Em caso de aprofundamento da crise externa, 'Brasil será um dos primeiros a cair'
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- Mateus Alves e Valéria Nader
- 24/08/2007
Para
ampliar o debate acerca da crise do mercado global, detonado pelas turbulências
no mercado imobiliário norte-americano, o Correio da Cidadania conversa com o
economista Reinaldo Gonçalves, professor titular da UFRJ.
Para Gonçalves, caso a crise tenha impactos mais profundos na economia mundial,
o Brasil será "um dos primeiros a cair".
Diferentemente do que vem sido anunciado por grande parte dos analistas financeiros e também pelo governo, que ressaltam sólidos fundamentos econômicos internos - baseados em variáveis macroeconômicas tais como o volume de nossas reservas externas, a relação entre essas reservas e a dívida externa, os resultados da balança comercial e os do balanço de pagamento – para concluírem pela invulnerabilidade de nossa economia, Delgado enxerga-a profundamente vulnerável.
Mas como justificar uma conclusão em rota de profunda colisão com o mainstream? Basta para isso aprofundar o olhar sobre o que sejam “os sólidos fundamentos econômicos”. E é justamente o que faz Gonçalves ao se ater a uma análise que leva em conta o modelo de produção e de desenvolvimento que está em jogo. Em sua visão, através de uma política externa equivocada e atrasada, o Brasil depende crescentemente da exportação de produtos primários, como o minério de ferro, a soja e o etanol. Ao mesmo tempo, aprofunda a sua vulnerabilidade externa com a liberalização na esfera comercial, na esfera produtiva real, na esfera tecnológica e na esfera financeira.
O resultado inelutável não poderia assim ser outro que não “um modelo de produção retrógrado, que conduz a uma inserção internacional passiva para o país, mantém uma brutal concentração de renda e reforça a dominação financeira, evidente com o grande lucro dos bancos”.
Confira abaixo a entrevista e leia também o artigo de Jurandyr O. Negrão sobre a crise financeira.
Correio da Cidadania: Qual será o
impacto na economia real da crise vivenciada pelos mercados mundiais nas
últimas semanas?
Reinaldo Gonçalves: O impacto irá
depender da forma com que o governo vai reagir. Até agora, estão esperando para
ver se de fato haverá operações grandes na conjuntura internacional. Não estão
querendo tomar nenhuma decisão precipitada; é um pouco o estilo do governo, de
"esperar para ver como é que fica".
Estamos com um quadro claro de forte risco e de forte incerteza. Se nós
reproduzirmos o padrão recente, é bem provável que ocorra uma certa contenção
das políticas macroeconômicas, ou seja, o grau de restrição dessas políticas -
tanto a monetária quanto a fiscal, podendo também ser inclusa aí a política
creditícia - poderá aumentar. Já há uma pressão no sentido de interromper
a trajetória recente da queda dos juros, de segurar os gastos públicos e,
eventualmente, poderá haver pressão sobre a expansão do crédito.
Isso irá repercutir, certamente, na taxa de crescimento da economia brasileira.
Enquanto há um mês atrás todas as revisões do crescimento nacional eram para
cima, chegando até em 5%, agora já se coloca revisões de 4%. Há uma mudança de expectativa;
o céu já não está tão de brigadeiro como estava até julho. Mudam também as
perspectivas no crescimento de investimentos e na geração de renda.
CC: A economia brasileira, então, não
estaria tão blindada como vem sendo alardeado pelo governo federal?
RG: Exatamente. Os analistas mais
cuidadosos dizem que o Brasil continua extremamente vulnerável. Um grande
indicador disso é que, nos últimos anos, o Brasil continua entre os cinco
países com mais alto grau de risco do mundo. O país não se moveu desse grupo.
A vulnerabilidade externa continua muito alta. O argumento de que o Brasil tem
mais reservas hoje é um argumento fraco, pois todos os países também têm mais
reservas. Em termos relativos, continuamos numa posição tão frágil quanto
antes, e o mundo sabe disso.
Não é por outra razão que analistas daqui e de fora, com a crise, alertaram
para o fato de que, caso haja uma transmissão mais significativa de seus
efeitos, o Brasil será um dos primeiros a tombar.
CC: Há alguma novidade na gestão de Guido
Mantega frente ao Ministério da Fazenda em comparação aos tempos de Antonio
Palocci?
RG: Tanto a Fazenda quanto o Banco
Central continuam apostando em políticas ortodoxas. Quando a água começar a
subir, vão reagir elevando a taxa de juros, vão segurar os gastos e os
créditos. Não tenho a menor dúvida quanto a isso.
CC: O anúncio do Plano de Aceleração do
Crescimento (PAC) não seria um indicativo de política desenvolvimentista, em
contraste com a ortodoxia observada durante o primeiro mandato de Lula?
RG: O PAC possui um conjunto de
deficiências enorme, é um programa feito de maneira provisória, com mais efeito
de marketing político do que outra coisa. O governo insiste em uma taxa de
juros elevada, e tem embutido em si uma menor capacidade de expandir a massa de
salários no Brasil via controle do crescimento do salário mínimo e dos gastos
da Previdência. Por isso, não vejo o anúncio do PAC como um grande indicador de
coordenação, e está longe de ser um plano de desenvolvimento. Está mais para
uma lista desarticulada de projetos.
CC: A crise infra-estrutural que temos
observado no país nos últimos meses pode ser considerada o principal gargalo da
economia brasileira, como alguns analistas dizem?
RG: Eu acredito que não. Na
realidade, a própria diretriz da economia brasileira é o seu grande gargalo. É
a concentração de um modelo liberal periférico, é "para onde" o
Brasil está indo, e não "como" está indo. O problema não é o fato de o
barco estar com buracos e remendos, mas sim o seu rumo, que consolida um modelo
de produção retrógrado, que conduz a uma inserção internacional passiva para o
país, mantém uma brutal concentração de renda e reforça a dominação financeira,
evidente com o grande lucro dos bancos.
Tudo isso gera mais subdesenvolvimento no Brasil, e parte desse
subdesenvolvimento envolve não só uma infra-estrutura decadente, mas
instituições deterioradas, uma governança degradada e perspectivas
desfavoráveis.
CC: A aposta do governo na exportação de
commodities trabalha ainda mais para
o aprofundamento desse modelo?
RG: Sem dúvida alguma, pois é um
erro estratégico gravíssimo. Através de uma política externa equivocada,
atrasada e errada, o Brasil depende crescentemente da exportação de produtos
primários, como o minério de ferro, a soja e o etanol. Ao mesmo tempo,
aprofunda a sua vulnerabilidade externa com a liberalização na esfera
comercial, na esfera produtiva real, na esfera tecnológica e na esfera
financeira. Lula continua tomando medidas que avançam um processo de
liberalização e, portanto, de vulnerabilidade.
Isso se mostra como verdade quando o governo estimula e foca as negociações
internacionais em produtos agrícolas. O ministério de Relações Exteriores é um
fracasso total. Estimulam parcerias público-privadas, tanto na infra-estrutura
quanto em outras áreas, quando não há nenhum controle sobre a entrada de
capital estrangeiro. A liberalização cambial e financeira também está sendo
promovida; por exemplo, cada vez mais brasileiros mandam dinheiro para fora do
país.
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