O maior sistema de saúde pública do mundo precisa de recursos
- Detalhes
- Lenir Santos e Francisco Funcia
- 20/10/2023
Deputado Zeca Dirceu (PT-PR), autor do PLP 136, que visa compensar estados e municípios por perdas de arrecadação em combustíveis e
diminui piso mínimo da Saúde | Câmara dos Deputados
Gostamos de dizer que o Brasil tem o maior sistema de saúde público do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS). Arfamos o peito e expiramos exclamações. Mas precisamos melhor qualificar essa expressão para dizer de que sistema queremos falar. De um sistema adequadamente financiado, que atende as necessidades das pessoas em sua integralidade, ainda que com a devida sobriedade, racionalidade que todos os sistemas devem ter, com recursos adequados e suficientes para esse fim? Se falarmos em financiamento, perdemos para muitos países.
Dia 4 de outubro de 2023, véspera do aniversário de 35 anos da Constituição Federal (a Constituição-Cidadã), foi aprovado no Congresso Nacional o PLP 136, que reduz (por volta de 18 bilhões) os recursos mínimos para o SUS neste ano de 2023. No mesmo dia, foi aprovado o relatório da venda do sangue na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, além de tramitar também no Senado Federal a proposta legislativa que poderá aumentar o uso de venenos na agricultura, com graves prejuízos para a saúde humana e animal, conforme alerta da Fiocruz. Todas essas medidas têm implicações com a garantia do direito à saúde. Presentes de 35 anos da Constituição e do SUS, que nasceu em 5 de outubro de 1988.
No tocante ao PLP 136, trata-se de medida restritiva ao orçamento da saúde para o ano de 2023, que prejudica fundamentalmente a população, dificultando a oferta de serviços suficientes e qualitativos, agravando especialmente a situação dos municípios, onde todos residem.
É oportuno destacar que cerca de 2/3 dos recursos federais são transferidos para estados e municípios aplicarem na saúde. O art. 15 do PLP 136 foi inserido no texto que trata das compensações das perdas de receitas dos estados e municípios para mitigá-las, contraditoriamente, restringiu recursos para o SUS no ano de 2023 e, consequentemente, impacta negativamente as transferências federais para o financiamento adequado e suficiente do SUS, com graves prejuízos para a sua sustentabilidade.
Países que de fato financiam satisfatoriamente os seus sistemas de saúde, como Reino Unido, Canadá, Itália, Espanha, como exemplos, aplicam na saúde pública universalizada minimamente acima de 6% do PIB (vide Tabela).
Fonte: ABrES e UFRJ/IE/GESP (2022). Disponível em https://www.ie.ufrj.br/images/IE/grupos/GESP/gespnota2022_ABRES%20(2).pdf
O Brasil, que fez a opção constitucional de reconhecer saúde como direito de todos e dever do Estado, nunca a financiou adequadamente, tanto que, comparativamente, o SUS de mais de 203 milhões de brasileiros tem recursos equivalentes a cerca de 4% do PIB, menor que os serviços privados de saúde que atendem menos de 50 milhões de pessoas, aplicando 5,6% do PIB.
A clareza do subfinanciamento da saúde é gritante. Grita todos os dias na vida das pessoas, que nos últimos anos tiveram dificuldades para tratamento adequado de doenças como câncer, ou que tiveram cirurgias postergadas, além das consultas de especialidades em filas de espera para além do razoável, dentre muitas outras mazelas sanitárias cometidas inclusive em tempos de pandemia.
Nunca é demais lembrar que a EC 95 retirou do SUS mais de 70 bilhões de 2018 a 2022, o que trouxe um impacto negativo considerável na garantia do direito à saúde, corroído dia a dia com a falta de recursos, o que agrava a judicialização, que nem sempre promove equidade, afora os demais fatos como o envelhecimento populacional, as inovações tecnológicas e outros aspectos que elevam os custos da saúde.
O saudoso Dr. Adib Jatene, em uma reunião de transição presidencial (Lula-Dilma), afirmou que não acreditava em nenhuma promessa governamental sobre melhoria do SUS, sem previsão concreta de recursos suficientes para o seu financiamento, na ordem de 7% do PIB, ainda que escalonado no tempo, por ser impossível manter um sistema de saúde de qualidade com 3 a 4% do PIB.
De fato, qualquer promessa que não esteja acompanhada de atos que aumentem gradativamente os recursos da saúde para atingir minimamente 6% do PIB num prazo razoável (conforme uma das diretrizes aprovadas neste ano pela 17ª. Conferência Nacional de Saúde), será mera retórica destinada a sustentar tão somente exclamações desprovidas de realidade.
Na verdade, o atual governo deu demonstração desse compromisso de garantir mais recursos federais para o SUS, antes mesmo de tomar posse, ao articular politicamente em dezembro de 2022, junto ao Congresso Nacional, o aumento de R$ 20 bilhões para o Ministério da Saúde no Projeto de Lei Orçamentária de 2023, bem como outras medidas adotadas depois da posse em janeiro de 2023, como por exemplo, não computar para apuração do cumprimento do piso federal do SUS, as despesas com o pagamento do piso da enfermagem, bem como o fim da vigência da EC 95. A continuidade desse compromisso é a expectativa daqueles que têm lutado diuturnamente contra o desfinanciamento e subfinanciamento do SUS, e por isso causou estranheza o citado artigo 15 do PLP 136 aprovado pelo Congresso Nacional: interrompeu o esforço concreto citado anteriormente do atual governo para garantir ainda mais recursos federais para o SUS no ano de 2023.
Mas, se o subfinanciamento da saúde persistir, seria bom mudar as exclamações para dizer que o Brasil tem o maior sistema público de saúde do mundo com um dos menores financiamento, que o torna insustentável.
Saúde não é gasto! Saúde é Investimento – é isso que o Presidente Lula tem manifestado insistentemente desde antes de assumir seu terceiro mandato como Presidente da República neste ano. Compete, portanto, à área econômica conciliar metas fiscais com metas sociais e conduzir uma política econômica que cumpra o artigo 196 da Constituição Federal: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Lenir Santos é advogada, doutora em saúde coletiva pela Unicamp, professora colaboradora da Unicamp, e presidente do Idisa – Instituto de Direito Sanitário Aplicado.
Francisco R. Funcia é economista e mestre em Economia Política (PUC-SP), doutor em Administração (USCS), professor dos cursos de Economia e Medicina da USCS e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES)/gestão 2022-2024.
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