USP: democratização versus privatização
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- Jorge Luiz Souto Maior
- 13/06/2014
A reitoria da USP propôs, desde o início de sua gestão, uma retenção de gastos, que culminou com a redução dos salários de servidores e professores, conforme restou definido na semana passada, com repercussão na UNICAMP e na UNESP. Diz-se que não será concedido um reajuste, mas como este serve para recompor o poder de compra do salário, com reajuste de 0%, o que resulta é, efetivamente, corrosão do salário da ordem mínima de 5,2%, que corresponde à inflação medida pela FIPE no período dos últimos doze meses.
Tenta-se justificar a medida como forma de regularizar a situação financeira da Universidade, que foi conduzida ao caos pelos desajustes provocados pela gestão anterior. Não vou, por certo, defender o antigo reitor, porque não teria razão alguma para tanto, mas não me parece correto debitar apenas a ele os problemas orçamentários da USP, sendo certo, ainda, que não traz benefício algum para a instituição ficarem os reitores acusando-se mutuamente em artigos publicados na grande mídia, sobretudo porque ambos, e outros, estão integrados a um mesmo projeto.
O debate público instaurado visa a inibir a compreensão de que o reajuste zero está ligado, de fato, ao percurso histórico em prol da privatização da Universidade, contra o quê, aliás, uma luta intensa vem sendo travada desde 2001, quando estudantes, em protesto contra a possibilidade de aprovação de uma Regulamentação que ampliaria, ilimitadamente, o recurso às fundações, ocuparam a Reitoria e, depois, adentraram a sala do Conselho Universitário, tendo obtido, à época, a suspensão da regulamentação.
A última cartada é a de, enfim, dizer abertamente que o dinheiro público não suporta as contas da Universidade, abrindo a porta para a inserção de financiamento privado e fazendo-o de tal modo que seja possível buscar apoio, inclusive, entre os próprios servidores e professores, tendo sido estes conduzidos à pressão do fantasma da “redução salarial”. Mas há um dado ainda mais relevante de continuidade a ser considerado: o da falência democrática, que é revelado, inclusive, na própria manifestação do presente reitor, que era pró-reitor na gestão anterior, de que “o conhecimento pleno do cenário orçamentário da universidade restringia-se a poucas pessoas, entre as quais não estavam incluídos os pró-reitores e a grande maioria dos dirigentes da USP”.
Ora, se os próprios pró-reitores e a grande maioria dos dirigentes, conforme exposto na fala do atual reitor, não tinham conhecimento do cenário orçamentário da USP, que dizer, então, de todos os demais integrantes da Universidade!
Essa sua fala, que pode ser vista com ressalvas, no mínimo impõe o reconhecimento de que a USP, como várias outras instituições no Brasil, precisa se democratizar. Tendo o reitor ciência dos gastos anteriores, ou não, o concreto é que tudo se passou ao largo de qualquer discussão com a comunidade acadêmica, a qual, ademais, já vinha há muito denunciando o problema da falência democrática e lutando contra ela. A ausência de espaços de discussão e de deliberação coletiva, em que se possibilite a efetiva participação das pessoas que integram a instituição, ainda mais grave quando se trata de uma instituição pública voltada ao ensino, é o que fundamenta a crise da USP. Os últimos passos dados em direção da privatização, quais sejam, o sucateamento das contas e o reajuste zero, estão sendo impostos à comunidade uspiana, a qual se vê, literalmente, impelida à greve.
Mas há outra partida em disputa, que é antecedente e primordial: a da democratização. Nesta, a carta posta na mesa traz inscrita a confissão, acima mencionada, do atual reitor, sendo certo, ainda, que deve ter por base o reconhecimento do direito de greve de servidores e professores, aqui tratados pela expressão real de trabalhadores, como instrumento legítimo de sua luta pelo recebimento de justa remuneração e pela defesa do ensino público de qualidade. É por esses motivos que os trabalhadores da USP, com apoio fundamental dos estudantes, a partir de dia 27 de maio de 2014, entraram em greve por prazo indeterminado.
Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP.
Originalmente publicado na Tribuna Classista:
Blog: http://tribunaclassista.blogspot.com.br/