Lei Antiterrorismo, exigência dos organizadores da Copa, preocupa Comitê Popular
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- Gabriel Brito e Paulo Silva Junior da Redação
- 12/07/2013
No segundo capítulo da parceria entre o Correio da Cidadania e a webrádio Central 3, entrevistamos a advogada e representante do Comitê Popular da Copa do Mundo – SP, Juliana Machado, que conversou a respeito da inserção social do coletivo e também de sua recente atuação, nos fervilhantes dias que marcaram a realização da Copa das Confederações, último teste da FIFA para a Copa de 2014.
Na conversa que se segue, Juliana descreve o quadro das remoções em andamento pela cidade, totalizando cerca de 250 mil pessoas afetadas em todo o país, e denuncia o processo de higienização que já acomete Itaquera, bairro onde está sendo construído o futuro estádio do Corinthians e que sediará a abertura do Mundial, deixando claro que o Comitê nunca se opôs à Copa no Brasil.
Por conta de sua aliança com movimentos de trabalhadores e cidadãos menos amparados pelo Estado, ela ressalta a desmilitarização da polícia também como pauta prioritária. Por fim, mostra grande preocupação com a aprovação da Lei Antiterrorismo, exigência dos organizadores do evento, a fim de afastar os “incômodos” protestos populares contra a farra que indignou todo o país. “Quanto mais violento e repressor o Estado for, mais a população responderá”, disse.
A entrevista com Juliana Machado pode ser lida integralmente abaixo.
Correio da Cidadania: Como surgiu e quem faz parte do Comitê? Em que cidades ele existe? Como participar?
Juliana Machado: O Comitê Popular da Copa existe desde 2011 em São Paulo e começou a se organizar a partir da 3ª Jornada Pela Moradia Digna, um evento bienal promovido pelos movimentos sociais de moradia e pela Defensoria Pública. É um espaço de articulação do qual participam diversos grupos, coletivos, organizações sociais e também indivíduos interessados nos impactos e violações de direitos humanos que a Copa do Mundo vem causando.
Os Comitês Populares estão nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo, de modo que em cada uma há um comitê organizado. E todos eles também têm uma articulação nacional entre si.
Correio da Cidadania: Quais são as pautas/bandeiras do Comitê? Que grupos e movimentos estão participando dele mais ativamente?
Juliana Machado: Hoje, temos como pauta também a desmilitarização da polícia. Isso porque se trata de uma demanda de movimentos sociais e de diversas organizações, tanto nos centros das cidades como nas periferias, assim como no campo, com a questão indígena, a questão agrária e os conflitos por terra no país.
Todas as bandeiras do Comitê aqui em SP, a respeito das remoções forçadas de favelas e assentamentos por conta de obras da Copa, da perseguição ao trabalhador ambulante e ao morador de rua, dentre outras, estão articuladas também com o fato de a segurança pública no Brasil ser feita por forças militares.
Os grupos que participam do comitê são os movimentos de moradia, como a Central de Movimentos Populares (CMP) e a União dos Movimentos por Moradia, além de fazermos atos conjuntos com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Sempre nos reunimos em nossa sede, na ocupação Mauá, centro de São Paulo, com os movimentos de ocupação do próprio centro; temos tido bastante diálogo com o pessoal de Itaquera que se organiza pra evitar as remoções, assim como algumas comunidades da zona sul, onde passam as obras do monotrilho (linha 17 – Ouro, ligando o Morumbi ao aeroporto de Congonhas), que têm expulsado centenas de famílias da região.
Fora isso, temos a participação de trabalhadores ambulantes, que se organizam no Fórum dos Trabalhadores Ambulantes da Cidade de São Paulo, e também do Movimento Nacional da População de Rua; temos ainda estudantes, torcedores, jornalistas, coletivos independentes, enfim, muitos grupos.
Correio da Cidadania: O Comitê participou dos recentes protestos iniciados pelo MPL? Qual a posição do comitê em relação a eles? Houve algum tipo de diálogo?
Juliana Machado: Sim, houve total diálogo e participação total do Comitê Popular da Copa nos protestos de junho. Chegamos a cancelar reuniões já marcadas e que coincidiam com os dias de protestos chamados pelo MPL, justamente pra possibilitar a participação dos nossos integrantes. E antes de iniciar a jornada de lutas contra o aumento da tarifa, tivemos reuniões em que pessoas do MPL participaram, nas quais nos colocamos à disposição de apoiá-las no que fosse preciso, participando de todas as manifestações. E de fato houve muita gente dos movimentos de moradia dentro das manifestações pelo passe livre. No dia seguinte ao da “batalha” de 13 de junho, fizemos um ato, em conjunto com a jornada de lutas da Resistência Urbana, MTST e outros grupos, no qual manifestamos nosso apoio às lutas do MPL e repúdio às ações violentas da polícia e do Estado em geral.
Correio da Cidadania: O Comitê Popular é contra a Copa do Mundo? Qual a posição de vocês em relação ao evento?
Juliana Machado: Não somos contra. Em nenhum momento nos posicionamos contra o futebol, o esporte popular por excelência, tampouco somos contra a Copa do Mundo em si. Somos contra a maneira como tem se dado o processo, com o Estado ajoelhando perante essas organizações mafiosas que controlam a gestão do futebol mundial, leiam-se FIFA e CBF.
