Correio da Cidadania

AVE: minha experiência

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De tanto me esforçar, finalmente consegui ter um Acidente Vascular Encefálico, nome mais abrangente do que o antigo e mais conhecido AVC. Não fiz os exercícios que qualquer um deve fazer, exceto o de correr atrás dos ônibus; comi todos os churrascos e feijoadas que me tentaram; fui a todos os eventos fora da hora do trabalho que me pareciam interessantes; envolvi-me em calorosos debates em defesa do conjunto da sociedade, que nunca me nomeou para tal; esqueci de tomar muitos dos remédios receitados para combater o colesterol e outros vilões do sistema; enfim, me esforcei para valer.

 

Graças à medicina atual e aos médicos que me atenderam, passei dez dias com muito sofrimento, mas, aparentemente, fiquei sem seqüelas. Os desdobramentos após o AVE que foram valiosos. Por exemplo, o pensamento expresso pelo meu médico, algo como: "Agora, que vida você quer para você? Esta que lhe gerou um AVE ou outra com prioridades melhor escolhidas e um diferente conceito de realizações?" A minha primeira reação foi perguntar: "Mas, não seria egoísmo não participar de lutas em um país tão cheio de injustiças? O alienado é o medicamente correto?" A sua resposta de pronto foi: "Não, participe da luta que julgar relevante, mas esteja consciente da sua capacidade de mudar o mundo e não fique frustrado com o que conseguir. Se você quiser falar mais sobre este ponto, eu lhe recomendo ter um acompanhamento psicanalítico."

 

Constatações não podem deixar de ser registradas, nem que sejam somente para elucidar fatos. Cada amigo que entrava na UTI dava-me uma alegria grande: não estou só neste mundo! Cheguei até a pensar que, agora, tenho um déficit no balanço de visitações a doentes, pois visitei menos do que fui visitado durante a minha vida. Não sei nem se tenho possibilidade de saldar esta dívida no espaço da minha sobrevida. Teve uma pessoa muito amiga que quase lançou a campanha Paulo Metri 2014 para eu suceder a Dilma. Agradeci muito toda a solidariedade recebida, mas, neste caso específico, apesar de também agradecer, pedi a ela para não se desligar do real.

 

Mas houve uma visita que me deixou surpreso. Foi de um cidadão cujas posições são sempre para empurrar seu partido político para aparecer. Não recrimino quem faz política partidária, até porque já fiz. Porém, a racionalidade social deve estar acima da racionalidade partidária. Pois bem, uma pessoa deste tipo que quis e quer controlar uma entidade da sociedade civil da qual participo, com óbvia reação minha, entrou na UTI dizendo ser solidário comigo neste momento de dificuldade. Não sei de onde, mas arrumei alguma reserva de sociabilidade e agradeci a sua visita, pensando comigo mesmo: "para ele, se eu tivesse morrido, teria sido bem melhor". Ele parece não ter ideal, a não ser o de querer chegar ao poder.

 

Desculpem meu ato pretensioso, mas, se alguém sente culpa com relação ao meu acidente, declaro, para não deixar ninguém com este sentimento, que eu fui o único culpado pelo meu AVE, com minha pouca visão de futuro e a crença na minha imortalidade.

 

Lembrei-me daquele chavão dito por todo consultor econômico que cobra muito caro, sobre as crises trazerem consigo as oportunidades. Pois é, o que aconteceu comigo pode ter sido a oportunidade de trocar uma vida não tão realizadora, pois estava perdido no mar de objetivos meritórios e não meritórios, por outra mais realizadora e mais longa. Posso dar um aviso aos controladores de entidades para eles ficarem com todas que quiserem, pois, além da minha resistência já ser minúscula, ela não existirá mais, até porque não tenho delegação do povo que deveria ser o maior interessado em tolhê-los.

 

Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.

 

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Comentários   

0 #5 AVE: minha experiênciajoao carlos pompeu 29-07-2010 08:57
Saúdo o pleno restabelecimento físico e mental da sua pessoa digna.
Como disse o bruxo portenho:"qualquer destino, por longo e complicado que seja, consta na realidade de um único momento: o momento em que o homem sabe para sempre quem é".
E Schopenhauer que, em passagem famosa,
escreveu:
"que não há ato, que não há pensamento,
que não há doença que não sejam voluntários".
Abraços!
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0 #4 ResistênciaRoger de Sena 29-07-2010 07:33
Caro Paulo, senti falta de teus artigos, antes tão frequentes. Admiro tua resistência e torço para que possas voltar à luta - dentro dos teus novos parâmetros - o mais breve possível.
Um abraço fraterno do leitor e admirador cibernético, Roger de Sena.
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0 #3 SequelasNaaman Sousa de Figuueiredo 28-07-2010 20:43
No dia 25 de junho passado, sofri o que foi diagnosticado como um AVC (após uma série de exames, inclusive tomografia do cérebro). Só que não tive sequelas como é comum se ver em pessoas que sofrem AVC.
O que sobrou prá mim foi apenas uma sombra que apagou minha visão no \"quadrante superior direito do olho esquerdo\".
Sofri um infarto em 2000, por conta de uma luta empreendida contra as \"Bandeiras de Conveniência\", (fui dirigente sindical, a nível internacional) e, tive que abandonar a luta. Hoje, só acompanho de longe, não me envolvo mais diretamente, mas não fujo quando me pedem ajuda
ou aconselhamento.
Enfim, isto foi mais um depoimento que um comentário. Fiquei surpreso ao ler que você, aparentemente, não teve sequelas. Prá quem sempre escutou falar que \"AVC quando não mata, aleija\", foi muito bom saber, que AVC ou AVE, nem sempre significam sequelas.
PS: Estou com 61 anos. Meu infarto foi aos 51. Tomara que a próxima encrenca só aconteça aos 71. Um grande abraço.
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0 #2 Ezio José 28-07-2010 18:13
Um pedreiro ou seu servente vai para o serviço fazendo uso de seu único meio de locomoção: uma bicicleta. No bagageiro (que dizem garupa) carrega apenas algumas ferramentas leves e uma marmita deformada pelos amassos e cheia de arroz, feijão e um ovo frito. Vai pro serviço e volta com essas mesmas bagagens, porém, nesse mesmo serviço ele usa pessadas ferramentas, carrinho para masa e concreto, pás, picareta e outros tantos que ficam no serviço.
Os ditos cultos e donos da vontade de mudar o mundo (só o próprio) levam e trazem toda bagem de seus trabalhos da casa para o serviço e vice verso.
Para um ser continuar saudável, deve se libertar da canga, da mochila e deixar cada coisa, cada objeto de trabalho nos seus devidos lugares, tempo e espaço.
Isto é a solução.
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0 #1 cumprimentosMaria Cristina Zanin Sant Anna 28-07-2010 10:09
Olá Paulo, sou leitora assidua do Correio da Cidadania e após ler seu artigo, resolvi pela primeira vez, fazer um breve comentário. Talvez porque minha sensibilidade anda a flor da pele. De coração para coração, me coloquei no seu lugar e apenas quero expressar que desejo toda felicidade do mundo e que estamos no mesmo barco. FORÇA e UM FORTE ABRAÇO fraterno. Maria Cristina Zanin Sant Anna
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