Correio da Cidadania

E a saúde mental dos policiais, como é que fica?

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Atenção: este texto trata de saúde mental e pensamentos suicidas – que podem gerar gatilhos. Caso você não esteja bem e precise conversar com alguém, recomenda-se entrar em contato com o Centro de Valorização à Vida (CVV), que funciona 24 horas e pode ser acionado através do telefone 188 (ligação gratuita) ou neste site. Você ainda pode buscar uma unidade de saúde mais próxima da sua casa por meio do Mapa da Saúde Mental.

Antes de começar este texto sobre suicídio e saúde mental de policiais, um recado pouco simpático para a turma do “ah, policial tem que morrer mesmo” e suas variantes. Se você defende os direitos humanos, eles deveriam ser para todos, não? Se é só para quem você defende ou considera humano, não te faz muito diferente da extrema-direita quando diz que bandido bom é bandido morto. Dito isso, vamos aos fatos.

Em reportagem exclusiva publicada essa semana, nossa repórter Jennifer Mendonça trouxe números de 2023 levantados pela Polícia Militar de São Paulo sobre as causas de mortes de policiais. E, ao contrário do que você pode imaginar, não é homicídio em serviço que mais matou os PMs paulistas, mas mortes de causas naturais e por suicídio, ocupando o primeiro e segundo lugar da lista, respectivamente. Esta última tem feito duas vezes mais vítimas que os homicídios.

Apesar do secretário de segurança pública, Guilherme Derrite, afirmar que os números de suicídios caíram, a própria corporação desmente seu chefe, o qual adora dizer que a imprensa não fala das mortes de policiais quando ele mesmo, além de não trazer os dados corretos, não está fazendo muita coisa para dar melhores condições aos seus comandados.

Em qualquer profissão, a melhora das condições de trabalho também passa por cuidados com a saúde mental e a construção de um ambiente de trabalho saudável para seus colaboradores. Em uma instituição cuja masculinidade tóxica faz parte de seu DNA, depressão, ansiedade e outros transtornos podem ser motivo de assédio moral, afinal esse tipo de “coisa” pode ser visto como fraqueza.

No ano passado, contamos a história da escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais, Rafaela Drumond, que tirou sua vida aos 31 anos após sofrer assédio moral e sexual, além de sobrecarga de trabalho e exaustão. Em 2021, trouxemos o caso do PM paulista Leandro Prior, que saiu da corporação depois de sofrer perseguições e ameaças por parte de seus colegas. Uma imagem de um selinho entre ele e um colega foi o estopim para esse assédio, que culminou em depressão e ansiedade.

Em 2022, o PM de Minas Gerais Anderson César estava internado em uma clínica psiquiátrica após desenvolver depressão severa. O gatilho da doença foi o episódio de agressão e racismo sofrido por ele, um homem negro, ao passear com sua filha, uma menina branca. Os agressores eram policiais também, mas quem foi processado foi Anderson, acusado de desacato e resistência. Por conta de sua internação, Anderson também foi processado por deserção e teve o plano de saúde de sua filha suspenso. A menina também ficou com sequelas psicológicas com o episódio de agressão.

Entre os anos de 2019 e 2020, a Ponte trouxe levantamentos sobre essa temática. Um estudo demonstrou que três em cada quatro agentes penitenciários tiveram sua saúde mental prejudicada em meio à pandemia da covid-19, enquanto outro, sobre suicídio de policiais, identificou aumento de 140% nos casos de 2017 para 2018. Casos de brigas e disparos entre policiais dentro de quartéis por conta de questões como escalas e folgas também revelam como as condições de trabalho afetam as relações entre colegas. E não podemos esquecer os casos de surtos em que PMs armados fizeram reféns.

Como você pode ver, o cenário do cuidado da saúde mental de policiais não é novo e não tem passado despercebido pela Ponte Jornalismo, ainda que tenhamos nossas críticas à atuação da Polícia Militar. Entretanto, é um tema que tem sido solenemente ignorado por comandantes, secretários e governadores ao longo dos anos, sem que protocolos nem mesmo discussões sejam feitas dentro da instituição. Ao longo do primeiro ano de governo Tarcísio de Freitas em São Paulo, a cúpula do Estado tem se preocupado mais em realizar operações de vingança nas periferias do que cuidar da saúde mental dos policiais.

Provavelmente, se questionado, o secretário Derrite vai dizer que a imprensa mente sobre os números ou vai minimizá-los dizendo que são casos isolados. Ou fará como um usuário do Instagram, que disse em uma postagem da Ponte sobre a reportagem: “ah, mas os homicídios de policiais diminuíram”. Ou seja, a ideia é que está tudo bem que se suicidem, o importante é que não sejam mortos por criminosos.

Jéssica Santos é jornalista e editora da Ponte Jornalismo, onde este artigo foi originalmente publicado.

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