Correio da Cidadania

Alerta sobre retrocessos sócio-ambientais do governo Dilma

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RETROCESSOS DO GOVERNO NA AGENDA SÓCIO-AMBIENTAL

 

O primeiro ano do governo da presidente Dilma Rousseff foi marcado pelo maior retrocesso da agenda sócio-ambiental desde o final da ditadura militar, invertendo uma tendência de aprimoramento da agenda de desenvolvimento sustentável que vinha sendo implementado ao longo de todos os governos desde 1988, cujo ápice foi a queda do ritmo de desmatamento na Amazônia no governo Lula. Os avanços acumulados nas duas últimas décadas permitiram que o Brasil fosse o primeiro país em desenvolvimento a apresentar metas de redução de emissão de carbono e contribuíram decisivamente para nos colocar numa situação de liderança internacional no plano sócio-ambiental.

 

Ao contrário do anúncio de que a presidente aprofundará as boas políticas sociais do governo anterior, na área sócio-ambiental, contrariando o processo histórico, há uma completa descontinuidade. A flexibilização da legislação, com a negociação para aprovação de um Código Florestal indigno desse nome e a Regulamentação do Artigo 23 da Constituição Federal, através da Lei Complementar 140, recentemente aprovada, são os casos mais graves. A lista de retrocessos inclui ainda a interrupção dos processos de criação de unidades de conservação desde a posse da atual administração, chegando mesmo à inédita redução de várias dessas áreas de preservação na Amazônia através de Medida Provisória, contrariando a legislação em vigor e os compromissos internacionais assumidos pelo país. É também significativo desse descaso o congelamento dos processos de reconhecimento de terras indígenas e quilombolas ao mesmo tempo em que os órgãos públicos aceleram o licenciamento de obras com claros problemas ambientais e sociais.

 

Esse processo contrasta com compromissos de campanha assumidos de próprio punho pela presidente em 2010, como o de recusar artigos do Código Florestal que implicassem redução de Áreas de Proteção Permanente e Reservas Legais e artigos que resultassem em anistia a desmatadores ilegais. Todos esses pontos foram incluídos na proposta que deve ir à votação no Congresso nos próximos dias, com apoio da base do governo.

 

Os ataques às conquistas sócio-ambientais abrem espaço para outros projetos de alteração na legislação já em discussão no Congresso. São exemplos a Proposta de Emenda Constitucional que visa dificultar a criação de novas Unidades de Conservação e reconhecimento de Terras Indígenas; o projeto de lei que fragiliza a Lei da Mata Atlântica; os inúmeros projetos para diminuição de unidades de conservação já criadas; a proposta de Decreto Legislativo para permitir o plantio de cana de açúcar na Amazônia e no Pantanal e a discussão de mineração em áreas indígenas.

 

As organizações da sociedade que apóiam o desenvolvimento não destrutivo e estão preocupadas com a preservação do equilíbrio sócio-ambiental no país subscrevem este documento, alertando a opinião pública para o fato de que o Brasil vive um retrocesso sem precedentes na área sócio-ambiental, o que inviabiliza a possibilidade de o país continuar avançando na direção do desenvolvimento com sustentabilidade e ameaça seriamente a qualidade de vida das populações atuais e futuras.

 

CÓDIGO FLORESTAL – É o ponto paradigmático desse processo de degradação da agenda sócio-ambiental a iminente votação de uma proposta de novo Código Florestal que desfigura a legislação de proteção às florestas, concede anistia ampla para desmatamentos irregulares cometidos até julho de 2008, instituindo a impunidade que estimulará o aumento do desmatamento, além de reduzir as reservas legais e Áreas de Proteção Permanente em todo o país. A versão em fase final de votação nos próximos dias afronta estudos técnicos de muitos dos melhores cientistas brasileiros, que se manifestam chocados com o desprezo pelos alertas feitos sobre os erros grosseiros e desmandos evidentes das propostas de lei oriundas da Câmara Federal e do Senado.

