Após maior greve dos últimos anos, bancários conseguem vitória parcial
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- Gabriel Brito, da Redação
- 18/10/2010
Durou 15 dias a mais recente greve dos bancários, que atingiu mais de 8000 agências de todo o país e contou com adesão tanto dos funcionários dos bancos públicos como também dos privados. Liderado pelo CONTRAF (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro, filiada à CUT), que concentra a grande maioria dos cerca de 470 mil bancários em território nacional, o movimento representou claramente a revolta e o cansaço desses trabalhadores.
Em tempos em que as instituições para as quais trabalham anunciam lucros recordes todos os trimestres, os bancários se levantaram em uníssono não apenas por reajuste salarial (reivindicação que costuma aparecer sozinha no noticiário), mas também pela melhoria de uma série de outras condições de trabalho, exaustivamente denunciadas nos últimos tempos no setor público.
"O resultado da negociação é fruto do tamanho da greve. Fizemos a maior greve dos últimos 20 anos e faremos o melhor acordo desse período, pois a maioria já aprovou as propostas nas assembléias", disse Carlos Cordeiro, presidente da Contraf, após as dezenas de assembléias que ocorreram pelo país na noite de quarta-feira (13/10) e que deram luz verde à aceitação da proposta feita pela Fenaban (Federação Nacional dos Bancos), endossada por Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, e finalmente aceita pelos trabalhadores.
De fato, os resultados obtidos ficaram acima do que as paralisações dos últimos anos tinham alcançado. Se o reajuste não chegou aos desejados 14%, ficando em 7,5% (aumento real de 3,08%), outros direitos que vinham sendo constantemente desrespeitados foram contemplados no acordo com os patrões.
"A categoria também precisa ter um piso melhor para quem começa, plano de carreira, equiparação salarial, a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), tem a questão da rotatividade nos postos de trabalho, banco de horas, coisa pouco falada, mas que tem extrapolado...", enumerou Juvândia Moreira, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, em entrevista ao Correio da Cidadania.
Conforme mostrado pelo Correio em outras matérias, as queixas dos trabalhadores do setor, especialmente aqueles do campo privado, iam muitíssimo além de melhores salários. Denunciavam uma série de situações de humilhação e super-exploração no trabalho, com o assédio moral campeando. Para isso, basta lembrar que os bancos estão entre os setores que mais enviam trabalhadores adoecidos para as filas da previdência social.
"É preciso ressaltar a questão do assédio moral. As pessoas têm relatado muitas humilhações no local de trabalho, com pressão por metas e resultados, já que hoje em dia o bancário se transformou também em vendedor", conta Juvândia, mostrando a face oculta da prosperidade dos bancos brasileiros e estrangeiros que operam aqui, erguida à base da multiplicação de tarefas de seus funcionários sem a proporcional recompensa na folha de pagamento.
Em meio a tanto lucro, ceder um pouquinho não mata
Somente no primeiro semestre de 2010, os 12 maiores bancos brasileiros tiveram lucro líquido de 22 bilhões de reais, sempre em curva ascendente em relação ao ano passado. A título de exemplo, o Itaú/Unibanco atingiu a impressionante marca de R$ 6,4 bi, auspiciosa alta de 39,5% sobre o primeiro semestre de 2009. São taxas de lucro que não se explicam diante do número de demissões na área. Foram 48 mil dispensas e apenas 9 mil contratações nos últimos 18 meses, de acordo com dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).
Tais superávits podem ser em boa parte explicados quando se tem em vista as diversas modalidades de exploração que sofrem os bancários, que contam com o ardil de chefias que priorizam as vendas por telefone ao atendimento pessoal, em flagrante descumprimento de lei que determina limite na demora para o atendimento em caixas pessoais. Quando as queixas da clientela se elevam, aparecem novos atendentes de misteriosas salas internas das milhares de agências espalhadas pelo país.
