Crimes do Poder Público contra a vida do povo
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- Frei Marcos Sassatelli
- 17/12/2010
Considerar a política econômica como algo que não pertence à área dos direitos humanos é um crime do Poder Público contra a vida do povo.
"Enquanto Lula tenta escapulir de rótulos ideológicos, a presidenta Dilma assume claramente uma opção pela esquerda. Essa opção tende a se revelar não na política econômica, mas na área de direitos humanos" (Eliane Cantanhêde; Presidenta eleita assume opção clara de esquerda na área de direitos humanos, Folha de S. Paulo, 06/12/10, p. A4). Como se pode separar a política econômica da área de direitos humanos ou, em outras palavras, da ética?
Se o presidente Lula "tenta escapulir de rótulos ideológicos", quer dizer que apóia e defende a ideologia dominante. Aliás, a vitória eleitoral do governo de "esquerda" do Lula no Brasil (e tudo indica que o governo Dilma dará continuidade ao governo Lula), antes de significar "a ascensão do povo" ao poder do Estado, perpetua "sua subordinação" ao "jugo neoliberal".
Na verdade, como aconteceu também em outros países da América Latina, o partido dos "trabalhadores" ascendeu ao poder "para concluir o trabalho que a direita não teria condições (por falta de legitimidade) de acabar" (Cf. Alexander Maximilian Hilsenbech Filho; Governos de "esquerda" e movimentos sociais na América Latina: entre a cooptação e a construção de uma democracia autônoma, Revista Espaço Acadêmico, N. 62, julho 2006). Segundo alguns cientistas sociais, o governo Lula "consolidou" o capitalismo no Brasil.
Por ser o humano um ser histórico, situado e datado, a ideologia é uma mediação necessária. Faz parte da nossa condição humana; não há como não ter ideologia. O importante é que a ideologia seja uma ferramenta a favor da vida ou uma ferramenta libertadora e humanizadora, e não uma ferramenta a favor da morte ou uma ferramenta opressora e desumanizadora.
A área dos direitos humanos integra a política econômica, que é a base material necessária para uma vida digna para todos(as). A defesa e a promoção dos direitos humanos devem acontecer não só nas relações pessoais ou interpessoais, mas também e sobretudo nas relações estruturais (social, econômica, política, ecológica e cultural). A política econômica do sistema capitalista neoliberal, que a nova presidenta quer manter e fortalecer, é uma violação estrutural, silenciosa e permanente dos direitos humanos.
A situação da educação é um outro crime do Poder Público contra a vida do povo. "Sinceramente, não entendo por que mais pessoas não se sentem revoltadas diante das condições da educação pública neste país. Somos uma nação em que cerca de 50% das crianças brasileiras da 5ª série são semi-analfabetas. Dos 3,5 milhões de alunos que ingressam no ensino médio (antigo colegial), apenas 1,8 milhão se formam. (…) Estas estatísticas refletem décadas - ou melhor, centenas de anos - de descaso com a educação" (Jair Ribeiro; Revolução na educação, Folha de S. Paulo, 05/12/10, p. A3).
A avaliação internacional, chamada Pisa e coordenada pela OCDM (Organização de Nações Desenvolvidas), analisou a educação em 65 países e constatou: "Os estudantes brasileiros com 15 anos melhoraram em leitura, ciências e matemática nos últimos 9 anos. Seguem, porém, entre os mais atrasados do mundo. (…) No ranking, o Brasil está na 53ª posição, com nota semelhante à Colômbia e Trinidad e Tobago" (Folha de S. Paulo, 08/12/10, p. C1).
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) sobre a Evolução do Analfabetismo e do Analfabetismo funcional (quem tem menos de quatro anos de estudo) no Brasil - Período 2004-2009 -, realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou: "No Brasil, a taxa de analfabetismo entre pessoas com mais de 15 anos recuou 1,8% no período e hoje é de 9,7% - ou cerca 14 milhões de habitantes que não sabem ler nem escrever" (O Popular, 10/12/10, p. 8).
Segundo os dados, divulgados no dia 9 de dezembro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e que se referem a pessoas com mais de 15 anos de idade, "mesmo com uma queda de 2,1 pontos porcentuais nos índices de analfabetismo em cinco anos, Goiás ainda tinha 384 mil pessoas analfabetas e outras quase 500 mil analfabetas funcionais em 2009" (Ib.).