 

Em outras oportunidades, durante os oito anos da administração Fernando Henrique Cardoso e nos dois mandatos da administração de Luiz Inácio Lula da Silva, houve tentativas de reduzir os mecanismos legais de proteção a florestas e ao meio ambiente. Mas a maior parte delas foi barrada pelo Executivo, devido à forte contestação da sociedade. Hoje o Executivo se mostra inerte e insensível à opinião pública, a começar pelo Ministério do Meio Ambiente, que interrompeu a realização das Conferências Nacionais de Meio Ambiente e tem sido conivente e passivo frente ao desmonte da legislação pertinente à sua área de atuação.

 

Invertendo aquela tradição, a atual administração deixou sua base parlamentar fazer o que bem entendesse, entrando na discussão quando o fato já estava consumado e de forma atabalhoada. Setores do governo interferiram para apoiar, às vezes veladamente, às vezes nem tanto, as propostas que reduzem as florestas, enquanto a tendência mundial, diante das mudanças climáticas, é aumentar a cobertura florestal.

 

REDUÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO – Nesse primeiro ano, o governo Dilma não criou nenhuma unidade de conservação e, numa atitude inédita, enviou ao Congresso a Medida Provisória nº 558 que excluiu 86 mil hectares de sete Unidades de Conservação federais na Amazônia para abrigar canteiros e reservatórios de quatro grandes barragens, nos rios Madeira e Tapajós. Além de não ter havido prévia realização de estudos técnicos e debate público sobre as hidrelétricas do Tapajós, a Constituição Federal estabelece que a alteração e supressão de áreas protegidas só poderia se dar através de lei, o que levou a Procuradoria Geral da República a impetrar Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal contra o uso de Medida Provisória pela presidente.

 

REDUÇÃO DO PODER DE FISCALIZAÇÃO DO IBAMA – O governo federal eleito com a maior bancada de apoio da história do país, que deveria ser capaz de implementar as reformas necessárias para avançar no caminho da democracia, da governança política, da economia ágil e sustentável, vem dando sinais de ser refém dos grupos mais atrasados encastelados no Congresso. O que o levou a aceitar e sancionar sem vetos a citada Lei Complementar 140, que retirou poderes de órgãos federais, tais como o Ibama e o Conama, fragilizando esses órgãos que tiveram importância fundamental na redução do desmatamento da Amazônia e na construção da política ambiental ao longo dos últimos anos.

 

ATROPELOS NO LICENCIAMENTO – Mais do que omitir-se diante dos ataques à floresta, o governo federal vem atropelando as regras de licenciamento ambiental, que visam organizar a expansão dos projetos de infra-estrutura no Brasil. Diferentemente do tratamento dado ao licenciamento da BR 163 num passado recente, quando o governo construiu junto com a sociedade um Plano de Desenvolvimento Sustentável da região de abrangência da obra, o licenciamento da Hidrelétrica de Belo Monte é marcado pelo desprezo às regras, às condicionantes ambientais e à necessidade de consulta às populações indígenas afetadas. Esse novo “modus operandi” vem se tornando prática rotineira, o que ameaça a integridade da região amazônica, onde se pretende instalar mais de 60 grandes hidrelétricas e 170 hidrelétricas menores. O conjunto de grandes e pequenas hidrelétricas provocará não só mais desmatamento associado à migração e especulação de terras como, ao alterar o regime hidrológico dos rios da região, afetará de forma irreversível populações indígenas e comunidades locais.

 

PARALISIA NA AGENDA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS – Entre 2005 e 2010 o Brasil vinha dando passos decisivos ano após ano para avançar a agenda de enfrentamento das mudanças climáticas no cenário nacional e internacional. Esse esforço culminou, em 2009, com a acertada definição de metas para redução de gases de efeito estufa incorporadas na Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas, que pautaram a virada de posição das economias emergentes. A regulamentação da lei em 2010 determinou a construção dos planos setoriais para redução de emissões em 2011. Porém, o que se viu em 2011 foi uma forte retração da agenda e nenhum dos planos setoriais previstos para serem desenvolvidos no primeiro ano do governo Dilma foi finalizado ou sequer passou por qualquer tipo de consulta pública.

 

LENTIDÃO NA MOBILIDADE – A agenda sócio-ambiental caminha vagarosamente mesmo nas áreas apontadas pelo governo como prioritárias — a construção de obras de infra-estrutura. O PAC da Copa, lançado em 2009, prevê investimentos de R$ 11,8 bilhões em melhoria da mobilidade urbana, mas só foram efetivados 10% destes. Já é de conhecimento público que os sistemas metroviários não estarão em operação em 2014. No início deste governo foi lançado o PAC da Mobilidade, mas até o presente momento ainda não foram selecionados os projetos e nenhum contrato para desembolso de verba foi assinado.