"Os bancos lucram cada vez mais e não repassam uma parcela justa dessa riqueza a quem a produz", simplifica Juvândia. Tamanho descalabro na relação capital e trabalho só poderia redundar em outra paralisação. E nem com tanta folga em seus balanços os bancos foram dóceis ao negociar. Começaram oferecendo reajuste de apenas 4%, sem tocar em mais nenhuma das diversas exigências dos grevistas.
No entanto, tanta relutância acabou dando errado, e a greve tomou proporções ainda maiores em sua segunda semana, com uma considerável adesão dos funcionários da banca privada. Para algumas instituições, a adesão à greve chegou a duplicar em relação ao seu início, superando 8000 agências na sexta-feira, 8, o que afrouxou a intransigência patronal, a quem muito claramente não faltavam recursos para evitar maiores desgastes políticos com uma onda de paralisações em período eleitoral.
"É a maior valorização dos pisos já conquistada nos últimos anos. Fruto da forte greve da categoria, que está de parabéns pela garra durante todos esses dias de paralisação nacional", destacou Juvândia, ao fim das negociações. Além do reajuste, obteve-se aumento da PLR, que deverá ser de 90% do salário mais o valor fixo de R$ 1.100,80, com teto de R$ 7.181.
"A exemplo do ano passado, a participação dos bancários de bancos privados foi fundamental na mobilização e na greve. E também como ocorreu em 2009, o resultado não é meramente econômico. Há importantes conquistas sociais, como o combate ao assédio moral e avanços no tema da segurança bancária", ressalta Carlos Cordeiro, reiterando que aos bancários não interessava somente alguns reais a mais na conta, mas também condições mais humanizadas de trabalho.
Entretanto, na questão do assédio moral, o avanço conseguido é dúbio. Apesar das alterações conseguidas na Convenção Coletiva de Trabalho, com novas cláusulas de definição e combate ao assédio moral, a adesão por parte de sindicatos e bancos é facultativa, o que torna sua eficácia completamente questionável, ainda que os bancos adorem auto-elogiar sua responsabilidade social em onerosos comerciais de TV.
Para os olhos críticos, o balanço que provavelmente se fará é o do copo meio vazio e meio cheio. Os trabalhadores conseguiram impor algumas exigências urgentes, como a reposição salarial em termos mais reais, o aumento do auxílio-creche e mais inserção de temas como o assédio moral e a participação nos lucros dos bancos.
De outro lado, para as instituições que representam o mais rentável e protegido setor de nossa economia, e cujas projeções de lucros no total da era Lula chegam a 170 bilhões de reais (contra 34,3 bilhões na era FHC), não há o que se lamentar. Foram feitas concessões que não são capazes de ameaçar a prosperidade de seus negócios, e muito menos de fazer frente ao ciclo dos anos anteriores, em que o rebaixamento salarial, as demissões e práticas de exploração tiveram campo livre. A ponto de nos depararmos com esse aumento sem paralelo da lucratividade dos banqueiros, sob a vigência de fortes resquícios da crise financeira mundial e em meio a dois mandatos do ‘pai dos pobres’.
Lucros dos bancos – 1º semestre de 2010
Itaú/Unibanco R$ 6.399 bilhões
Banco do Brasil R$ 5,1 bilhões
Bradesco R$ 4,602 bilhões
Santander R$ 2,02 bilhões
Caixa R$ 1,7 bilhões
Safra R$ 512,2 milhões
HSBC R$ 423 milhões
BMG R$ 352 milhões
Banrisul R$ 305 milhões
BicBanco R$ 178,4
Mercantil do Brasil R$ 120.891 milhões
Paraná Banco R$ 31,8 milhões
Dados reunidos pela Federação dos Bancários do Paraná, em página especial sobre o lucro dos bancos
Confira abaixo a proposta da Fenaban, que também foi levada aos bancários da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, e aceita pelos trabalhadores
Dados: Sindicato dos Bancários.
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Gabriel Brito é jornalista.
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