O que o Censo revela sobre a questão da moradia
- Detalhes
- José Eustáquio Diniz Alves
- 04/08/2023
O censo demográfico de 2022, levado a campo pelo IBGE, indicou um pequeno crescimento da população e um grande crescimento dos domicílios. A população brasileira era de 190.755.799 habitantes em 2010 e passou para 203.062.512 habitantes em 2022. Um aumento de 12.306.713 habitantes, representando 6,5% em 12 anos ou 0,52% ao ano.
Já o número de domicílios era de 67.569.688 unidades em 2010 e passou para 90.688.021 unidades em 2022. Um aumento de 23.118.333 domicílios entre 2010 e 2022, representando 34,2% nos 12 anos e 2,5% ao ano no período intercensitário. Portanto, o crescimento do número de domicílios foi quase o dobro do número de habitantes. Para cada novo habitante foram acrescentadas quase duas unidades habitacionais. No total de domicílios, havia 2,8 habitantes por moradia em 2010 e este número caiu para 2,2 habitante/moradia em 2022.
A Fundação João Pinheiro (FJP), de Belo Horizonte, utiliza uma metodologia de cálculo do déficit habitacional no Brasil que é bastante difundida no país. Segundo a FJP, o déficit habitacional é composto por três grandes componentes: Habitação Precária, Coabitação e Ônus Excessivo com o Aluguel Urbano.
Os dois primeiros componentes ainda são compostos por subcomponentes. A Habitação Precária é a soma de: (a) Domicílios Rústicos e (b) Domicílios Improvisados. Enquanto a Coabitação é composta por: (a) Habitação do tipo cômodos e (b) as Unidades Conviventes Déficit (UCD).
A tabela abaixo (FJP, 2022), mostra que o déficit habitacional no Brasil ficou em torno de 6 milhões de unidades entre 2016 e 2019, sendo que a coabitação respondia por algo como 1,4 milhão a 1,6 milhão de unidades, a habitação precária respondia por pouco menos de 1,5 milhão de unidades e o “ônus excessivo de aluguel urbano” respondia por cerca de 3 milhões de unidades.
Ou seja, os últimos dados da FJP mostram que o Brasil tem um déficit de cerca de 6 milhões de unidades habitacionais. É um número bastante elevado, mas muito inferior ao número de domicílios particulares permanentes não ocupados.
O gráfico abaixo, da apresentação dos primeiros resultados do censo 2022 do IBGE (28/06/2023), mostra que o número de domicílios particulares permanentes não ocupados era de 10.033.059 unidades em 2010 e passou para 18.072.823 unidades em 2023, um incremento de 80% no período intercensitário. Em 2010, havia 6.097.778 domicílios vagos e 3.933.271 domicílios de uso ocasional. Em 2022, os números passaram para 11.397.889 domicílios vagos e 6.672.912 domicílios de uso ocasional.
Isto quer dizer que somente os domicílios vagos em 2022 são quase duas vezes maiores do que o déficit habitacional brasileiro calculado pela Fundação João Pinheiro. A quantidade de domicílios de uso ocasional supera todo o déficit habitacional. Considerando o total de domicílios particulares permanentes não ocupados (vagos + uso ocasional) o valor de 18 milhões é 3 vezes maior do que o déficit habitacional.
Esta realidade nacional se reproduz nas Regiões e nas Unidades da Federação (UF). A tabela abaixo mostra o total do número absoluto de domicílios particulares permanentes, o número de domicílios ocupados e o número dos domicílios não ocupados, além de apresentar o crescimento entre 2010 e 2022.
Nota-se que o crescimento do total de domicílios foi menor na Região Sudeste e foi maior nas Regiões Norte e Centro-Oeste (aquelas que também mais cresceram em termos populacionais). O crescimento dos domicílios ocupados ficou abaixo da média nacional no Sudeste. Ficou no mesmo valor nacional na Região Nordeste e ficou maior do que a média nacional nas regiões Sul, Norte e Centro-Oeste.
