FHC, Lula e os movimentos trabalhistas e sociais
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- Waldemar Rossi
- 22/12/2010
Nos últimos 16 anos, os governos de FHC e Lula trouxeram sérios problemas para os trabalhadores brasileiros. Com a determinação de FHC em arrochar salários do funcionalismo, privatizar as empresas públicas - sobretudo as estratégicas para o país, como CSN, Vale do Rio Doce e tantas outras -, impor mudanças na Constituição, eliminando direitos dos trabalhadores, e governar com mão de ferro, como se fosse o dono do país e patrão do povo, fez com que os índices de desemprego saltassem para mais de 20% da População Economicamente Ativa (PEA). O resultado foi catastrófico, ampliou de tal maneira a miséria no país que nada menos que 72 milhões de brasileiros foram jogados nesse vale da morte. Visando a estabilização do Real, criou tantas dificuldades internas que provocou enorme queda na produção industrial, ao mesmo tempo em que escancarou as portas para a importação. Não teve dúvidas em ampliar o famigerado "superávit primário", arrancando dinheiro do orçamento nas áreas (sociais) da educação e saúde públicas, do saneamento básico, da reforma agrária, dos programas de moradia popular e tantos outros, a fim de saciar a agiotagem dos serviços da Dívida Externa e Interna, recheando ainda mais as burras dos grandes bancos nacionais e internacionais.
A implantação do "Fator Previdenciário" provocou tal queda nos salários dos aposentados que muitos dos que construíram este país, durante mais de 35 anos de trabalhos penosos, passaram também a viver na miséria ou de favores dos familiares. Saúde e educação públicas, pelo incentivo à iniciativa particular e desvios de verbas para o superávit, foram sendo tratadas como meras mercadorias, e não mais direitos inalienáveis do povo.
Somando às medidas de arrocho, as mudanças ocorridas no sistema de produção industrial fizeram com que o alto desemprego jogasse milhões de brasileiros no desespero, pela falta de oportunidade de trabalho e de renda. O empresariado não teve dúvidas em provocar o achatamento dos salários, promovendo grande rotatividade da mão-de-obra, dispensando milhões a cada ano e recontratando outros trabalhadores com salários rebaixados em até dois terços. No ano de 2005, por exemplo, já no governo Lula, a rotatividade do emprego formal foi causadora de mais de quatro milhões de desempregados que, recontratados por outras empresas, tiveram seus novos salários achatados, em média, em 40%, segundo dados do IBGE. Há que se considerar que 2005 foi o ano em que começou a retomada do emprego formal, com a abertura de novos um milhão e cem mil postos de trabalho.
Por conta de tamanha crise (e de outros fatores), percebemos o enfraquecimento das lutas operárias e populares, o que permitiu o ataque do capital sobre os direitos dos trabalhadores. Além do enorme achatamento salarial – inclusive do Salário Mínimo –, FHC ousou introduzir mudanças significativas na Previdência Social, visando acabar com o espírito e as leis da Seguridade Social, introduzidas pela Constituição de 1988. Não teve dúvidas em criar leis que permitissem a precarização do trabalho, como a contratação temporária, a terceirização e outros crimes contra o povo.
Nos primeiros anos do governo Lula (2003 e 2004), o desemprego continuou aumentando, chegando a garantir no trabalho formal apenas 35% dos trabalhadores. Portanto, 65% estiveram no trabalho informal, no trabalho temporário, precarizados ou simplesmente no desemprego.
Lula, contrariando as expectativas dos seus eleitores, deu continuidade à política de FHC, elevou a taxa do superávit primário, elevou a taxa de juros e, para garantir o cumprimento de tantos compromissos financeiros com o capital, retirou dinheiro do orçamento da saúde, da educação, da previdência, dos programas de saneamento básico, da reforma agrária e assim por diante. Para compensar, criou o programa Fome Zero, que não teve continuidade, e colocou em seu lugar o Bolsa Família. Enquanto remeteu cerca de um trilhão de reais para os serviços da dívida, empregou pouco mais de 10% desse total para todas as áreas sociais, favorecendo os grandes banqueiros e demais agiotas. O que é pior ainda, com seus juros estratosféricos, elevou a dívida pública em mais de um trilhão de reais. Em termos comparativos - já que a dívida é do país -, cada brasileiro (195 milhões) está devendo cerca de dez mil reais para os agiotas nacionais e internacionais.
