Correio da Cidadania

‘Revisão da revisão’: ajustes em uma lei inaplicável podem piorá-la

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A revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo pode passar por ajustes, como indica o Projeto de Lei PL 399/2024 – é o que esperam os vereadores impulsionados pela liderança do governo municipal na Câmara Municipal de São Paulo. A decisão ocorreu após os técnicos da prefeitura de São Paulo identificarem erros na revisão da Lei do Zoneamento, aprovada no início de 2024, que decorreu de um processo atropelado e controverso na Câmara Municipal. Trata-se de uma lei inaplicável, como nós do LabCidade já havíamos avaliado em janeiro deste ano.

A Lei do Zoneamento (Lei nº 18.081/2024) — aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo e sancionada com vetos pelo prefeito Ricardo Nunes — tem uma quantidade significativa de erros: desde a delimitação de zonas que se sobrepõem e que, portanto, não é possível saber qual regra que está valendo, até zonas que nem estavam demarcadas e sem determinação de uso. Além disso, em uma redação pela “excepcionalização da excepcionalização” existem artigos ilegíveis em função de tantas camadas de referências a leis e decretos.

E agora, com a Câmara Municipal querendo fazer mais uma revisão dessa lei que foi aprovada após um processo que levou aos próprios erros identificados, surge o questionamento: o que esperar deste novo processo de revisão que pode provocar mudanças no meio do caminho, tornando tudo ainda mais confuso?

Com o calendário eleitoral municipal marcado para o segundo semestre deste ano, o tempo necessário para a discussão e a aprovação dessa lei é quase inexistente – o que contrapõe a ideia de elaborar uma revisão com muita calma e, ainda, repete o processo anterior, de onde surgiu um texto inaplicável. Assim, a tentativa de consertar essa lei atropeladamente vai tornar a situação ainda pior, além de abrir espaço para que a aplicação do zoneamento seja feita por meio de decretos – tentando explicar e operacionalizar as definições não claras o suficiente para serem autoaplicáveis – e que surgem como outro pacote de absurdos.

Basta ver a questão das áreas de vulnerabilidade ambiental. Aqui lembremos que durante o processo de discussão da revisão do Plano Diretor e do Zoneamento da cidade de São Paulo, surgiu um grande debate em torno da exclusão de áreas com algum nível de vulnerabilidade ambiental – por exemplo, áreas de proteção permanente, áreas com nascentes, áreas de planície aluvial sujeita a alagamento, cabeceiras de drenagem, áreas sujeitas a escorregamento – das zonas com os maiores potenciais de construção, como as ZEUs.

Identificadas as vulnerabilidades ou especificidades, essas áreas não deveriam ser objetos de ocupação mais intensa. As equipes técnicas da prefeitura fizeram, então, um esforço de mobilização da Carta Geotécnica e demais documentos para demarcar com precisão onde se encontram estas situações.

Mas para nossa surpresa, a prefeitura editou o Decreto Nº 63.423, de 21 de maio de 2024 — em que, por um lado, atualizou a Carta Geotécnica para demarcar exatamente onde ocorriam essas áreas delicadas e onde isso não se aplicaria. Porém, neste mesmo decreto foi inserido um “jabuti” que torna esta proibição totalmente inócua, já que permite que basta apresentar projetos de mitigação destas situações assinados por ART – que é a responsabilidade técnica atribuída aos engenheiros e arquitetos – para poder, sim, ocupar estas áreas com adensamento construtivo máximo. Na prática, exatamente na contramão das questões impostas pelas mudanças climáticas e as necessárias estratégias de seu enfrentamento no campo do modelo de cidade, em São Paulo a prefeitura libera geral...

Ou seja, desmonta o conteúdo que foi aprovado e discutido no processo de debate. Como diz o dito popular, “o diabo mora nos detalhes”. Imaginemos, então, as rebimbocas das parafusetas que serão inventadas na Câmara Municipal, os pequenos detalhes de correção que virão por aí nesta revisão da revisão.

Raquel Rolnik é professora na FAU-USP e coordenadora do LabCidade.

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