Somos contrários a um processo que tem sido arbitrário, autoritário, sem diálogo com a população. Acreditamos ser possível organizar um grande evento esportivo sem promover violência contra a população do país sede. Acreditamos que, por exemplo, no caso de uma obra de acesso a estádio ou avenida, ela pode ter um processo de diálogo com as comunidades afetadas e mudar seu traçado. Ou caso não seja possível alterar o desenho do projeto, que as famílias a serem removidas do local tenham uma alternativa habitacional digna, ou seja, igual ou melhor que aquela onde já moram.
E alternativa habitacional não é bolsa-aluguel de 300 reais, porque não se aluga casa em São Paulo por esse valor. Todos sabemos disso. Alternativa, para nós, é aquela moradia que inclui acesso aos bens e serviços públicos, aos transportes, aos serviços essenciais. Tudo ao contrário do que vem sendo feito, que é o oferecimento dessa bolsa-aluguel, sem qualquer possibilidade de diálogo.
O resultado é que as pessoas se instalam em novas favelas e habitações precárias, sem qualquer infraestrutura, em bairros um pouco mais distantes, nas periferias, aonde os turistas não poderão vê-los.
Correio da Cidadania: Você mencionou as remoções por conta das obras da Copa... Pode traçar um rápido panorama dessa situação pela cidade? Onde de fato a situação está mais grave é na região próxima ao estádio do Corinthians, em Itaquera? E o que tem feito o poder público mais detalhadamente?
Juliana Machado: Temos hoje no Brasil cerca de 250 mil pessoas ameaçadas ou já removidas por conta de obras relativas aos megaeventos. Em São Paulo, a situação é semelhante à de outras cidades: o poder público não passa informações sobre as intervenções e obras, ficando sem abrir qualquer diálogo. O Comitê Popular fez reuniões com prefeitura e sua secretaria (através da SPCOPA e da subprefeitura de Itaquera), nas quais não se obteve resposta concreta e nem informações palpáveis sobre o que aconteceria com as famílias afetadas, além de quais alternativas seriam dadas a elas. Esse é o primeiro ponto, generalizado em todo o país.
Aqui em São Paulo, temos a obra do monotrilho, na zona sul, que era obra oficial da Copa até dezembro passado, quando foi retirada da Matriz de Responsabilidades, que é a lista oficial de obras da Copa. Foi retirada a pedido do governo do estado, porque, teoricamente não ficaria pronta a tempo, sendo que ela já está planejada desde que o Brasil foi anunciado sede da Copa (2007), quando o estádio paulista seria o Morumbi, na zona sul. A obra foi retirada, não é mais oficial da matriz, mas continua afetando milhares de famílias naquela região do aeroporto de Congonhas. São seis comunidades, boa parte delas já foi removida, e as pessoas simplesmente não tiveram qualquer opção oferecida pelo Estado.
Na zona leste, próximo ao estádio de Itaquera, temos 17 comunidades ameaçadas, cerca de 4.500 famílias. O caso de maior destaque no momento é o da Comunidade da Paz, que fica a apenas 800 metros do estádio e sofre um claro processo de limpeza e higienização da região, para um suposto “embelezamento” da área no entorno do estádio, a fim de receber os eventos da Copa. Há mais de 300 famílias vivendo lá há mais de 20 anos. Elas têm resistido bastante ao processo de remoção, conseguindo apoio de grupos de teatro, militantes... Têm ganhado visibilidade, mas ainda estão com seu destino incerto. E até agora só lhes foi oferecida a bolsa-aluguel, no citado valor de 300 reais, valores insignificantes para se garantir uma moradia digna em São Paulo.
Correio da Cidadania: Finalmente, qual a avaliação do Comitê das manifestações nas cidades-sede da Copa das Confederações? Como vocês acham que será durante a Copa do Mundo, baseando-se na iminente aprovação da Lei Anti-Terrorismo no Brasil?
Juliana Machado: Ficamos felizes de ver que as manifestações cresceram muito nesse período. Na verdade, temos trabalhado nos últimos dois anos justamente para que isso aconteça, que as pessoas se levantem pelos seus direitos. E acreditamos que a tendência é de crescimento. Esperamos que daqui até a Copa do Mundo, em um ano, as manifestações ganhem tanto em profundidade em suas demandas, em conteúdos, quanto em tamanho. Até porque em 2014 teremos jogos em todas as 12 cidades-sede e isso tende a acirrar bastante os ânimos, uma vez que as práticas de violência do Estado contra a população continuam.
De fato, com essa Lei Antiterrorista a caminho de ser aprovada, acreditamos ser necessário buscar novas formas de manifestação pra driblar a repressão estatal. O Estado tem apresentado novas armas de repressão violenta contra manifestações democráticas e populares e cabe aos movimentos sociais apresentarmos novas formas de resistência, a exemplo do que fizemos no dia da final da Copa das Confederações. Foi uma intervenção lúdica, com futebol, chamando a população pra dialogar, sem atrapalhar em nenhum momento a exibição do jogo no Vale do Anhangabaú. Mas sempre buscando estabelecer o diálogo com as pessoas e divulgar nossos pontos.
Avaliamos que as mobilizações devem crescer e os ânimos se acirrarem. Claro, dentro daquilo que chamamos de “efeito panela de pressão”, isto é, quanto mais violento e repressor o Estado for, mais a população responderá. Talvez com atos também violentos, que sempre ocorrem em resposta à ação estatal.
Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.