 

LENTIDÃO NO SANEAMENTO – Os investimentos em saneamento também andaram mais devagar do que fazia crer a intensa propaganda eleitoral. Com um orçamento inicial de R$ 3,5 bilhões, o governo investiu efetivamente apenas R$ 1,9 bilhão, valor 21% menor que em 2010. A liberação de recursos pela Caixa Econômica Federal também deixou a desejar (R$ 2,3 bilhões até novembro, apenas 25% do contratado). Peça fundamental de uma estratégia de redução da poluição de nossas águas, o saneamento básico no Brasil tem números vergonhosos: apenas 44,5% da população brasileira está conectada a redes de esgotos; e desse esgoto coletado, somente cerca de 38% é tratado (o que significa que mais de 80% do esgoto produzido no Brasil é despejado na natureza).

 

LENTIDÃO NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E AUMENTO DA VIOLÊNCIA NO CAMPO – Não é apenas na criação de unidades de conservação e terras indígenas e quilombolas que a hegemonia dos setores mais retrógrados do país se faz presente. O primeiro ano do governo Dilma foi marcado pelo pior desempenho na área de criação de assentamentos da reforma agrária desde, pelo menos, 1995. O desembolso de recursos com ações para estruturar produtivamente os assentamentos já existentes foi o mais baixo da última década: R$ 65,6 milhões. O processo de titulação de terras indígenas e de quilombos também se arrasta – em 2011, só uma terra de quilombo foi titulada e três terras indígenas homologadas.

 

Esses retrocessos coincidiram com o aumento da violência no campo. Segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 38 índios foram assassinados nos nove primeiros meses do ano passado, sendo 27 no Mato Grosso do Sul, cenário de tensas disputas por direitos territoriais. Esses números são engrossados por pelo menos oito assassinatos de agricultores familiares e/ou extrativistas em disputas com grileiros de terras, principalmente na região Norte.

 

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE INERTE – Diante desses ataques contra a estrutura e competências de sua pasta, o Ministério do Meio Ambiente, de forma inédita, tem acatado com subserviência inaceitável os prejuízos para as atribuições de órgãos, como a fragilização do Conama e a redução dos poderes do Ibama na fiscalização e no licenciamento. Frente às agressões ao bom senso e à ciência contidas na proposta do Código Florestal, a ministra deu seu beneplácito ao aceitar a alegação de que o texto não continha cláusulas de anistia, quando ele claramente concede perdão amplo, geral e irrestrito para a grande maioria dos desmatadores ilegais.

 

Diante desses retrocessos apontados, as organizações sociais signatárias apelam para que a presidente cumpra os compromissos assumidos em campanha e retome a implementação da agenda de sustentabilidade no país. Somente uma ação forte nesse sentido evitará os graves prejuízos para a sociedade brasileira e que o Brasil viva o vexame de ser ao mesmo tempo anfitrião e vilão na Rio + 20, em junho deste ano.

 

QUADRO - O pior resultado de políticas ambientais desde o fim da ditadura militar.

 

PASSIVO: Interrupção dos processos de criação de Unidades de Conservação (UCs) e redução do tamanho de algumas já existentes.

 

A MP 558 excluiu 86 mil hectares de sete UCs federais da Amazônia para abrigar canteiros e reservatórios de barragens nos rios Madeira e Tapajós. O governo, desde sua posse, não autorizou a criação de nenhuma UC.

 

PASSIVO: Omissão frente à ação do Congresso Nacional para aprovação do Código Florestal que, na prática, reduz a proteção das florestas.

 

O projeto do Código Florestal defendido pelo governo e por sua base legislativa anistia desmatamentos irregulares e reduz as reservas legais e as Áreas de Proteção Permanentes (APP) em todo o país, atendendo a interesses dos ruralistas, ignorando os argumentos científicos e sócio-ambientais .

 

PASSIVO: Congelamento de processos de reconhecimento de terras indígenas e quilombolas.

