de qualidade da educação pública nacional. Importante conhecer o contexto de sua aprovação. Foi em 2016, ano em que tivemos a PEC 241/2016, que congelou, por 20 anos, os recursos da educação pública, desde a construção de prédios escolares até o congelamento de concursos públicos por quase duas décadas, sem falar do congelamento dos salários desde 2015, pelo menos no Paraná.

Ainda no Paraná do governo Rato Jr., a militarização das escolas públicas se impôs no lugar dos profissionais da educação. No espaço dos especialistas em ensino, grupo de militares aposentados ou dispensados de seus serviços sentam-se nas direções de escolas sem anuência dos docentes para dar às crianças e jovens uma educação militar.

Estes “novos” dirigentes das escolas não têm formação específica para o ensino porque a BNCC não trata de educação e, sim, de testes, de aplicativos e de bonificações.

Nos EUA e podemos afirmar que também no Brasil, essa BNCC apenas atende o lucro dos empresários. Não dará certo como não deu nos EUA. Nos EUA foram alijados das escolas, os indígenas, os negros, os pobres. Não funcionou. Além disso, professores e professoras foram perseguidos(as) e desqualificados(as).

Professores(as) saem do cenário educacional para dar lugar a um amontoado de profissionais sem nenhuma capacitação pedagógica séria

A primeira consequência séria aos estudantes com a BNCC é a diluição da profissão de professor(a). Como as disciplinas obrigatórias são duas, Português e Matemática, as outras serão dadas se houver professores e escolas.

Voltam os antigos modelos. As escolas podem chamar cozinheiros, médicos, farmacêuticos e mesmo militares à escola “explicar como se chama o buraco da agulha da injeção na pele”. Se as aulas forem dadas pelo método online é bem possível que sejam utilizadas sem o pagamento das aulas posteriores e se repitam ad nauseum.

No Paraná, a vedete do momento é a disciplina de Educação Financeira. Os conteúdos da disciplina foram copiados do livro de T. Harv Eker, “Os segredos da mente milionária”.

O site Plural, de Curitiba, apurou que o livro de Eker, publicado em 2006, foi usado pela Secretaria de Educação para ideologizar a disciplina. Eker acredita que podemos ter uma mente rica ou uma mente pobre. É a ideologia do individualismo em que se acredita em “eu posso”, “eu quero”. Quem faz esse pobre material didático ou, na verdade, antididático? São, conforme o Sindicato de professores(as) das escolas públicas do Paraná, palestrantes de escolas privadas e coachs. Ganham dinheiro do contribuinte nas escolas públicas trazendo a ideologia do self made man.

Outra disciplina paupérrima no ensino médio paranaense é a disciplina Projeto de Vida. Os conteúdos são as lições neoliberais escritas por coachs. A disciplina Filosofia foi suicidada quando inseriram Liderança e Ética, duas dimensões que não se casam em uma filosofia séria.

Aqui aquela máxima que sempre ressaltei na educação trapaceada: fala-se de conteúdos sem respaldo histórico, sem respaldo educacional; da educação que em todo lugar há sempre alguém repetindo. A pedagogia do papagaio. Ou como está na página do sindicato, Apocalipse Coach.

A superficialidade se aplica às disciplinas. As questões do ensino não passam por criar gerações com “mente” rica, mas com capacidade para compreender o tipo de vida que queremos viver. Queremos viver como falsos líderes que acreditam ser milionários mesmo não sendo? Queremos falsos profetas que lidam apenas com uma visão das realidades? Por que proibir a tolerância às diferentes visões de mundo e acreditar que a caça à riqueza – diga-se de passagem, que somente ricos fazem – é a única vantagem da humanidade? A solução para a democracia é mais democracia.

Até agora, o Ministério da Educação não se pronunciou àquilo que é produto do impedimento da presidenta Dilma. Não se pronunciou aos valores da educação pública. As parcerias com esses institutos desqualificam o governo Lula que nós apoiamos. Seis anos de destruição, deboche e estratégias para drenar os recursos do Ministério da Educação. Os rentistas são a medida deles mesmo. E as novas gerações são a medida da humanidade, cultura e educação que teremos de reconstruir. Não à BNCC chula e autoritária. Não nos serve numa democracia.

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