Correio da Cidadania

Uma goleada na cultura esportiva

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Todas as máscaras um dia caem, com o futebol brasileiro não foi diferente. Dia 08/07, semifinais da Copa do mundo de 2014, a Alemanha desmascarou o Brasil em pleno território nacional, mais precisamente no Mineirão, estádio de Belo Horizonte.

 

Achar culpados é sempre a pior saída. Mas as proporções do desastre não devem ser medidas apenas pela inferioridade de nosso time em campo, nem pela ausência de Neymar e de Thiago Silva. E, sim, por uma Confederação que, com o auxílio da grande mídia, prega uma cultura esportiva totalmente deturpada no Brasil, desde a base do futebol até a cabeça dos adultos. Uma cultura de mandinga e comércio.

 

A goleada da Alemanha não mostra apenas como essa seleção foi mal convocada, foi uma goleada em toda a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que prefere o show, o lucro e o espetáculo ao trabalho e ao treino. Uma goleada em toda a cultura imposta pela CBF, que deposita a esperança em jogadores talentosos, mas que não jogam por um time. E por último, uma goleada na nossa grande mídia esportiva e na publicidade nacional, que reforçam a imagem de craques individualizados e, cada vez mais, derrubam o conceito de um time.

 

Nosso futebol está contaminado por uma cultura romântica, heroica e, por que não?, supersticiosa. A começar pelo técnico. Quem disse que Felipão era o melhor nome para essa Copa? Logo após o precoce corte de Mano Menezes, Pep Guardiola, ex-Barcelona e atual Bayern de Munique, disponibilizou-se a treinar a seleção brasileira. A escolha, porém, foi outra. Quem veio? Felipão. Por quê? Claro, porque já que ele ganhou a Copa de 2002, tem tudo para ganhar a de 2014, mesmo em uma fase horrível, sem clube, após rebaixamento com o Palmeiras na época.

 

Nossa seleção é composta por muitos jogadores ótimos, não vou negar a qualidade de Neymar e Thiago Silva, mesmo achando que, com ou sem eles, o Brasil perderia. Mas existem também os jogadores criados. Fred é um bom atacante, mas de nível de Campeonato Brasileiro, não nível de Copa. Ele foi, no entanto, o artilheiro da Copa das Confederações, em 2013. Se ele jogou bem em 2013, tem tudo para jogar bem em 2014. Mais uma vez, a superstição ataca. Fred foi um exemplo mais claro, mas atletas como Bernard, Hulk ou Paulinho são jogadores médios que após viverem bons momentos em campo, foram personificados como supercraques pela grande mídia e pela CBF.

 

Mais um papo criado pela Confederação e reforçado pela mídia: onde já se viu “Família Scolari”? O treinador tem que ser líder, não “paizão”, tem que chamar jogadores em boa fase, não os que ele gosta, o ambiente bom tem de vir após o treinamento, não o contrário. Em 2002, Felipão pode ter cometido alguns erros na convocação, mas ganhou, não porque foi o “paizão”, mas por conta da qualidade do time. Era muito difícil perder uma Copa com Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho, Cafu e Roberto Carlos, todos jogando muito. O ambiente até pode ter contribuído, mas os atletas estavam focados taticamente e todos sabiam o que foram buscar no Japão e na Coreia.

 

Nessa Copa, em 2014, o Brasil pode ter um dos melhores elencos, mas não o melhor time. O ambiente de coleguismo e pouco foco da família Scolari e a seleção Instagram resultou no que vimos em campo. O “rolê Copa do mundo” tomou conta da atmosfera na Granja Comary. Postagens nas redes sociais e questões extracampo ofuscaram os problemas técnicos e táticos.

 

Mas fiquem tranquilos, temos Neymar. Qual é o reflexo dele para o Brasil? A seleção estava totalmente dependente do menino da vila. Enquanto precisávamos apenas de talento para ganhar alguns jogos, como contra Camarões, Colômbia e Croácia, tudo permanecia bem. Contra a Alemanha, perdemos, pois não treinamos como equipe.

 

Este é outro reflexo de Neymar, nossa base não quer treinar, todos os meninos querem ser o futuro craque do Barcelona, buscam méritos individuais. Ninguém abaixa a cabeça e percebe que está num time, todos querem ser estrela com tudo o que o título lhes dá direito: fone legal, um corte de cabelo e uma namorada da TV. É a fábrica de craques da indústria futebolística.

 

Não digo que Neymar faz por querer, pelo contrário, ele não tem culpa de seus reflexos negativos, há muito por trás disso. A CBF que financia seus shows e lucra em cima. Por que vou ter uma base boa se não vão sair heróis? Pensam: é melhor marcar amistosos com seleções pequenas e cobrar ingressos caríssimos para ver os brasileiros driblando do que promover um jogo difícil, em que se pode perder e lucrar menos, pelo bom futebol e não pelo show.

 

A contusão de Neymar evidenciou ainda um despreparo de parte da imprensa esportiva nas análises futebolísticas. Na TV aberta, as discussões sobre o substituto do garoto, a falta de meio campo e o isolamento do centroavante deram lugar às campanhas de #ForçaNeymar e o desespero na criação de um novo herói. Sobrou para David Luiz preencher a capa dos jornais e anúncios publicitários.

 

Neymar pode até salvar uma seleção, mas jogador nenhum consegue salvar uma cultura de empresa no futebol: um calendário ruim e desgastante, uma confederação corrupta, uma imprensa esportiva desentendida do assunto e, por último, uma cultura de futebol que, a cada ano, acredita no nascimento de um novo salvador e, cada vez menos, em atletas que jogam juntos por um time. Há muito o que melhorar se quisermos voltar a ter a melhor seleção do mundo e o melhor futebol do mundo.

 

Enquanto o futebol dependia de talento, éramos os melhores, mas há tempos isso mudou.

 

Vinicius Lima é jornalista da Revista Vaidapé, onde este texto foi originalmente publicado.

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