O déficit habitacional cresce; com ele, ocupações
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- Gilvander Luís Moreira
- 11/11/2013
A especulação imobiliária está crescendo, com ela, o déficit habitacional e, consequentemente, as ocupações urbanas. Políticas habitacionais populares estão quase só em discursos e vãs promessas. Somente na região metropolitana de Belo Horizonte, MG, já são mais de 25 mil famílias em ocupações urbanas, umas planejadas e outras “espontâneas”. Direitos fundamentais, como o de morar com dignidade, estão sendo violados. Somente em quatro ocupações estão cerca de 12 mil famílias: 4 mil famílias na Ocupação William Rosa, em Contagem, MG; 4.500 famílias na Ocupação Vitória; 2 mil famílias na Ocupação Esperança; e 1.500 famílias na Ocupação Rosa Leão. Essas três na Região do Isidoro/Granja Werneck, em Belo Horizonte, com 8 mil famílias.
Até o presente momento, somente foram construídas em Belo Horizonte 1.427 unidades habitacionais pelo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) para famílias de 0 a 3 salários mínimos, em que pese mais de 4 anos de existência de referido programa. No 1º dia de cadastro para o PMCMV, há quatro anos, 199 mil famílias se inscreveram. A Fundação João Pinheiro atestava um déficit habitacional de 63 mil casas, em 2005. Oito anos após, estima-se um déficit habitacional na capital mineira acima de 150 mil casas.
Não há programa de construção de moradias para população carente em Belo Horizonte diversa do PMCMV. Isso porque as construções de unidades habitacionais pelas obras do programa Vila Viva não se prestam a atender o déficit habitacional de Belo Horizonte. O Ministério Público Federal informou que, de 7.957 remoções realizadas pelo programa Vila Viva em Belo Horizonte, somente 3.950 remoções importaram em reassentamento – sem titulação – em unidade habitacional construída por esse programa. Do restante, 496 dos removidos conseguiram adquirir a compra de casa com recursos advindo do PROAS – 40 mil reais é o teto - e a grande maioria dos removidos, 4.310, receberam indenização pela remoção compulsória. A indenização é sempre injusta, pois não indeniza o valor do imóvel, mas apenas da casa ou do barraco. Há relatório da prefeitura, PM, Ministério Público e Polícia civil atestando o caos que nos prediozinhos do Vila Viva.
O governo de Minas, nos últimos 20 anos, não construiu nenhuma casa para famílias de zero a três salários mínimos em Belo Horizonte e nem na região metropolitana de BH.
O povo, sem-terra e sem-casa, não tolera mais sobreviver sob a cruz do aluguel, veneno que come diariamente no prato dos pobres. Não aguenta mais a cruz da humilhação de sobreviver de favor: peso nas costas de parentes e perda de liberdade.
Três fatores, entre outros, estão movendo os oprimidos para a luta, para ocupações de terrenos abandonados: a) a necessidade, melhor dizendo, a injustiça social e com ela um imenso déficit habitacional que campeia. O capitalismo neoliberal cada vez mais concentra riquezas em poucas mãos e esfola sem piedade a classe trabalhadora que está sendo casa vez mais pisada. O empobrecimento dos(as) trabalhadores(as) está se acelerando de forma vertiginosa. Salários e condições análogas à escravidão é o que mais se vê no mundo do capital atualmente; b) as manifestações, a partir do mês de junho de 2013, inocularam um bom colírio nos olhos de muita gente, que está acordando para a necessidade das lutas coletivas; c) o exemplo positivo, em Belo Horizonte, da Ocupação-comunidade Dandara – e de outras ocupações exitosas. Muita gente oprimida está dizendo assim: “o povo da Dandara está conquistando mil casas e vários outros direitos. Nós vamos conquistar. Por isso vamos para a luta coletiva”.
Se a Constituição for respeitada, nenhuma reintegração de posse em ocupações coletivas pode ser feita. Concordo 100% com a professora Delze dos Santos Laureano ao dizer: "Se fossem mesmo levados a sério os direitos humanos fundamentais, nenhuma reintegração de posse poderia ser feita nas ocupações coletivas, pois esses atos ferem de morte o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à alimentação e à moradia. Afrontam, violentamente, tais decisões contra a democracia, os direitos das crianças, dos idosos, dos deficientes. Todos estes que recebem, por força da própria Constituição, ainda que formalmente, a proteção do Estado".
A história nos mostra que despejo jamais é solução justa para grave problema social como o que envolve milhares de famílias hoje na região metropolitana de BH. Despejo só piora mil vezes o problema social. Acirra os ânimos, cria condições para se fazerem massacres, o que é abominável. A solução para superar de forma justa esses conflitos sociais passa necessariamente por política – não por polícia -, por diálogo, por negociação, por política de habitação séria, popular e massiva, com participação popular. Jamais polícia – repressão – vai resolver de forma justa o problema que as ocupações urbanas e rurais estão desvelando.
Temos em Belo Horizonte dois exemplos que devem ensinar muito a todas as autoridades. Em 2010, a tropa de choque da Polícia Militar de MG acompanhou guardas municipais da prefeitura de BH, seus fiscais e gerentes e, sem decisão judicial, demoliram 11 casas de alvenaria na Ocupação Zilah Spósito/Helena Greco. Jogaram gás de pimenta no povo, inclusive em criança de quatro anos. Fizeram um terror. Mas a Rede de Apoio chegou rápido e, sob a liderança da Defensoria Pública de MG, área de Direitos Humanos, conquistamos uma liminar judicial que impediu demolir as vinte casas que resistiam em pé. Moral da história: após três anos estão lá 160 casas de alvenaria construídas, com 160 famílias fora da cruz do aluguel ou da sobrevivência de favor. Conquistamos a retirada do secretário da prefeitura de BH, da regional norte, que comandou a operação. O Ministério Público da área de Direitos Humanos denunciou 11 soldados que estão respondendo processos. E o povo está lá firme na luta.
No Barreiro, em BH, dias 11 e 12 de maio de 2012, um verdadeiro aparato de guerra – 400 policiais, cavalaria, helicóptero da PM, caveirão –, em uma ação militar que durou 36 horas, despejou 350 famílias da Ocupação Eliana Silva, do MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), aterrorizando as crianças que, abraçadas às mães, gritavam: “Mãe, a polícia vai nos matar”. Traumas indeléveis. Mas, três meses depois, a Ocupação Eliana Silva “ressuscitou”, ocupando outro terreno a um quilômetro de distância e hoje, após um ano e meio, já estão com 300 casas de alvenaria construídas. E a Comunidade segue, de cabeça erguida, sob a guia do MLB, movimento popular admirável.
É um erro grave pensar que polícia vai resolver problemas sociais. Polícia é para resolver crimes. As lutas coletivas do povo pobre - que se expressam nas ocupações - são lutas por direitos constitucionais e, como tais, devem ser respeitadas. Aos policiais recordamos: vocês são também trabalhadores da classe trabalhadora e não estão obrigados a cumprir ordens que são contrárias à lei maior de Deus, que diz: não matarás!
Frei Gilvander Luis Moreira é padre carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica, além de assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina.
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