Saúde pública: onde está a “excelência nos serviços”?
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- Frei Marcos
- 30/01/2013
O vice-governador de Goiás, José Eliton, afirmou que a saúde pública “passa por um processo de excelência nos serviços levados à população” (Diário da Manhã, 10/01/13, p. 10) e o diretor-geral do Hospital Geral de Goiânia (HGG), André Luiz Braga, afirmou que “o atendimento de qualidade e humanizado” ao usuário do SUS é o objetivo que norteia o trabalho dos hospitais públicos (Ib., 11/01/13, p. 5). Que propaganda enganosa! Não seria o caso de acionar o Procon? Esses senhores, ou não conhecem a realidade, ou fingem de não conhecê-la, ou (o que é pior) zombam da cara do nosso povo sofrido. A realidade é bem diferente da que foi apresentada.
Vejam só algumas situações que já foram divulgadas pela mídia e falam por si mesmas. Recente manchete da imprensa noticia: “Cais: após um ano, denúncia de descaso no atendimento em unidade de saúde se repete”. “Saúde volta a ser caso de polícia”. “Angústia, dor e indignação. Os sentimentos se misturam em longas filas de espera por atendimento nos 13 Cais (Centros de Atendimento Integral à Saúde) e Ciams (Centros Integrados de Assistência Médico-Sanitária) da capital. Muitas vezes, os pacientes são mandados para casa ou orientados a procurar socorro em outra unidade de saúde. Situação fez paciente denunciar descaso ao Ministério Público” (O Popular, 15/01/13, 1ª página).
Maurílio Alves Batista Junior denuncia: “Temos assistido diariamente nas redes televisivas os descasos que vêm vitimando os idosos, a começar pelos Cais e hospitais públicos de Goiânia. Aqui os idosos estão morrendo por falta de leitos de UTI, como é o caso de Nivaldo Moreira da Silva, de 75 anos”. Ele, que sofria de problemas cardíacos graves, peregrinou pelo Cais do bairro Goiás, “onde havia apenas dois pediatras de plantão”; peregrinou pelo Cais do Setor Novo Horizonte, “onde a situação estava pior, pois havia 180 pessoas na fila e a senha dele seria a 181”; peregrinou pela Santa Casa de Misericórdia, “onde foi constatado que precisaria de um procedimento que dependia do SUS, ou seja, passar por uma unidade pública para depois receber o encaminhamento” (Ib., 21/01/13, p. 6. Cartas dos Leitores). Finalmente - diz ainda Maurílio - depois de mais de 30 horas de espera pela UTI, surgiu uma vaga no Hospital do Jardim América, mas, como Nivaldo não tinha condições financeiras para pagar cerca de 500 reais pela UTI móvel privada - que o transportaria com segurança - não resistiu e veio a óbito. Que situação lamentável! Que crime!
Dia 13 deste mês de janeiro, “Alice Ferreira da Silva, de 81 anos, morreu depois de ter socorro negado nos Cais de Campinas e do Cândida de Morais, segundo a família. Portadora de câncer, ela caiu, teve fratura na perna e uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) andou 25 minutos e só conseguiu atendimento no Cais do Finsocial, conforme registro de ocorrência”. Regiane de Castro, parente da vítima, desabafou: “Se Alice tivesse conseguido atendimento no primeiro Cais, talvez ela estaria aqui ainda”. Pergunto: quem vai responder judicialmente pela morte de Nivaldo e de Alice?
Marcos Vinícius, que apresentava sintomas de dengue, não conseguiu atendimento, nem no Ciams do Novo Horizonte, nem nos Cais do Jardim América e de Campinas. Por isso, também no dia 13 deste mês de janeiro, registrou um BO por omissão de socorro no 20º Distrito Policial, no Setor Sudoeste. Indignado, desabafou: “Ter atendimento é um direito, não é um favor. Mas estamos vivendo um momento de absoluto descaso”.
Outra situação desesperadora. “A sensação de descaso tomava conta de cerca de cem pessoas, na tarde de ontem (14/01), no Ciams do Novo Horizonte. Por volta das 15h30, muitos doentes esperavam ansiosos para que seu nome fosse anunciado. Alguns gemiam. Outros tentavam segurar a dor e conter o choro, como fez a vendedora Cristina Gomes da Silva, de 39 anos, que estava com cólica renal. ‘Moça, não tem como me dar um comprimido para diminuir a dor?’, perguntou para a atendente. Após obter apenas a resposta de que deveria esperar, Cristina seguiu para um canto e se entregou às lágrimas” (Ib., p. 4). Que desrespeito!
Infelizmente, o caos na saúde pública não é só no estado de Goiás e em Goiânia, mas no país inteiro, sobretudo nas grandes cidades. Ainda no dia 13 deste mês de janeiro, a Rede Globo apresentou, no Fantástico, uma reportagem especial sobre o tratamento desumano dado a mais de 70% dos idosos no Brasil.
Na rede municipal de São Paulo, “661 mil pedidos estão na fila do serviço médico”. “Na capital paulista, espera é de 35 meses para realizar exame que diagnostica problemas nos nervos” (Folha de S. Paulo, 18/01/13, p. C1).
Reparem o absurdo! Em relação às pacientes com câncer de mama, o Ministério da Saúde decide quem deve e quem não deve morrer. A proposta da pasta é oferecer o trastuzumabe, medicamento usado em conjunto com a quimioterapia, “às pacientes em fase inicial ou avançada localmente, o que deixa de fora o grupo daquelas que tiveram metástase, ou seja, a disseminação do câncer para outros órgãos”. O governo entende que, “no caso de metástase, o impacto do remédio no tempo e na qualidade de vida é pequeno”.
A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica contesta o Ministério e fala em alguns anos de sobrevida. Anderson Silvestrini, presidente da Sociedade, afirma: “A gente vê respostas extraordinárias. Paciente com muita metástase que, com o remédio, chega a ter redução de até 90% (no tumor)” (Ib., 16/01/13, p., C6). O benefício do medicamento é surpreendente, mas, mesmo que fosse pequeno, o Ministério da Saúde não tem o direito de antecipar a morte de ninguém. É crime!
Antes de terminar, a bem da verdade, não posso deixar de reconhecer que, na saúde pública - além daqueles(as) que não se comportam como deveriam - há também médicos, enfermeiros e agentes de saúde que, apesar das condições precárias e adversas, se dedicam com amor aos doentes. A saúde pública, mais do que uma questão pessoal, é uma questão estrutural.
Quando será que os governos federal, estaduais e municipais levarão a sério a saúde pública? Inventam-se, às vezes, muitas desculpas para justificar o descalabro, mas na realidade é só uma questão de vontade política e de prioridade administrativa.
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Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP).
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