Moradia: necessidade urgente dos imigrantes e refugiados em São Paulo
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- Raphael Sanz, da Redação
- 07/10/2015
Na noite de 24 de setembro, uma reunião entre organizações sociais, poder público, movimentos sociais e imigrantes buscou discutir e encaminhar assuntos referentes à luta pela moradia por parte dos imigrantes e refugiados. A reunião foi convocada pelo Sefras (Serviço Franciscano de Solidariedade), instituição gestora do Centro de Referência e Acolhida do Imigrante, que já atendeu centenas de imigrantes e refugiados que chegam a São Paulo. A reunião aconteceu no Centro Pastoral São José do Belém, na zona leste da cidade, e contou com representantes do Sefras, com Paulo Illes (da coordenadoria de políticas de imigração da prefeitura de São Paulo) e Hasan Zarif (do Movimento Palestina para Todos e do Terra Livre). Imigrantes, refugiados e estudiosos do tema em geral também compareceram e enriqueceram a conversa.
Convidada para o debate, a Secretaria Municipal de Habitação não respondeu ao convite, o que foi uma grande frustração para os participantes, que esperam que durante os desdobramentos tal Secretaria se faça presente e contribua com a devida articulação de políticas públicas. Apesar da decepção, a perspectiva é de que cada vez mais os três setores presentes possam dialogar e promover ações em conjunto em favor da comunidade imigrante.
Moradia ou abrigo?
No início do debate, Luiz Kohara, engenheiro e membro do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, fez uma fala na qual definiu o conceito de moradia. Para ele, não basta um teto e quatro paredes, é preciso infraestrutura na região onde o abrigo foi conquistado. Kohara deu o exemplo dos antigos projetos do CDHU que ofereciam abrigo em regiões – à época – inóspitas, sem transporte, sem infraestrutura pública e que tamanha ausência do Estado e dos serviços básicos causou certo atraso material para a população da região, o que ainda reverbera na estrutura social.
Indo além na crítica, Kohara citou diversos projetos atuais do Minha Casa Minha Vida, feitos a distâncias enormes dos grandes centros e que podem vir a causar o mesmo problema para seus habitantes no futuro. Para concluir, ele colocou que moradia também está relacionada à comunidade e, por isso, há a importância de se lutar por moradia no centro da cidade, aliada à demanda da expansão do serviços públicos na periferia.
A máfia do déficit habitacional
Jamal Hagir, de 57 anos, é refugiado palestino de segunda viagem. Em 1968, após a invasão de seu país por Israel, Hagir foi viver na Síria, de onde teve de fugir novamente devido a uma série de conflitos: desde o regime de Bashar al-Assad, que não era lá muito amistoso com os palestinos, até a guerra civil que começou pela deposição de al-Assad, mas promoveu o avanço do Estado Islâmico.
Com a voz baixa e a fala já fraca, Hagir foi traduzido simultaneamente por Hasan Zarif. “Ele está dizendo que foi explorado quando chegou a São Paulo. Teve de alugar um quarto em um hotel dito barato no Brás e acabou se dando conta que estavam cobrando preços abusivos pela sua estadia”. Hagir também se incomodou com o forte consumo de álcool e drogas no hotel.
É evidente que a questão da moradia faz, junto com o idioma e a documentação, o tripé das grandes dificuldades dos refugiados em São Paulo e influi nas chances de se conseguir trabalho. O sistema altamente burocratizado de aluguel de imóveis que somos obrigados a encarar, aliado ao seu próprio alto custo, impede com que muitos refugiados consigam uma casa convencional. Assim, acabam participando de movimentos de moradia e vivem em ocupações.
“Para além da crise social que vivemos aqui, tem a questão do idioma e da documentação, que, por sua vez, acabam refletindo diretamente na questão da moradia. Eles estão sendo explorados em hotéis baratos e pensões que cobram deles o dobro do que deveriam cobrar”, alertou Zarif. “Eles não conseguem se adaptar ao sistema burocrático brasileiro, que exige uma série de documentações como comprovante de renda, fiador, entre outras, coisa que eles ainda não têm condições de oferecer”, completou o brasileiro filho de palestinos.