O aumento (que está na ordem do dia) de 133,96% do salário do presidente da República, de 148,63% do salário do vice-presidente da República e dos ministros de Estado, e de 61,83% do salário dos deputados federais e senadores que, por efeito cascata, provoca automaticamente o aumento do salário dos deputados estaduais, é também um crime do Poder Público contra a vida do povo. O projeto federal de aumento salarial foi aprovado na quarta feira, dia 15 de dezembro.
Com isso, os salários do presidente e vice-presidente da República, dos ministros de Estado e dos deputados federais e senadores passam a ser de R$ 26.723,13. O salário dos parlamentares goianos, que antes era de R$ 12.384,06, passa a ser de R$ 20.042,25.
Além do salário, os deputados goianos têm o direito legal (mas não o direito ético) a R$ 21 mil mensais de verba indenizatória para gastos com viagens, telefonia, escritório, combustíveis etc. Que vergonha! É realmente um pontapé na cara do povo, que ganha um salário de fome.
Poderíamos enumerar uma lista enorme de crimes do Poder Público contra a vida do povo, como, por exemplo, o caos na saúde pública e muitos outros, que o espaço limitado de um artigo não permite.
Os três casos citados são suficientes para mostrar que os crimes do Poder Público contra a vida do povo são uma conseqüência lógica de um "sistema econômico iníquo" (DA - Documento de Aparecida, 385) ou de um "sistema nefasto", porque considera "o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes" (Populorum Progressio, 26).
Em outras palavras, os crimes do Poder Público contra a vida do povo são uma conseqüência lógica de "estruturas de morte" (DA 112) e de "estruturas de pecado" (DA 92, 532) ou "situações de pecado" (DA 95).
Diante desse sistema de competição, de dominação e de exploração, diante de tanta injustiça e iniqüidade, o que fazer? Os movimentos sociais populares e todos aqueles(as) que acreditam que é possível mudar esta realidade precisam se unir, não se deixar cooptar pelo sistema vigente e lutar rumo à vitória de maneira organizada, para que um "mundo novo" aconteça, um mundo de cooperação, de igualdade, de solidariedade e de fraternidade.
Para os cristãos católicos, o Advento é um tempo forte de alegria e de esperança ativa, que - unidas todas as forças sociais que buscam a transformação e a mudança - os leva a ser sujeitos de uma história diferente, de "uma outra história possível".
"O senhor é fiel para sempre, faz justiça aos que são oprimidos; ele dá alimento aos famintos, é o Senhor quem liberta os cativos" (Salmo 146).
Frei Marcos Sassatelli, Frade Dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e membro da Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO, Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia e administrador paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra.
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Comentários
O interessante é que esses \"políticos\" sempre nivelam a coisa por baixo. Quando se trata de seus próprios interesses, logo se mobilizam na calada da noite para faturarem um a mais. Já no caso da Educação, passaram a vender a ideia de que os jovens pobres não alcançam o nível superior porque são negros. As estatísticas apresentadas deixam claro que o problema é a qualidade da educação e não a qualidade do educando. Seja de que cor for, o infante ou o jovem precisam sim é de escolas bem equipadas e professores bem formados e bem pagos, precisam das melhores condições para desenvolverem suas habilidades. O caso da Saúde é idêntico. O SUS ainda não foi implementado em sua plenitude, porque não interessa aos \"políticos\" donos de planos de saúde. Não faltam recursos, faltam gestão qualificada, combate à corrupção e respeito à população.
Votei no Lula nas 2 eleições. Errei. E por perceber o meu erro, não votei na Dillma, que é farinha do mesmo saco.
Ela não está aí para mudar nada, mas sim para manter e perpetuar a espoliação dos bens públicos. O que as pessoas não percebem é que não é o fato de ser uma mulher presidente que vai fazera diferença. Se fosse assim, em muito países africanos não haveria desigualdade ou corrupção, pois a maioria é governada por negros. Um exemplo disso é o Sudão.
Uma saída para tamanho descalabro pode ser a não obrigatoriedade de votar. é preciso criar uma massa crítica em busca de mudanças estruturais e nao maquiagens eleitoreiras.
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