Educação às avessas
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- Maria Orlanda Pinassi
- 16/11/2015
“A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora”.
Marx.
Aqueles que perdem seu precioso tempo com arengas politicistas precisam ficar mais atentos à grande sintonia que se estabelece entre o Plano Nacional de Educação do Governo Federal e o Plano Estadual de Educação do Governo de São Paulo quando se trata de atender as urgências do capital. A título de um “necessário” ajuste fiscal, forjado para o pagamento da dívida pública, os governos de lá e de cá cortam, respectivamente, 10 bilhões de reais e 1,2 bilhão de reais do orçamento destinado à educação no início deste ano.
No caso paulista, o corte é coerente com a reestruturação/precarização praticada desde os tempos de Mário Covas e que, mais recentemente, resultou no fechamento de 3390 salas de aula, na demissão de 21 mil professores da categoria “O” e no aumento de 45 para mais de 60 alunos por classe – as salas do EJA (Educação para Jovens e Adultos) já apresentam um número de 100 alunos.
É flagrante, portanto, o aprofundamento da degradação imposta às condições de trabalho de professores e ao aprendizado oferecido aos alunos. Todos esses ataques ensejaram uma das mais longas e desgastantes greves de professores da rede pública de São Paulo (2015), que experimentaram amarga derrota frente às práticas crescentemente antidemocráticas do governo tucano.
Em setembro último, sem qualquer discussão prévia com os atingidos imediatos e sem fundamentar, pedagogicamente, a intencionalidade das medidas perante a sociedade, o governo não vai além dos argumentos tecnocráticos para comunicar o fechamento imediato de 94 escolas e outros tantos “rearranjos” sobre um número muito maior delas.
O destaque vai para o encerramento dos períodos noturnos e o deslocamento forçado de centenas milhares de estudantes pobres de todas as faixas etárias. As medidas seguem uma tendência de municipalização e sucateamento da educação pública que visa transferir a responsabilidade do ensino para o terceiro setor e posteriormente para as empresas privadas.
Ou seja, promover um amplo processo de privatização da educação em massa no estado, nos mesmos moldes do que já vem sendo feito com a saúde e os presídios.
No entanto, o quadro vem sendo amplamente divulgado – em muitos casos, manipulado – pelas redes, pelas mídias, pela imprensa.
O que pouco se percebe é que, neste exato momento, não seria absurdo dizer que a mais bem sucedida dupla de pedagogos do país atende pelos nomes de Geraldo Alckmin e Herman Voorwald. Isso porque, se num ato arbitrário, governador e secretário suprimem o direito constitucional à educação pública, ao mesmo tempo suspendem a normalidade alienante de uma política pedagógica imbecilizante, que não contempla sequer minimamente a expectativa e a capacidade intelectual dos seus alvos.
Atiram-nos num limbo de onde os estudantes encontram imensa razão para a luta. Aí é que, mobilizados em torno de uma causa institucional – a luta contra a supressão do direito de estudarem numa escola pública –, muitos jovens terão sua primeira experiência de agirem como sujeitos. Espaços serão criados para desenvolverem outras pedagogias críticas que a Escola sem política pretende lhes negar. Compreenderão o sentido da solidariedade pela luta do outro, como foi o caso de um grupo de estudantes em relação à greve dos trabalhadores da Usiminas.
Quando ocupam escolas confiscadas pelo Estado, enfrentam a truculência da repressão e descobrem, aos 14, 15, 16 anos de idade, que educação não se aprende somente na sala de aula. Ela pode e vem da liberdade de desobedecer e questionar a ordem adversa. Certamente, voltarão à normalidade, se ela for restabelecida, muito melhores e mais enriquecidos de como iniciaram essa luta que é deles e é de todos nós.
“Não tem arrego, você tira minha escola e eu tiro o seu sossego”.
“Não vim prá escola prá sair de camburão. Sou estudante, não sou ladrão”.
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Maria Orlanda Pinassi é professora da UNESP Araraquara.
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