Terra e trabalho
Nestor Kalonji Nsumbu é congolês e atualmente morador do Centro de Acolhida ao Imigrante, e também contou sua história, traduzida simultaneamente do francês ao português por Fabio Ando, trabalhador do CRAI (Centro de Referência e Acolhida ao Imigrante). Ele é jornalista e advogado. No Congo, sua terra, apresentava um programa televisivo (em francês e mais três línguas locais: swahili, lingala e tshiluba) sobre democracia e direitos humanos. Acabou perseguido e ameaçado de morte pela ditadura que assola seu país, vindo para o Brasil em busca de refúgio.
“Pouca gente sabe da situação do Congo, as pessoas olham para o imigrante e logo pensam que são do Haiti, mas não são só os haitianos, os congoleses também estão passando por apuros e precisam não só da acolhida, mas da difusão da sua história”, afirmou. Ele espera poder trazer sua família para São Paulo ainda no final deste ano.
Além da urgente demanda de moradia e da retirada de documentos – Nestor já fala português com facilidade, ainda que prefira se expressar em francês quando possível – ele ainda busca trabalho. Conta que sem trabalhar acaba desanimando um pouco com a nova vida, mas que vai conseguir meios para trabalhar novamente como jornalista e contar para o povo brasileiro as barbaridades que ocorrem em seu país.
Imigrantes, refugiados e a luta por moradia
Alguns encaminhamentos foram tirados dessa reunião. O primeiro dá conta da elaboração em conjunto (movimentos sociais, organizações e poder público) de um documento que pautará as reivindicações de moradia para os imigrantes. “Vamos levar em audiência pública uma proposta de criar um novo modelo de moradia para o imigrante com a possibilidade de a prefeitura alugar imóveis, ou mesmo da expansão e retomada das políticas de aluguel social, que são temas importantíssimos”, afirmou Paulo Illes, da coordenadoria municipal de políticas para o imigrante.
Apesar do entusiasmo de Illes, a proposta é vista com uma certa descrença pelos movimentos sociais. Ainda que suas propostas possam contribuir, o Mopat e o Terra Livre pretendem ir além. “Acho muito importante um evento como esse para que possamos chegar a algum lugar. E esse lugar, acredito, é a luta por moradia mesmo. Não sei se uma bolsa-aluguel com um valor irrisório é a discussão. Acho que a discussão é ocupar os prédios vazios e fazer com que a contradição entre déficit habitacional e imóveis em desuso possa servir para atender as necessidades de quem precisa urgentemente de moradia”, colocou Hasan Zarif.
Outro ponto decidido foi o compromisso assumido por Paulo Illes, que corresponde ao apoio da prefeitura em relação à pauta. Illes garantiu que o poder público estará presente nas ocupações não mais através das botas da Polícia Militar, mas para ouvir as pessoas que estão atualmente vivendo nas ocupações. “O objetivo é justamente dar visibilidade ao documento que iremos compor. Portanto, a presença da prefeitura nesses locais onde os imigrantes estão presentes vai despertar o debate na prefeitura e também no governo federal, a respeito de como nós estamos acolhendo os refugiados aqui no Brasil”, afirmou Paulo Illes.
“O que vemos é um esforço de articulação entre movimento social, serviço social e poder público na tentativa de promover avanços na questão da moradia especificamente voltada aos imigrantes. Vemos mais um exemplo de falência do capitalismo. Em outras palavras, é impossível dissociar dessa discussão a questão da propriedade privada e seu uso social, colocada na Constituição de 1988 e ignorada desde sempre pelos poderes públicos. Esperamos que os despejos desumanos feitos em ocupações como as do Terra Livre, do MTST, cessem. Esperamos também que novos Pinheirinhos não se repitam”, afirmou Paulo Amâncio, coordenador do CRAI.
Mas para que novos Pinheirinhos não se repitam é preciso que a Secretaria de Direitos Humanos tenha forças para comprar essa briga nos meandros da política institucional, em pleno ano de ajuste fiscal, para deixar – e quem sabe até auxiliar – os movimentos e a sociedade avançarem na questão. É uma tarefa difícil, mas muitas famílias de refugiados estão vivendo nas ocupações espalhadas pelo centro de São Paulo e sua continuidade poderia até ser lida pelo prisma da utilidade pública.
No último sábado, 3 de Outubro, Paulo Illes visitou a ocupação Leila Khaled, que fica na Liberdade. Foi sua primeira e o que se espera é que haja continuidade e participação efetiva dos refugiados e dos movimentos de moradia.
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A notícia viva em Mytilene – matéria de Fernando Moura, de Lesvos, Grécia, para o Correio da Cidadania (texto e fotos)
Raphael Sanz é jornalista.