Correio da Cidadania

Governar é inaugurar obras?

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Outro dia, viajando de carro de Brasília até São Paulo, fui observando as propagandas eleitorais das cidades por onde passei. Me chamou a atenção o fato de que a maioria dos outdoors e cartazes, assim como os spots de rádio e TV, referiam-se a obras inauguradas pelo candidato. Isso tem tudo a ver com a lógica de que prefeito bom é aquele que inaugura obras, de preferência bem visíveis. Lembrei até de um prefeito de uma grande cidade do Centro Oeste que colocava uma plaquinha em cada uma das obras, numerando-as. Uma praça era 387, um ponto de ônibus era 421, e assim por diante. Infelizmente, essa lógica deixa de lado um dos maiores desafios de qualquer cidade, que é a gestão e a manutenção de seus espaços e equipamentos.

 

O que mais existe por aí é obra inaugurada e depois abandonada porque o município não tem política permanente de gestão. A lógica predominante, inclusive da própria estrutura de financiamento do desenvolvimento urbano no Brasil, é a dos programas que oferecem recursos para executar as obras, mas o investimento permanente necessário à qualificação das cidades está longe de ser equacionado. Como a lógica é a da visibilidade da obra e do momento sublime de sua inauguração, o tema da gestão fica relegado... mesmo porque até as próximas eleições, outra obra será inaugurada!

 

Por trás desta relação "obra-eleição" está também a lógica da crescente importância da contribuição financeira das empreiteiras para campanhas eleitorais. Obras novas geram novos recursos de campanha num modelo de financiamento eleitoral, prevalente hoje no Brasil, em que os candidatos dependem mais e mais dessas contribuições privadas para poderem se eleger em pleitos cada vez mais competitivos e midiáticos.

 

A questão da gestão e manutenção cotidiana dos espaços e equipamentos de uma cidade é importantíssima. É como na nossa própria casa: se paramos de investir, um dia a torneira quebra, no outro, o ralo entope, e assim, rapidamente, a casa se degrada. Manutenção não é só fazer faxina, é, também, sempre renovar. De novo, conhecemos isso da experiência de nossas casas: reformar é absolutamente necessário para manter a casa sempre em dia com as necessidades de quem nela mora. Mas como a lógica eleitoral é a da fitinha da inauguração da obra, esse assunto não aparece no debate. O que importa é mostrar quem cortou a fita e inaugurou a obra, e quem estava no palanque, participando daquele evento.

 

Além do mais, diante dos milhares de problemas que uma cidade enfrenta, nem sempre executar uma obra é necessário ou prioritário. Muitas vezes obras desnecessárias são realizadas apenas porque "aparecem", ou seja, mostram que o prefeito está "fazendo o serviço". Essa lógica primária cria "o prefeito que trouxe o hospital", "o prefeito da escola"... Quando vamos superar essa lógica e enfrentar os desafios da gestão urbana no Brasil?

 

Raquel Rolnik é relatoria da ONU no Brasil pelo direito à moradia.

Texto originalmente publicado no Yahoo!Blogs.

Comentários   

0 #3 Nomes das obrasJosé Cristian 06-09-2012 05:41
E ainda tem o fato lamentável de políticos darem o próprio nome às obras, ou nomes de parentes ao hospital, à escola, cujos recursos para a construção são públicos e não privados, como tentam divulgar. É como aquela história: "o prefeito fez aquela ponte, fez aquele hospital, fez aquela escola". Não bastassem as malditas placas de inauguração, onde omitem os nomes dos operários que trabalharam nas obras.
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0 #2 A Obra.Rodrigo Noronha 03-09-2012 17:01
Prezados (as).

Acredito realmente que uma questão não deva suprimir a outra. Obras estruturantes devem sim serem realizadas e a gestão evidentemente é uma questão relevante para qualquer Governo em qualquer parte. Dentro dessa questão o uso transparente dos Recursos Públicos e a publicidade dos contratos realizados.
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0 #1 RE: Governar é inaugurar obras?Daniel Piovezan 02-09-2012 21:20
e também não faltam vereadores que "conversaram com o prefeito" para que fossem feitas obras nos bairros
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