Nesses últimos oito anos temos ouvido e lido muita coisa sobre os "avanços" políticos e sociais no país. Foram milhões de brasileiros que, passando a receber o Bolsa Família, teriam saído da miséria. A própria mídia, inimiga visceral de Lula e do PT, tem dado espaços para tal novidade, porém, sem explicar como pode uma família de três ou quatro pessoas sair da miséria com um "rendimento" entre R$ 60,00 a R$ 90,00, ainda que moradora dos fundões do nordeste abandonado. Sem dúvidas, o grau de sua miséria foi amenizado, não eliminado, e não foi garantida a continuidade dessas migalhas, uma vez que não foram eliminadas as causas que provocam e mantêm tal miséria. Ainda assim, ficamos muito longe da promessa inicial de Lula de garantir ao menos "três refeições em cada lar brasileiro". Segundo os últimos levantamentos, restam ainda cerca de 40 milhões de pessoas que nem mesmo saíram do fundo do poço. Faltou dinheiro para tanto, embora não o tenha faltado para os banqueiros.
A partir de 2005, assistimos a uma modesta retomada do crescimento econômico, que permitiu a reincorporação de boa parcela da população desempregada ao trabalho formal, atingindo hoje os 50% da PEA. O mesmo se deu com uma ligeira recuperação do Salário Mínimo (SM) – que ficou muito longe do prometido em campanha. Isto fez aquecer um pouco mais a economia por conta da maior circulação da moeda distribuída através dos salários. Se roupas e comida foram mais consumidas, o mesmo se deu com as bugigangas criadas pela indústria do consumo. Entretanto, é preciso saber que os salários de mais de 70% dos que trabalham estão abaixo de dois mínimos.
Desses, metade recebe menos de um mínimo mensal. Comparando com o Salário Mínimo de 1959, quem recebe dois está tendo um rendimento que equivale a 1/3 do primeiro. E este fenômeno é resultado direto do nivelamento por baixo do padrão salarial e de vida causado pela criminosa rotatividade da mão-de-obra acima citada: enquanto cresceu a taxa de emprego, o mesmo não se pode dizer dos salários. "Já o rendimento médio dos ocupados não teve a mesma performance. Entre 2004 e 2008, a alta rotatividade da economia brasileira, fruto da flexibilidade de contratação e demissão permitida pela legislação trabalhista e do grande contingente de desempregados, permitiu às empresas a substituição de trabalhadores com maiores rendimentos por novos contratados, com menor salário. Assim, nos últimos 10 anos, houve declínio do rendimento médio, até 2003. No entanto, mesmo com o aumento da ocupação (emprego) nos últimos anos, o rendimento médio real dos ocupados ainda era, em 2009, 15% inferior ao registrado em 1999" (Clemente Gans Lúcio e Patrícia Lino Costa, sociólogo e economista do DIEESE, respectivamente).
Necessário recordar que, além da desmobilização da classe trabalhadora por causa dos efeitos da reestruturação do trabalho, desde antes da eleição de Lula em 2002, movimentos sociais já vinham sendo cooptados, de modo especial a CUT, que vinha direcionando sua política em favor da eleição do atual presidente. Tal cooptação se aprofundou com a nomeação de vários dos seus dirigentes para cargos, financeiramente rentáveis, no governo. Unindo-se à Força Sindical pró-patronal, conseguiram a cooptação de outros movimentos sociais e, com isto, promoveram a desmobilização popular. Foi um atraso de muitos anos e que tende à continuidade.
Apesar de todas essas adversidades, a classe trabalhadora vem, aos poucos, reagindo, apesar do abandono e traição das entidades de classe que deveriam ser seus guias. Se no ano de 2009 as greves já haviam adquirido certo impulso, neste ano de 2010 foram além do esperado. Movimentos grevistas explodiram pelo Brasil afora, apesar do boicote sistemático da mídia em divulgá-las.
Correios, bancários, metalúrgicos, transporte, funcionários da Justiça, construção civil, professores, funcionários da saúde e outros mais. Contribuíram decisivamente para essa mobilização as necessidades dos trabalhadores, a "Rádio Pião" constituída pela pequena imprensa dos sindicatos combativos e pela ação de milhares de militantes classistas às portas e dentro das empresas. Foi essa força da ação coletiva que levou a que inúmeras categorias profissionais conseguissem acordos salariais ligeiramente acima da inflação oficial – nem sempre a verdadeira inflação. Curiosamente, entre os metalúrgicos, a categoria mais politizada, os maiores reajustes se deram fora do ABC (de Lula, Vicentinho e outros famosos dirigentes cutistas). Por que será?
Entre tantos outros dados importantes a serem analisados – que ocuparia muito espaço –, convém destacar que no segundo turno eleitoral nada menos que 27% dos eleitores (32 milhões) negaram seus votos aos dois disputantes, entre eles, 4,5% anularam o voto. Em torno de 20% sequer compareceram às urnas. Sem contar que muita gente votou em Dilma somente para derrotar Serra, caso contrário os votos anulados cresceriam muito. Apesar da popularidade de Lula, parece que a insatisfação popular corre solta.
No próximo artigo pretendemos analisar a herança que Lula deixou para Dilma e os possíveis desdobramentos do seu governo e do movimento social.
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
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