Os domicílios não ocupados foram os que mais cresceram. Mas nas regiões Sudeste e Sul os domicílios não ocupados cresceram abaixo da média nacional e nas demais regiões cresceram acima da média nacional. A região Nordeste, que teve o menor crescimento populacional, apresentou o maior incremento de domicílios não ocupados. Este fato seria coerente com uma maior emigração da região.
Mas a região Centro-Oeste, que foi a região de maior crescimento populacional, também teve elevadíssimo crescimento dos domicílios não ocupados. Ou seja, a região Centro-Oeste teve um crescimento acima da média nacional em todos os componentes: na população, nos domicílios totais, nos domicílios ocupados e nos domicílios não ocupados.
Rondônia, Amapá, Amazonas e o Distrito Federal foram as UFs com maior crescimento do número de domicílios não ocupados entre 2010 e 2022. Espírito Santo e Roraima tiveram os menores crescimentos.
Portanto, o crescimento dos domicílios não ocupados foi um fenômeno generalizado, aumentando nas regiões mais ricas e também nas regiões mais pobres; também aumentou nas regiões com menor crescimento populacional e nas regiões com maior crescimento populacional; assim com aumentou nas regiões de emigração e de imigração.
Nacionalmente, o total de domicílios particulares permanentes não ocupados (vagos + uso ocasional) supera em 3 vezes o montante do déficit habitacional. E esta realidade se reproduz nas Regiões e nas Unidades da Federação.
Isto levanta várias questões, tais como:
1) É preciso construir novas unidades habitacionais (como aquelas de 15 m2 de Campinas)?
2) O problema do déficit habitacional é a falta de domicílios ou má distribuição das moradias?
3) Por que não fazer políticas de aluguel social para acabar com o déficit?
4) Por que não usar a política fiscal para aumentar IPTU para os domicílios não ocupados?
5) O Brasil pode continuar desperdiçando o potencial de 18 milhões de moradias?
6) O Brasil precisa de uma reforma urbana?
Algumas destas questões estão respondidas na bibliografia abaixo, mas o censo demográfico 2022 coloca novos dados que precisam ser considerados nas políticas públicas de habitação.
Referências:
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), maio de 2022. (Colaboração de Francisco Galiza). Acesso gratuito em: https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf
ALVES, J. E. D. As características dos domicílios brasileiros entre 1960 e 2000. Textos para Discussão, n. 10, Rio de Janeiro, ENCE/IBGE, 2004. Disponível em: http://www.ence.ibge.gov.br/textodiscussão/textodiscussao.html
ALVES, J. E. D., CAVENAGHI, S. M. Família e domicílio no cálculo do déficit habitacional no Brasil. In: XI Encontro Nacional da ANPUR, 2005, Salvador. Anais do XI Encontro Nacional da ANPUR. Salvador : ANPUR, 2005.
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ALVES, J. E. D., CAVENAGHI, Suzana Mensuración del déficit y de la demanda habitacional a partir de los censos de Brasil. Notas de Población (Impresa). Santiago do Chile, v.93, p.25 – 50, 2011. http://www.eclac.cl/publicaciones/xml/9/45549/lcg2509-P_7.pdf
ALVES, J. E. D., CAVENAGHI, Suzana. As mudanças nos questionários do censo demográfico 2010 do IBGE – Impactos no cálculo das metodologias do déficit e da demanda habitacional no Brasil In: Demanda Habitacional no Brasil.1 ed. Brasília : CEF, 2011, v.1, p. 91-97.
http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/habita/documentos_gerais/demanda_habitacional.pdf
ALVES, J. E. D., CAVENAGHI, Suzana. Tendências demográficas, dos domicílios e das famílias no Brasil. Aparte – Inclusão Social em Debate, IE/UFRJ, RJ, 26/08/2012 http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/tendencias_demograficas_e_de_familia_24ago12.pdf
IBGE. Primeiros resultados: população e domicílios, 28/06/2023
https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/
FJP. Déficit habitacional no Brasil por cor ou raça 2016-2019 / Fundação João Pinheiro, Diretoria de Estatística e Informações. – Belo Horizonte, 2022.
https://drive.google.com/file/d/1nJBhqFcDLKbrGxS-BlBcn73UEtJkl-B5/view?pli=1
José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia.
Publicado originalmente em Ecodebate.
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