Paralisação dos processos em andamento levou inclusive a aumento da violência no campo: 38 índios foram assassinados de janeiro a setembro de 2011, segundo dados do CIMI.

 

PASSIVO: Pressão para que órgãos públicos acelerem o licenciamento de obras com problemas sócio-ambientais.

 

Modificação nas normas de licenciamento visando a redução da capacidade dos órgãos públicos federais em analisar com a profundidade necessária obras de grande impacto sócio-ambiental, em especial na Amazônia.

 

PASSIVO: Enfraquecimento de órgãos federais como IBAMA e Conama.

 

A sanção sem vetos da Lei Complementar 140 retirou atribuições do Conama e diminuiu o papel do Ibama na fiscalização de irregularidades ambientais, em especial no combate ao desmatamento ilegal.

 

PASSIVO: Priorização à construção de grandes hidrelétricas na Amazônia, em detrimento de fontes de energia renováveis de baixo impacto.

 

Sob o falso argumento de que é energia limpa, o governo planeja implantar novos projetos de 60 grandes hidrelétricas e 171 pequenas centrais hidrelétricas na Amazônia. Isso aumentará a pressão sobre o desmatamento e afetará de forma irreversível populações indígenas, comunidades locais, o estoque de peixes e o regime hidrológico.

 

PASSIVO: Redução dos investimentos em saneamento básico.

 

Com orçamento inicial de R$ 3,5 bilhões, O governo investiu, em 2011, apenas R$ 1,9 bilhão em obras de saneamento básico. Somente 44,5% dos brasileiros têm acesso à rede de esgoto e mais de 80% do esgoto gerado no país é despejado na natureza.

 

PASSIVO: Redução do ritmo de assentamentos para efeito de Reforma Agrária.

 

O primeiro ano do governo Dilma registrou o pior desempenho na criação de assentamentos desde 1995. O desembolso para a estruturação de assentamentos já existentes foi o menor valor da última década: R$ 65,6 milhões.

 

PASSIVO: Lentidão na mobilidade

 

Do PAC da Copa, lançado em 2009, só foram efetivados 10% dos recursos. Já é de conhecimento público que os sistemas metroviários não estarão em operação em 2014.

 

Assinam:


Instituto Sócio-ambiental – ISA

Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS

Fundação SOS Mata Atlântica

Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon

Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam

Rios Internacionais – Brasil

Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA)

Grupo de Trabalho Amazônica (Rede GTA)

Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi)

Associação Alternativa Terrazul

WWF Brasil

Comentários   

0 #3 desmatamentos irregularesVanderlei 14-04-2012 17:52
"Desmatamentos irregulares cometidos até julho de 2008", entenda-se, um terço das terras do Norte do País, são terras griladas. (roubadas) Nem reforma agrária fizeram...
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0 #2 so quem não tem visão...oliver 15-03-2012 23:05
ate parece que o EUA estão realmente preocupados com ecologia e meio ambiente,se você pesquisar vai ver que nunca se polui tanto como nos últimos anos,a maior potencia econômica,não reduziu um terço do minimo que foi combinado,agora vem com esse cinismo de preservação,a população brasileira tem que abrir o olho,estão querendo privatizar a Amazônia,isso sim é muito serio caro amigo,pare de iludir e enganar a população brasileira...
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0 #1 RE: Alerta sobre retrocessos sócio-ambientais do governo DilmaAlexandre 15-03-2012 09:49
O que os movimentos sociais têm a dizer sobre esta notícia: Ah, o bom selvagem! Ah, os povos que sabem adaptar-se ao meio-ambiente da floresta, nela vivendo sem destruí-la!

Pois é: índios munducurus venderam a uma empresa internacional, a Celestial Green Ventures, com sede na Irlanda, acesso irrestrito a suas terras, com direito a benefícios sobre a biodiversidade, seja lá o que isso for. A gleba, com área equivalente a 16 cidades de São Paulo, fica na floresta amazônica, em Jacareacanga, Pará. Valor da cessão: US$ 120 milhões.

A Celestial Green, que se apresenta como líder mundial no mercado de créditos de carbono, diz ter assinado outros 16 contratos semelhantes na Amazônia, abrangendo 200 mil km² - o equivalente a duas vezes a área de Portugal.
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