Uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres
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- Frei Marcos Sassatelli
- 28/01/2014
13º Intereclesial das CEBs
Tive a graça de participar do 13º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que aconteceu em Juazeiro do Norte-CE, terra do padre Cícero Romão Batista, de 7 a 11 de janeiro.
O tema foi “Justiça e Profecia a Serviço da Vida” e o lema “Romeiras do Reino no Campo e na Cidade”.
“Em atitude romeira, o povo das CEBs de todos os cantos do Brasil colocou-se a caminho, respondendo ao chamado da grande fogueira acesa pela Diocese de Crato-CE, convocando para o 13º Intereclesial. A luz da fogueira alumiou tão alto que fez acorrer representantes de Igrejas irmãs evangélicas e de outras religiões. Até foi avistada em toda a América Latina e Caribe, Europa, África e Ásia” (Carta Final do 13º Intereclesial das CEBs do Brasil ao Povo de Deus).
Éramos 5046 pessoas, incluindo as equipes de serviço e visitantes: 2248 mulheres, 1788 homens, 146 religiosos(as), 232 padres, 72 bispos, 20 evangélicos(as), 35 de outras religiões, 75 indígenas, 36 estrangeiros(as) e 68 da Coordenação Ampliada e da Assessoria.
O papa Francisco enviou aos participantes do Intereclesial uma mensagem, que foi lida na Celebração de abertura e acolhida por todos(as) com muita alegria.
O bispo de Crato, dom Fernando Panico, sempre na Celebração de abertura, proclamou: “as CEBs são o jeito de a Igreja ser. As CEBs são o jeito ‘normal’ de a Igreja ser”. As CEBs, como Comunidades a serviço da vida, anunciam a Boa Notícia de Jesus de Nazaré, discernindo os sinais dos tempos à luz da Palavra de Deus e respondendo aos desafios que o mundo de hoje apresenta.
“Ao ouvir a proclamação desta boa notícia, o ventre do povo que veio em romaria para Juazeiro do Norte (Diocese de Crato-CE) ficou de novo grávido deste sonho, desta utopia. A esperança foi fortalecida. A perseverança e a resistência na luta foram confirmadas. O compromisso com a justiça a serviço do ‘Bem-Viver’ foi assumido” (Ib.).
O Encontro foi realmente um novo Pentecostes, uma verdadeira irrupção do Espírito Santo na vida da Igreja e uma experiência única. Ele nos permitiu vivenciar intensamente, até o mais profundo das entranhas, uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres: a Igreja que Jesus de Nazaré sonhou.
O povo de Juazeiro do Norte é um povo acolhedor, fraterno e muito religioso. “O Cariri, ‘coração alegre e forte do Nordeste’, se tornou a ‘casa’ onde se encontraram a fé profunda do povo romeiro, nascida do testemunho do padre Ibiapina e do padre Cícero, da beata Maria Madalena do Espírito Santo Araujo e do beato José Lourenço, com a fé encarnada do povo das CEBs, nascida do grito profético por justiça e da utopia do Reino”.
No Intereclesial “houve um encontro entre a religiosidade popular e a espiritualidade libertadora das CEBs. As duas reafirmaram seu seguimento de Jesus de Nazaré, vivido na fé e no compromisso com a justiça a serviço da vida” (Ib.).
A memória de dom Helder Câmara esteve sempre presente e suas palavras “não deixem a profecia cair!” ecoaram por todo lado. Em nome dos indígenas – e dos quilombolas – que, celebrando e festejando a terra como mãe, sonham viver em terras demarcadas, o índio Anastácio, em tom profético, proclamou: “roubaram nossos frutos, arrancaram nossas folhas, cortaram nossos galhos, queimaram nossos troncos, mas não deixamos arrancar nossas raízes”.
O plenário (no Ginásio poliesportivo, denominado Caldeirão Beato José Lourenço), os mini-plenários (ranchos) e os grupos (chapéus) do Encontro “tornaram-se espaços de partilha das experiências de busca para compreender a sociedade, que é o chão, onde as CEBs labutam e vivem” (Ib.).
Participamos das visitas missionárias a famílias e a algumas comunidades: uma experiência rica e inesquecível. O ponto alto do Intereclesial foi a celebração “em memória dos profetas/profetizas e mártires da fé, da vida, dos direitos humanos, da justiça, da terra e das águas, realizada no Horto, onde se encontra a grande estátua do padre Cícero, comungando com a causa dos pobres: povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais sofredores, e com a causa do ecumenismo, na promoção da cultura da vida e da paz, do encontro” (Carta dos Bispos participantes do 13º Intereclesial da CEBs ao Povo de Deus).
Os gritos dos excluídos, que ecoaram no Intereclesial, nos sensibilizaram e nos comprometeram a todos(as): “gritos de mulheres e jovens que sofrem com a violência e de tantas pessoas que sofrem as consequências do agronegócio, do desmatamento, da construção de hidrelétricas, da mineração, das obras da Copa do Mundo, da seca prolongada no Nordeste, do tráfico humano, do trabalho escravo, das drogas, da falta de planejamento urbano que beneficie os bairros pobres, de um atendimento digno para a saúde...”.
As CEBs, “estando enraízadas na Palavra de Deus, aí encontram luzes para levar adiante sua missão evangelizadora”, vivenciando o que nos pedem a todos(as) o tema e o lema do Intereclesial. “Nossa palavra – dizem os bispos – é de esperança e de ânimo junto às CEBs que, espalhadas por todo esse Brasil, pelo continente latinoamericano e caribenho e demais continentes representados no Encontro, assumem a profecia e a luta por justiça a serviço da vida. Desejamos que sejam, de modo muito claro e ainda mais forte, comunidades guiadas pela Palavra de Deus, celebrantes do Mistério Pascal de Jesus Cristo, comunidades acolhedoras, missionárias, atentas e abertas aos sinais da ação do Espírito de Deus, samaritanas e solidárias”.
Depois de visitarmos o túmulo do padre Cícero na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e de uma caminhada até a Basílica de Nossa Senhora das Dores, cantando com alegria, participamos da Celebração eucarística de encerramento e de envio “para que no retorno às Comunidades de origem possamos ser de fato ‘sal da terra e luz do mundo’” (Ib.).
A respeito das CEBs, dom José Maria Pires, certa vez afirmou: “cometemos erros, mas acertamos o caminho”. O caminho é Jesus de Nazaré e todos(as) são convidados(as) a entrar no caminho. Os primeiros cristãos(ãs) eram chamados os seguidores(as) do caminho. Como disse frei Carlos Mesters, Jesus “não fez profecia, ele foi uma profecia ambulante”.
No final do Encontro, abraçamo-nos com amorosidade e muita alegria. Amém, Axê, Auerê, Aleluia!
Termino com as palavras do nosso irmão, bispo de Roma e pastor primaz da unidade, papa Francisco: “há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. (...) Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos” (A Alegria do Evangelho - EG, 48-49).
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Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP); professor aposentado de Filosofia da UFG.