Correio da Cidadania

Redução da maioridade penal e encarceramento juvenil

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No próximo dia 30 de junho, será votada no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC n.º 171/1993) tendo por anseio a redução da idade de responsabilização penal, de 18 para 16 anos, em princípio, para os delitos considerados mais graves.

 

Já comemorada, alguns dias atrás, aos cânticos de “eu sou brasileiro, com muito orgulho e muito amor...” e, sob a chancela de Amado Batista, um dos experts consultados, não encontrará – ao que parece – maior obstáculo, a despeito de toda a luta de entidades, movimentos sociais e pessoas que, nadando contra a correnteza e resistentes ao sensacionalismo midiático, opõem-se a ela.

 

Fosse inquirido por alguém, não mais do que cinco anos atrás, sobre as reais chances de aprovação de tão lamentável estelionato legislativo, a seduzir, muito embora, quase 90% da população (tornando irrelevante qualquer referendo a respeito do tema), afirmaria, com ênfase: não passará!

 

Hoje, ao contrário, mesmo desejando estar equivocado, digo: passará. E assim será, infelizmente...

 

No avançar do conservadorismo, assistiremos a mais um retrocesso, nada obstando, no atual momento de amnésia coletiva, o desrespeito à Constituição Federal de 1988, reduzida a simples arremedo (transcorridas 88 emendas ao texto original), conquanto consagre no artigo 60, § 4.º, IV, as chamadas cláusulas pétreas na proteção dos direitos e garantias individuais. Núcleo, a priori, imutável, no qual se insere a questão da inimputabilidade penal.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n.º 8.069/90) -, vale lembrar incorporou no seu bojo, de forma inquestionável, verdadeira mudança de paradigma para com a infância e a juventude brasileira, considerando-as, a partir de agora, prioridade absoluta, em superação aos antigos Códigos de Menores, de 1927 e 1979, assentados na doutrina da situação irregular, devendo sofrer, logo às vésperas do 25.º aniversário, duríssimo golpe.

 

Também sou brasileiro, mas, ao revés daqueles, penso diferente. Somos singela minoria, é verdade, estimada em pouco mais do que 10% que, para além das cadeias e prisões, continuam a acreditar que lugar de crianças e adolescentes (alheio a qualquer jargão) é, antes de tudo, na escola.

 

Não há de se acreditar numa sociedade melhor invertendo-se a ordem das coisas. Políticas públicas (educação, saúde, lazer), por mais óbvio seja, devem anteceder a aplicação de qualquer sanção privativa de liberdade, sempre. A internação de adolescentes – eis o espírito da lei – é medida excepcional devendo ser adotada em último caso. Apesar de recorrente, é inaceitável que um adolescente tenha acesso a um dentista ou psicólogo apenas quando privado da liberdade. Não raro, é o que acontece.

 

Em outro prisma, o discurso em prol da redução da maioridade penal alimenta-se de inverdades. Na sombra disso, adolescentes (quer-se dizer, os filhos dos “outros”, que não os dos autointitulados “cidadãos de bem”) são apresentados quão facínoras e propensos à prática de crimes (ou, seguindo a terminologia, atos infracionais), passando-se a falsa impressão de que grande parte deles, caso não apreendidos, tende a enveredar-se por tortuosos caminhos.

 

No fértil imaginário, adolescentes só protagonizam atos mais graves como, por exemplo, homicídio e latrocínio, embora partícipes em menos de 2% deles, sendo que tráfico de drogas e roubo correspondem a mais de 80% das entradas. Sem contar situações esdrúxulas tais como a internação de adolescentes por furto de aparelho celular ou briga em escola.

 

A propósito, o sistema de justiça juvenil é também seletivo. Dentre os jovens encaminhados às entidades executoras no país, pardos, negros e pobres constituem significativa maioria. Como diria Marcelo Yuka: “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”.

 

Mais: a depender do envolvido e da forma com que as lides jurídicas vão se entranhando, assassinar um índio pataxó ateando-lhe fogo ao corpo é conduta menos reprovável do que delitos contra o patrimônio que, invariavelmente, os conduzem às malfadadas grades.

 

O Brasil, aproximando-nos dos russos, é o quarto país do mundo em número de presos. Na esteira da hiperinflação carcerária a acometer adultos (já na casa dos 600 mil, a despeito dos milhares de mandados não cumpridos), temos, somente no estado de São Paulo, 148 centros de atendimento para adolescentes autores de atos infracionais e mais alguns em construção. Na Fundação CASA-SP há 10 mil jovens privados da liberdade e faltam vagas!

 

Inexiste solução mágica. Reduzamos, agora, para 16 anos. Desiludidos, muito em breve buscaremos os de 15, 14, 13 anos...

 

Os resultados já conhecemos. Não quero ser cúmplice.

 

Leia também:

Redução da maioridade penal: “A lógica do Estado Penal é encarcerar e explorar mão de obra”

 


Ivan Carvalho Junqueira é especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública e servidor na Fundação CASA-SP

Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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